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Comportamento

Mãe ensina filho a escrever e alegria é recompensa diante de um câncer

Aos 4 aninhos, José Rubens aprendeu primeira letra do nome graças à mãe, que tem superado dificuldades no tratamento de um câncer

Paula Maciulevicius Brasil | 10/09/2020 06:30

Quando o relógio marca 13h, Rosilene Lopes Porto, de 45 anos, dá lugar à professora Jane e a sala de casa vira escola para o filho José Rubens. O pequeno de 4 anos, que mal compreende os efeitos da pandemia, tampouco sabe o bem que tem trazido à mãe. Em tratamento contra um câncer descoberto ao acaso, Rosilene enxerga no filho e nas tarefas a força para lidar com a doença.

Respeitando as medidas de segurança, é de longe que a conversa acontece. A família veio de Sorriso, cidade do estado vizinho, Mato Grosso, para a Capital em maio do ano passado para visitar parentes, e ao ver que uma gripe não tinha fim, Rosilene resolveu ir ao médico. Foi assim que descobriu que o que acreditava ser um resfriado, na verdade era pneumonia. Este era só o início da saga rumo aos exames e consultas até que se descobrisse o câncer.

Com semblante que transmite serenidade, Rose é a mãe que se tornou professora pela pandemia e tem adorado a missão. (Foto: Kísie Ainoã)
Com semblante que transmite serenidade, Rose é a mãe que se tornou professora pela pandemia e tem adorado a missão. (Foto: Kísie Ainoã)

"Depois que fiz um exame, voltei ao hematologista que me disse que meu problema era grave, que as células poderiam ser malignas e que eu tinha de procurar um tratamento urgente", recorda.

Foram pedidos outros exames que a paciente não conseguiu fazer pelo preço. Ela relata que procurou o SUS, mas ainda levou quase quatro meses para conseguir. "Consegui pelo HU porque engravidei neste intervalo e espontaneamente tive um aborto. Fui parar no hospital, que já fez o ultrassom e o bebê não estava mais vivo. Aí lá fiz endoscopia que trouxe o exame de câncer maligno, um linfoma atrás do baço, fígado e pâncreas", descreve.

A força de Rosilene para contar o que em pouco mais de 1 ano se tornou narrativa de vida é de se refletir. Porque não há lamentos, reclamações, só alegria de ver que a doença fica em segundo plano quando ela se torna a professora.

Foi assim que o Lado B chegou até ela, depois a professora mesmo, da turma do filho, Kellen, da Escola Municipal Adair José de Oliveira, no bairro Piratininga, procurou a imprensa. Dentro de tantas adaptações que a pandemia provocou, Kellen se emocionou ao ver uma mãe em especial dar tanta atenção às tarefas do filho.

Tarefas são guiadas pela mãe, todos os dias, das 13h às 17h, período em que a sala de casa vira escola. (Foto: Kísie Ainoã)
Tarefas são guiadas pela mãe, todos os dias, das 13h às 17h, período em que a sala de casa vira escola. (Foto: Kísie Ainoã)

Depois do diagnóstico, Rosilene que só tinha vindo a passeio, nem voltou para casa. O marido fez a mudança e eles alugaram uma casa por aqui. No início do ano, José Rubens foi matriculado na escola, mas teve pouquíssimo tempo de aula fora de casa. "Foi só um mês estudando e depois já veio a pandemia. Ele ficava perguntando: 'quando volta a escola? Quando vai voltar?', porque realmente interagia e gostava", conta a mãe.

Em casa, o celular dela virou lousa e as apostilas com atividades são o guia para que a mãe ensine o filho. "E é uma coisa que eu estou amando, de ensinar ele, porque ele depende de mim e eu dele para a minha superação. Ele não sabia o A, E, I, O, U e eu ensinei. Hoje ele já sabe a primeira letra do nome dele e do meu", relata toda orgulhosa a "professora".

Nem durante as sessões de quimioterapia, a mãe interrompe as aulas. "Quando acaba uma apostila, a professora dele já avisa que tem disponível e a gente busca", fala. As aulas são vistas pelo Youtube que servem de explicação tanto para o menino quanto para a mãe.

"Eu leio para ele a apostila e explico o que tem que fazer e estamos começando a alfabetizar", pontua a mãe. As aulas começam 13h e seguem até 17h com intervalo para o lanche. Momento em que mãe e filho brincam e tomam o café da tarde.

Além do A, E, I, O, U, o filho também já sabe as iniciais de seu nome: José e o R da mãe, Rosilene. (Foto: Kísie Ainoã)
Além do A, E, I, O, U, o filho também já sabe as iniciais de seu nome: José e o R da mãe, Rosilene. (Foto: Kísie Ainoã)

Rosilene não chegou a fazer faculdade, mas tem o ensino médio completo. "Eu nunca imaginei que ia virar professora dele", ri. "Mas a pandemia veio e tudo foi mudando. Para mim, é muito bom porque ele me ajuda bastante, as aulas me distraem a cabeça da quimioterapia, do câncer. Me ajudou no psicológico e vejo que Deus me dá força para poder ensinar ele, porque se eu não tivesse força, como ia fazer?", se pergunta.

O menininho é simpático e nada tímido. Na lata, diz que em casa, além da mãe, também tem a professora Jane. "Tem vezes eu eu não gosto de chamar ela assim, aí chamo de mamãe", diz. "Ela deixa, mas é brava", entrega.

A parte preferida da aula em casa é o recreio, sinal de que a amizade da mãe consegue matar um pouquinho das saudades que ele sente dos amigos. "Sim, eu sei fazer o J do meu nome", escreve. "J de José Rubens Lopes Rodrigues Porto".

Questionado se prefere a professora Jane ou a professora de verdade, da escola, ele não titubeia. "Prefiro a Jane, mas gosto das suas. Sabe o que eu gosto mesmo de fazer? Chupar picolé e minha mãe deixa".

O diálogo demonstra a inocência de uma criança que em meio à pandemia e o tratamento da mãe, está sentindo falta de sair de casa. "É por causa do coronavírus. Esse coronavírus, eu não gosto dele, porque ele fica só enchendo o saco da gente e nós não pode ir na rua, não pode ir no parquinho e nem ir comprar roupa", desabafa.

As mãozinhas, ele diz que lava toda hora, mas volta e meia se esquece e passa a mão no nariz.

Para a mãe, o aprendizado maior é ver que o filho está aprendendo com ela. "Eu fico bastante emocionada vendo ele aprender. Sinto que é uma vitória por eu estar passando por esses problemas e podendo ajudar ele ainda e no futuro, ele vai lembrar com boas imagens das aulinhas que a mamãe deu".

Do tratamento do câncer, as lembranças que vão ficar para Rosi são das aulinhas dadas ao filho em meio à pandemia. (Foto: Kísie Ainoã)
Do tratamento do câncer, as lembranças que vão ficar para Rosi são das aulinhas dadas ao filho em meio à pandemia. (Foto: Kísie Ainoã)

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