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Comportamento

Mães solo relatam exaustão e sofrem com dificuldades no trabalho

Pesquisa revelou 11 milhões de mães solo no Brasil; mulheres são as que mais criam filhos sozinhas

Guilherme Correia | 12/05/2023 14:18
Mulher segura carteira de trabalho durante procura de emprego, em ação na Capital. (Foto: Paulo Francis)
Mulher segura carteira de trabalho durante procura de emprego, em ação na Capital. (Foto: Paulo Francis)

Mães que criam filhos sozinhas têm mais dificuldades de inserção no mercado de trabalho e quando conseguem ocupação, têm renda média inferior a de grupos como mulheres e homens casados e com filhos, conforme pesquisa do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Além disso, as mães solo relatam que conciliar as rotinas de trabalho dentro e fora de casa com a criação de crianças tem provocado exaustão.

O estudo mostra que o Brasil tem mais de 11 milhões de mães que criam filhos sozinhas. Na última década, o País ganhou 1,7 milhão de mães com a responsabilidade de criarem os filhos sem ajuda paterna. O levantamento mostra também que 90% das mulheres que se tornaram mães solo entre 2012 e 2022 são negras e quase 15% dos lares brasileiros são chefiados por mães solo. A maioria (72,4%) vive só com filhos e não conta com rede de apoio próxima. Vale ressaltar que não foram divulgados dados regionalizados deste estudo.

Crislayne Maciel Casalli, de 30 anos, divide sua rotina com os três filhos - João Victor, 10, Maria Fernanda, 9, e Giovanna, 6, além de ter três ocupações. Ela trabalha meio período como professora e no outro turno é empresária no ramo de higienização de estofados. Aos finais de semana e em algumas noites, ainda atua como segurança noturna. Perguntada sobre como consegue conciliar tantas atividades e responsabilidades, ela responde: “Também não sei como, talvez eu só meto a cara e vou mesmo”.

“Sempre digo que o maior desafio é saber equilibrar os carinhos e as correções. Ser a maior responsável pela educação de seus filhos e também a maior fonte de amor e cuidado. Chamar a atenção e lhes corrigir, mas também estar disponível para ouvir, ensinar e dar amor, tendo em vista que, nesse caso, só se tem a mãe centralizando todos esses papéis. Além de ter que se equilibrar entre a casa e os filhos e os ofícios de trabalho, estudos e, quando se permitem, alguma diversão”.

Em 2022, levantamento da Arpen-MS (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais de Mato Grosso do Sul) mostrou que, no primeiro quadrimestre do ano, 7,1% das crianças no Estado foram registradas apenas com o nome da mãe, o maior número absoluto e percentual no período desde de 2018.

Em outras palavras, de um total de 14.431 recém-nascidos, 1.023 foram registrados apenas com o nome da mãe.

No mesmo período em 2018, nasceram 16.002 crianças e 991 delas foram registradas só com o nome materno, 32 menos que este ano. Isso mostrou que em 4 anos, o número de mães solo no Estado subiu 0,9%.

Crislayne ao lado dos três filhos; ela trabalha em três lugares diferentes para conseguir arcar com o orçamento da família. (Foto: Arquivo pessoal)
Crislayne ao lado dos três filhos; ela trabalha em três lugares diferentes para conseguir arcar com o orçamento da família. (Foto: Arquivo pessoal)

Dificuldade financeira - No Brasil, diz o estudo da FGV, o rendimento do trabalho das mães solo foi estimado em R$ 2.105 por mês no quarto trimestre de 2022. O valor ficou quase 39% abaixo da renda dos homens casados e com filhos (R$ 3.438). Antes da pandemia, no quarto trimestre de 2019, essa diferença era menor. Elas recebiam 33,4% a menos do que eles - R$ 2.325 e R$ 3.493, respectivamente. Os dados foram publicados em termos reais, ou seja, com o ajuste pela inflação.

Crislayne relata que, ao longo de quase 11 anos de maternidade, sempre sentiu a necessidade de uma rede de apoio para ajudar na criação dos filhos. Quando eles eram menores, ela trabalhava em Bandeirantes, a 70 quilômetros de Campo Grande, onde morava.

Desta forma, o apoio da mãe, avó paterna e das tias sempre foi crucial. “Na verdade, toda minha família se envolvia na criação deles, porque eu estava das 6h às 19h ausente, ou na estrada ou onde eu trabalhava. Por ficar muito tempo longe de casa, preferi me mudar para Bandeirantes”.

Ela relata que se mudou para Bandeirantes e que a decisão foi acertada, já que a cidade é pequena e mais tranquila e melhor para criar as crianças. Em muitos casos, os familiares são quem dão o apoio em situações de necessidade, como quando ela precisa viajar a trabalho, por exemplo, ou nas férias escolares.

