Lado B leva roqueiro à Valley e sertanejo ao Fly, para aproximar tribos opostas
Eles nunca pisaram no point cultural oposto, mas tinham ideias preconcebidas e por isso um sempre passou longe do espaço do outro quando o assunto era diversão. Esse tipo de repulsa, comum às duas tribos em Campo Grande, atiçou o Lado B que resolveu levar um roqueiro à casa dos sertanejos - a Valley Pub, e um sertanejo à balada mais tradicional dos roqueiros - o Bar Fly. A experiência foi reveladora.
O primeiro a entrar no desafio foi o baterista Felipe Lira, de 26 anos, músico de uma banda de metal da cidade. Na noite combinada, ele já chega à Valley Pub “causando”, com som pesado no carro da banda “Slayer”, batida tão diferente que fez muita gente virar a cabeça na fila do bar sertanejo mais badalado da cidade.
E foi justamente a espera o primeiro ponto a servir de critica. “Eu enfrento fila para assistir show de grandes bandas, como Iron Maiden, não para entrar em bar, ficaria de saco cheio”, reclama o metaleiro.
A entrada custa R$ 30,00, em dias comuns. E quem está acostumado a pagar R$ 10,00 nas casas noturnas underground se assusta. Mesmo assim não reclama e até entende o motivo. “O valor é válido. pelo atendimento, por estarem de prontidão não se torna caro”. Para Felipe, o atendimento, a forma como os funcionários recebem os clientes, foi uma das boas revelações da noite.
Lá dentro, o primeiro olhar teve na mira a decoração, que de cara fez Felipe entender que o lugar é “coisa de elite”. Na avaliação dele, não é nada muito diferente de outros bares temáticos, como o “Lendas”, único pub de rock da Capital.
Mas para roqueiro que se preze, decoração não sustenta uma noite. O que vale é o som e nesse quesito, não há negociação. “A música me move e procuro ir a locais que tenham músicas que eu gosto. Eu respeito o sertanejo, mas não me agrada”, justifica.
As camisas sociais dos homens e os saltos bem altos das meninas deixam claro, segundo Felipe, a preocupação com a aparência, o que incomoda um pouco. “As pessoas ficam querendo mostrar status. Para mim é forçado, mas pra eles pode não ser. É uma visão”, comenta, sem querer criar polêmicas.
Outro ponto que chamou a atenção do músico foi o número de seguranças espalhados pela casa, para evitar brigas entre clientes que abusam do álcool. Legislando em causa própria, Felipe diz que no rock nunca viu confusão desse tipo. “O público roqueiro já está acostumado a superar qualquer discriminação e há afinidade musical, o que torna um mais próximo do outro”.
Por fim, o baterista admite: não se incomodaria em frequentar o espaço dos sertanejos, desde que estivesse acompanhado de amigos. “Mas não viria para ouvir música, de forma alguma”. De novo, o som falou mais alto, mas fora isso, a casa passou na avaliação do representante rocker. “Aqui só falta tocar rock’n’roll”, brinca.
De botina - De camisa xadrez e os cabelos arrepiados, ao estilo “Gustavo Lima”, o cantor de arrocha Evandro Campos, de 29 anos, encarou o Bar Fly, reduto de blues, jazz e rock em Campo Grande. De chegada, destoou do outros no ambiente, mas gente boa, ele acabou gostando.
A máxima de que ”a primeira impressão é a que fica” não coube neste caso. Evandro mudou totalmente a imagem um dia desenhada sobre o lugar. “Eu pensava que o bar seria escuro e repleto de pessoas de preto. Aqui é bem iluminado, não imaginei que fosse bonito, bem decorado”, diz surpreso.
Como muita gente que aceita conceitos só e ouvir falar, ele também descobre que roqueiro não é “tudo mal encarado” e não tem dificuldade para puxar papo no salão. “Aquela imagem de que o roqueiro é drogado é visão do passado”, admite.
Espontâneo, sem meias palavras, o rapaz se encanta também com a beleza das meninas, apesar de aparecerem em menor quantidade em comparação às baladas sertanejas. Para o cantor, uma das lições no Fly é que qualidade pode ser melhor que quantidade. “As meninas do sertanejo se arrumam uma para outra, parece que vão a um casamento”, reclama.
Em dia de blues no palco, Evandro mostrou interesse pela atração e até arriscou listar algumas bandas conhecidas do estilo. Em 2001, o cantor veio para Campo Grande em busca do sucesso e ainda hoje investe no sertanejo universitário, sem nunca ter tentado algum ritmo parecido com o rock.
Mesmo representando o público de quem gosta de uma viola, ele termina a noite defendendo a cultura roqueira. “Achei legal, o povo é diferente, não tem a mesma ‘fitagem’ do público sertanejo”, comenta.
Por fim, os dois mostram que os opostos também podem ter uma noite divertida quando decidem visitar a cultura do vizinho.