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Comportamento

Luca largou tudo para começar do zero no esporte ao se assumir trans

Atleta decidiu deixar a seleção brasileira feminina de tênis de mesa e se reiventar no esporte

Por Idaicy Solano e Fernanda Palheta | 15/07/2024 06:33
Luca deixou seleção brasileira feminina de tênis de mesa para começar do zero na categoria masculina (Foto: Paulo Francis)
Luca deixou seleção brasileira feminina de tênis de mesa para começar do zero na categoria masculina (Foto: Paulo Francis)

“Quando eu disse que não queria mais jogar no feminino, não queria mais fazer parte da seleção, e que ia começar o tratamento hormonal, e que queria competir no masculino, eu sabia das coisas que poderiam acontecer com isso. Eu sei que vou estar abrindo mão de muita coisa, mas acho que faz parte do pacote e assumi a responsabilidade por isso”. O relato é do atleta Luca Kumahara, 28, primeiro mesatenista trans do Brasil e do mundo.

Luca esteve em Campo Grande neste domingo (14), para participar da 32ª edição do Torneio Interestadual e Internacional de Tênis de Mesa da Associação Esportiva e Cultural Nipo Brasileira. O atleta já participou de três Olimpíadas, em Tóquio, Rio de Janeiro e Londres, e coleciona medalhas de prata e bronze nos Jogos Pan-Americanos de 2015.

Em entrevista ao Lado B, o atleta revelou que abriu mão de sua vaga na seleção brasileira feminina de tênis de mesa após tomar a decisão de se assumir como homem trans. A escolha implicou em precisar recomeçar a carreira do zero, já que ao desistir da seleção feminina para tentar uma vaga na masculina, teve seus rankings tanto nacional quanto internacional zerados.

“Eu fui o primeiro caso trans na federação, então eles ainda estavam decidindo o que fazer em relação aos meus recordes. Mas independente dos pontos, eu ia ter que começar do zero. Desde que comecei o tratamento hormonal e desde que comecei a competir no masculino, este aqui está sendo meu quarto campeonato”, conta.

Luca assumiu seu nome social em setembro de 2022 e relata que foi bastante acolhido, tanto por sua equipe quanto pela Federação. Mesmo sendo tratado pelo pronome masculino, continuou competindo na equipe feminina por mais um tempo até decidir “entrar de cabeça” na transição e depositar suas energias naquilo que realmente desejava.

Ele começou a transição em maio de 2023 e fez seu primeiro tratamento hormonal após seu último campeonato com sua antiga equipe, na África do Sul. “Eu cheguei de viagem, fui direto do aeroporto para a farmácia para aplicar a primeira dose do hormônio”, relembra.

“A Confederação, o Comitê Olímpico tiveram todo o cuidado, o carinho comigo de me acolher da melhor forma. Então sei que sou muito privilegiado nesse sentido. Com minha família também foi muito tranquilo. E isso é uma coisa que tornou minha vida menos difícil”, declara o atleta.

“Sempre me senti um menino.”

Já imaginou conviver com a sensação de se sentir preso em uma caixinha, tentando se adequar para caber? Era mais ou menos essa a sensação que Luca relata ter sentido por todos esses anos antes de se assumir como homem trans.

“Eu sempre me identifiquei como menino, sempre me senti um menino. Então pra mim até a palavra transição em si, ela não tem o sentido literal da coisa. Pra mim não teve essa transição, eu sempre me senti um menino. Como eu sempre vivi no meio do esporte praticamente, que é 100% binário, separado de feminino e masculino, essa era uma coisa que me trazia um desconforto, por eu competir no feminino e não sentir que eu pertencia àquele lugar, àquela categoria”, detalha Luca.

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O atleta detalha que sempre foi muito dedicado aos treinos, e quase cem por cento de sua vida se resumia ao esporte. O primeiro contato dele com uma pessoa trans foi por meio de um vídeo no youtube, do qual um homem fala sobre o processo de transição dele.

“Eu me identifiquei com um monte de coisa. E ele falando sobre o tratamento hormonal, sobre as mudanças que traziam pro corpo. E foi nessa hora que eu vi, que eu falei assim, ‘eu quero fazer isso um dia’. Aí eu comecei a calcular quando faria”, relata.

Ganhos e perdas 

No momento, Luca está participando de competições menores, com o intuito de conseguir bons resultados no tênis de mesa. Ele detalha que seu plano profissional é tentar jogar em alguma liga na Europa.

“Eu já joguei no feminino, eu tenho um clube lá que eu gosto muito das pessoas, e eu acho que é possível conseguir jogar lá, porque daí eu não dependo do resultado da seleção, não preciso estar jogando em campeonato internacional, eu foco ali só na liga e consigo viver disso, viver sendo jogador de tênis mesmo”, resume o atleta.

Como agora não tem tantos compromissos com campeonatos importantes, Luca voltou a jogar futsal, em um time de homens trans lá do ABC Paulista. O esporte é bastante apreciado para o atleta, que no passado teve que abrir mão de praticá-lo para poder se dedicar aos treinos do tênis de mesa.

 “[É bom] estar nesse ambiente com vários homens trans, que têm vivências parecidas com as minhas, que entendem o que é o incômodo de usar um banheiro, às vezes, coisas que pra pessoa cis ninguém percebe. Eu acho que é um lugar que me acolheu, que me abraçou”, diz.

Luca em campeonato neste domingo (14) (Foto: Paulo Francis)
Luca em campeonato neste domingo (14) (Foto: Paulo Francis)

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