“No dia a dia, minha rede de apoio maior são meus amigos. Que me incentivam e reconhecem o quanto me dedico para ser uma boa mãe. São colo e lugar de escuta quando estou exausta ou precisando de palavras que me reergam, já que toda rotina de três trabalhos - professora, empreendedora e segurança -, além de ser universitária e mãe, é bem exaustiva e às vezes deixo de entregar 100% em alguma área da nossa vida. Então, tenho amigos que, quando as coisas apertam, seguram minha mão e me dão força para continuar, não me fazendo esquecer do meu valor”.

Crislayne explica que vai a Campo Grande ao menos uma vez por mês para ver a família. Nessas oportunidades, as crianças veem o pai, que realiza certa contribuição financeira. A mãe afirma que os três empregos são uma forma de não depender de outros e garantir o sustento, ainda que a rotina seja exaustiva.

É tão desgastante, que prefiro me desdobrar na escola, empresa e segurança, para não deixar faltar nada para eles”, diz a Crislayne Maciel Casalli, 30, que tem três filhos e trabalha em três lugares.

Em relação à necessidade em existir uma coletividade para a criação das crianças - que inclui não apenas a família, mas também a sociedade como um todo -, Crislayne é enfática: “É constitucional! A proteção da criança é de responsabilidade de sua família, da sociedade e do Estado”.

“Acho que essa contribuição é feita, em grande parte, pelas escolas. Como professora, digo que muito da afetividade e atenção que a criança necessita, ela recebe da maioria de seus professores. Esses com seu olhar empático percebem e podem intervir agregando cuidados e afetividade à criança. No mais, penso que a maioria das pessoas ainda não está preparada para ver com empatia essa situação”.

A professora comenta que ainda há muito julgamento contra mães que criam o filho sozinhas, já que não se enquadram num “molde tradicional” de família. “Já ouvi pessoas próximas dizerem: ‘você que quis ter filho, então não pode reclamar de nada mesmo’, ‘se o pai fizesse o papel dele, bem, se não fizesse, eu que fiz uma escolha ruim de pai para os meus filhos e teria que arcar com as consequências”, exemplifica.

“De qualquer modo, os níveis de culpa que permeiam o nosso dia a dia são altíssimos e bombardeados de todos os lados. Mas, ainda assim, há quem nos acolha e seja colo quando as coisas não vão bem”.

Crislayne comenta que o acompanhamento psicológico tem ajudado há mais de um ano a conseguir dar caminhos para lidar com a sobrecarga emocional. “A sobrecarga maior é a emocional: educação dos filhos, orçamento familiar, empregos, estudos, organização da casa, etc”.

“Acho importante dizer o quanto um acompanhamento psicológico nos ajuda nessa jornada. Faço psicanálise há um ano. Estar em análise me ajuda muito a ter uma melhor visão sobre as minhas responsabilidades, o peso e o equilíbrio das minhas escolhas e suas influências sobre a vida dos meus filho, além de me ajudar a não me esquecer que além da maternidade, eu posso viver meus outros sonhos, porque uma mãe feliz e realizada consegue cuidar melhor de seus filhos”, finaliza.

De acordo com o estudo da FGV, há forte correlação entre o momento da maternidade e o grau de escolaridade das mulheres. Nesse sentido, quando a gestação acontece durante a fase escolar (entre os 14 e 25 anos), pode dificultar e até mesmo inviabilizar a continuidade dos estudos, com possíveis reflexos sobre o futuro profissional das mães.

Um dos reflexos das dificuldades de inserção no mercado de trabalho é a ida de mães solo para a informalidade. Ainda que haja maior flexibilidade para que as mulheres consigam conciliar trabalho e cuidado dos filhos, estatisticamente, a renda tende a ser menor, na comparação com vagas com carteira assinada ou CNPJ.

Mãe e filha em casa de madeira, em Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)
Mãe e filha em casa de madeira, em Campo Grande. (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)

Exaustão - Uma vendedora, de 26 anos, que preferiu não se identificar, relata que se separou do pai de seu filho com sete meses de gravidez. Hoje, o filho tem três anos e, segundo ela, os principais desafios da maternidade têm sido a questão financeira e a exaustão. “As maiores dificuldades em ser mãe solo, além do dinheiro para suprir as necessidades básicas de uma criança, com o aumento do preço das coisas, seria a exaustão. Acredito que muitas mães, como eu, têm em si uma exaustão mental e física”.

O estudo da FGV evidencia que a maior parte das mães solo (72,4%) vivem em domicílios monoparentais, compostos apenas por elas e seus filhos. Ou seja, não moram com parentes e não contam com uma rede de apoio para ajudar nas responsabilidades familiares e laborais.

