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Comportamento

Juntos, casal já percorreu 1,7 mil km em quatro Caminhos de Santiago

Em 2003, ela descobriu o câncer quando o casal se preparava para viajar.

Paula Maciulevicius | 02/06/2017 07:38
Moacir e Fátima já terminando o Caminho Português, faltando 10km para chegar a Santiago. (Foto: Arquivo Pessoal)
Moacir e Fátima já terminando o Caminho Português, faltando 10km para chegar a Santiago. (Foto: Arquivo Pessoal)

Entre livros de dicas e álbuns de fotos, muitos quilômetros percorridos. Movidos pela fé e pela vontade de se exercitar, Fátima e Moacir já colocaram as mochilas nas costas para quatro Caminhos de Santiago. Se os quilômetros forem somados, são 1.760 mil; se as lições forem contabilizadas, o número é infinito.

"Nós gostamos de atividades físicas em geral. Eu caminho aqui dentro do condomínio todos os dias há mais de 30 anos", conta a funcionária pública Maria de Fátima Soalheiro, de 63 anos. Os caminhos mais longos, com destino a Santiago, começaram em 2005 e foram uma conquista depois de dois anos do tratamento de um câncer de mama.

"Em 2003 descobri o câncer quando estávamos nos preparando para viajar. Fiz o tratamento e, felizmente, como estava no início, Deus me deu essa nova oportunidade. E você ir e fazer 30 dias de Caminho, nossa, eu voltei assim, renovada", descreve Fátima.

Moacir no albergue em Redondella, na divisa de Portugal e Espanha. (Foto: Arquivo Pessoal)
Moacir no albergue em Redondella, na divisa de Portugal e Espanha. (Foto: Arquivo Pessoal)
Quando o cansaço bate, bastão vira apoio. Faltavam 25km para Santiago. (Foto: Arquivo Pessoal)
Quando o cansaço bate, bastão vira apoio. Faltavam 25km para Santiago. (Foto: Arquivo Pessoal)

Desde 2005 o casal estuda o trajeto, se prepara fisicamente, faz a mochila e segue. O primeiro foi o roteiro mais tradicional, francês; depois o da Costa, feito pela Espanha; outro que parte de Lion, na França – metade do francês –; e, por fim, esse último feito entre abril e maio, o português. Todos terminam em Santiago e todos trazem consigo muito aprendizado.

"Existem centenas de caminhos. A peregrinação surgiu no século 2 depois de Cristo, quando gente de todo mundo começou a sair. Fizemos o mais famoso em 32 dias, eram 740 quilômetros", conta Fátima. A média de tempo depende da disposição do peregrino e também do trajeto a ser feito.

"Na igreja onde a gente termina o Caminho e recebe a Compostela, fazem estatística das pessoas que vão receber. Apenas 3% faz o caminho com objetivo religioso, a grande maioria é espiritual e por motivos esportivos", explica Fátima. No caso deles, foi o trio. "Juntou a vontade de caminhar, de viajar com o aspecto religioso", completa ela.

Das pessoas que se conhece no caminho: com frutas, dona Dolores acolhe peregrinos no abraço. (Foto: Arquivo Pessoal).
Das pessoas que se conhece no caminho: com frutas, dona Dolores acolhe peregrinos no abraço. (Foto: Arquivo Pessoal).

Moacir pega emprestadas palavras que já leu por aí para descrever o que é o antes, o durante e o depois do caminho. "Não se faz um caminho sem andar. A viagem da vida de peregrino acontece entre as vivências desconhecidas que nos leva a fazer um enriquecimento da alma", diz Moacir Steffen, de 64 anos.

Engenheiro, ele explica que existem ensinamentos diferentes e que só fazendo para sentir. A mochila vira casa e companhia durante uma média de 8h.

"São coisas que a gente lê e ajuda a dar outro enfoque para o Caminho, como: 'você recorda um dos momentos mais especiais do Caminho?' E são muitos. Na verdade, todos os dias você tem momentos especiais e diferentes, desde o nascer até o por do sol, você vê campos maravilhosos de papoulas, margaridas, uvas, o desabrochar da primavera", descreve.

Pela riqueza de detalhes e paixão com que narram o caminhar, Santiago parece bem ali, diante dos olhos de quem ouve. "A gente sente a nossa pequenez diante da grandeza do senhor", completa Moacir.

Pelo Caminho, o que Fátima gosta de fazer é conversar com as pessoas, ouvir histórias, conhecer outras realidades de vida. Uma que a marcou em especial foi a bondade com que Rafael, um português, teve ao emprestar dois bastões de caminhada.

O casal tinha deixado para comprar os equipamentos lá e, chegando no ponto de começar o caminho, na Vila do Conde, não encontram loja para vender. "Disseram: ali tem uma casa, pode ser que ele tenha... Perguntamos se tinha para vender e ele disse: 'vender não, tenho para emprestar'".

Fátima não esquece o semblante nem as palavras do jovem que cedeu sem nada cobrar os dois bastões a um casal que ele nunca tinha visto na vida. "Tudo coopera quando você quer caminhar", aprendeu a funcionária pública.

Durante o trajeto, um pé machucado de Moacir fez um senhor português deixar a bicicleta e caminhar a pé junto com eles, só para abrigá-los num local mais próximo do que o programado. "É aquilo: 'bem-aventurado és o peregrino que não tem a preocupação de chegar senão chegar com os outros'", contextualizou Moacir.

A mochila fica mais leve com o passar dos quilômetros, à medida que o coração não sabe mais onde guardar emoções. E a gente pergunta ao casal: por que escolheram caminhar tanto e tão longe?

"O caminho te dá um tempo de introspecção. Ali está você com você mesmo para fazer uma avaliação do que vale na nossa vida, no nosso dia a dia", ensina Moacir.

Na bagagem, a cada Caminho, Fátima traz força para ajudar quem precisa. "Me mostra como as pessoas são boas e que eu não tenho do que reclamar, só a partilhar. Quando volto, não posso ser a mesma Maria de Fátima".

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