Mãe ensina filho a escrever e alegria é recompensa diante de um câncer
Aos 4 aninhos, José Rubens aprendeu primeira letra do nome graças à mãe, que tem superado dificuldades no tratamento de um câncer
Quando o relógio marca 13h, Rosilene Lopes Porto, de 45 anos, dá lugar à professora Jane e a sala de casa vira escola para o filho José Rubens. O pequeno de 4 anos, que mal compreende os efeitos da pandemia, tampouco sabe o bem que tem trazido à mãe. Em tratamento contra um câncer descoberto ao acaso, Rosilene enxerga no filho e nas tarefas a força para lidar com a doença.
Respeitando as medidas de segurança, é de longe que a conversa acontece. A família veio de Sorriso, cidade do estado vizinho, Mato Grosso, para a Capital em maio do ano passado para visitar parentes, e ao ver que uma gripe não tinha fim, Rosilene resolveu ir ao médico. Foi assim que descobriu que o que acreditava ser um resfriado, na verdade era pneumonia. Este era só o início da saga rumo aos exames e consultas até que se descobrisse o câncer.
"Depois que fiz um exame, voltei ao hematologista que me disse que meu problema era grave, que as células poderiam ser malignas e que eu tinha de procurar um tratamento urgente", recorda.
Foram pedidos outros exames que a paciente não conseguiu fazer pelo preço. Ela relata que procurou o SUS, mas ainda levou quase quatro meses para conseguir. "Consegui pelo HU porque engravidei neste intervalo e espontaneamente tive um aborto. Fui parar no hospital, que já fez o ultrassom e o bebê não estava mais vivo. Aí lá fiz endoscopia que trouxe o exame de câncer maligno, um linfoma atrás do baço, fígado e pâncreas", descreve.
A força de Rosilene para contar o que em pouco mais de 1 ano se tornou narrativa de vida é de se refletir. Porque não há lamentos, reclamações, só alegria de ver que a doença fica em segundo plano quando ela se torna a professora.
Foi assim que o Lado B chegou até ela, depois a professora mesmo, da turma do filho, Kellen, da Escola Municipal Adair José de Oliveira, no bairro Piratininga, procurou a imprensa. Dentro de tantas adaptações que a pandemia provocou, Kellen se emocionou ao ver uma mãe em especial dar tanta atenção às tarefas do filho.
Depois do diagnóstico, Rosilene que só tinha vindo a passeio, nem voltou para casa. O marido fez a mudança e eles alugaram uma casa por aqui. No início do ano, José Rubens foi matriculado na escola, mas teve pouquíssimo tempo de aula fora de casa. "Foi só um mês estudando e depois já veio a pandemia. Ele ficava perguntando: 'quando volta a escola? Quando vai voltar?', porque realmente interagia e gostava", conta a mãe.
Em casa, o celular dela virou lousa e as apostilas com atividades são o guia para que a mãe ensine o filho. "E é uma coisa que eu estou amando, de ensinar ele, porque ele depende de mim e eu dele para a minha superação. Ele não sabia o A, E, I, O, U e eu ensinei. Hoje ele já sabe a primeira letra do nome dele e do meu", relata toda orgulhosa a "professora".
Nem durante as sessões de quimioterapia, a mãe interrompe as aulas. "Quando acaba uma apostila, a professora dele já avisa que tem disponível e a gente busca", fala. As aulas são vistas pelo Youtube que servem de explicação tanto para o menino quanto para a mãe.
"Eu leio para ele a apostila e explico o que tem que fazer e estamos começando a alfabetizar", pontua a mãe. As aulas começam 13h e seguem até 17h com intervalo para o lanche. Momento em que mãe e filho brincam e tomam o café da tarde.
Rosilene não chegou a fazer faculdade, mas tem o ensino médio completo. "Eu nunca imaginei que ia virar professora dele", ri. "Mas a pandemia veio e tudo foi mudando. Para mim, é muito bom porque ele me ajuda bastante, as aulas me distraem a cabeça da quimioterapia, do câncer. Me ajudou no psicológico e vejo que Deus me dá força para poder ensinar ele, porque se eu não tivesse força, como ia fazer?", se pergunta.
O menininho é simpático e nada tímido. Na lata, diz que em casa, além da mãe, também tem a professora Jane. "Tem vezes eu eu não gosto de chamar ela assim, aí chamo de mamãe", diz. "Ela deixa, mas é brava", entrega.
A parte preferida da aula em casa é o recreio, sinal de que a amizade da mãe consegue matar um pouquinho das saudades que ele sente dos amigos. "Sim, eu sei fazer o J do meu nome", escreve. "J de José Rubens Lopes Rodrigues Porto".
Questionado se prefere a professora Jane ou a professora de verdade, da escola, ele não titubeia. "Prefiro a Jane, mas gosto das suas. Sabe o que eu gosto mesmo de fazer? Chupar picolé e minha mãe deixa".
O diálogo demonstra a inocência de uma criança que em meio à pandemia e o tratamento da mãe, está sentindo falta de sair de casa. "É por causa do coronavírus. Esse coronavírus, eu não gosto dele, porque ele fica só enchendo o saco da gente e nós não pode ir na rua, não pode ir no parquinho e nem ir comprar roupa", desabafa.
As mãozinhas, ele diz que lava toda hora, mas volta e meia se esquece e passa a mão no nariz.
Para a mãe, o aprendizado maior é ver que o filho está aprendendo com ela. "Eu fico bastante emocionada vendo ele aprender. Sinto que é uma vitória por eu estar passando por esses problemas e podendo ajudar ele ainda e no futuro, ele vai lembrar com boas imagens das aulinhas que a mamãe deu".