“Não ter para onde correr, apenas servir, estar e ser obrigada a ser algo para uma criança. Parece confuso, mas é exatamente assim. Tem dias que me encontro apenas querendo ficar de bobeira, comer qualquer coisa e dormir o quanto puder. Mas como não conto com o apoio diretamente de familiares ou do próprio pai da criança, isso é, na minha realidade, impossível”.

A mãe explica que faz tratamento de ansiedade e que a criação do filho impede, muitas vezes, de conseguir descansar. “O problema já não é a ansiedade, nem a falta de sono, é simplesmente a minha realidade, em que diversas vezes me encontro nessa situação de não poder dormir o tempo necessário, para no outro acordar descansada”.

“Sem esquecer do fato de que eu não durmo bem a noite inteira, porque meu filho acorda, toma água, acorda para poder deitar em cima de mim, e diversas coisas que acabam acontecendo no decorrer da madrugada. E isso ocorre há três anos e dois meses. Obviamente, conforme ele foi crescendo, durmo por mais vezes, mas nunca um sono bem realizado, que eu possa dizer, estou descansada. Isso leva à exaustão mental e física”.

Ela conta que ficou sem trabalho formal por dois anos, já que não tinha apoio do poder público, e fazia seus rendimentos vendendo roupas e comidas em casa. Atualmente, a situação teve uma leve melhora, já que o filho fica na creche em tempo integral, vinculada à Reme (Rede Municipal de Educação). Ela ainda paga babá para o filho, para auxiliar na criação.

“E isso tudo, às minhas custas. O genitor é pai um dia no fim de semana. O que não faz muita diferença, quase que nenhuma, afinal ele vê a criança quatro dias ao mês. E nem é um dia completo”, comenta.

A vendedora ressalta que algumas amigas fazem parte do círculo familiar e auxiliam mais até que o pai da criança. “A madrinha dele é minha melhor amiga e está sempre presente em nossas vidas, quase que diariamente. Ela tem mais efeito na vida dele que o próprio pai, infelizmente”.

A mãe descreve que a pensão de R$ 390, equivalente a 30% do salário mínimo, não consegue pagar nem metade das despesas básicas da criança. “Minha realidade, em vista de outras mães, ainda é muito boa. Moro em um bairro bom, tenho condições de manter uma casa com um aluguel caro e graças a Deus não deixar faltar nada que supre as necessidades básicas do meu filho”.

“Mas isso não significa que é fácil. Tenho um trabalho fixo como promotora de vendas e de eventos, e agora comecei a vender sandálias para comprar coisas melhores e que estão começando a entrar na realidade da idade do meu filho. E claro, eu tenho ajuda do governo - são benefícios que, para mim, são excelentes e espero um dia não precisar mais deles”.

Acredito eu, que se a própria sociedade impusesse a mesma responsabilidade que impõem às mães, aos pais, teríamos outra realidade de vários âmbitos”, diz a vendedora, de 26 anos, que preferiu não se identificar.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no terceiro trimestre de 2022, do total de arranjos familiares, os núcleos monoparentais com filhos e chefia feminina somaram 15% – 6,4 vezes mais comum que os arranjos com chefia masculina, que representavam 2%. Ao todo, eram 12,7 milhões de famílias monoparentais com filhos.

Ela ressalta que a falta de participação masculina na criação familiar é algo geracional. Segundo ela, há vezes em que seu pai manda apenas uma mensagem por mês para saber como estão as coisas, quando manda. “Infelizmente, vem das gerações passadas em que os homens serviam apenas para trabalhar e levar sustento, enquanto as mulheres cuidavam da casa e filhos”.

“Mas se as mulheres saíram para trabalhar também, e assim ajudar nas despesas, os homens deveriam, por si só, equilibrar a balança. Mas como disse, é um trabalho em construção. Pena que, nesse caminho, muitas mulheres ficam exaustas mentalmente e fisicamente, onde sair um dia que seja, se possível, apenas para distrair, já são julgadas por terem ‘deixado’ o filho”, opina.

Apesar de lidar com situações que considera tristes e até revoltantes, a vendedora não acha que culpabilização própria ou do filho é o mais justo. “Infelizmente, é a realidade que muitas mães enfrentam, cada um com suas dificuldades, mas são fatos que precisamos mudar. Eu arco com minhas responsabilidades, cheguei a ter um diagnóstico de que não poderia ter filho e eu sempre quis ser mãe, então sou grata por ter essa dádiva na minha vida, só que a realidade, poderia ser diferente. Um pai, minimamente sendo presente, diariamente, mesmo que não sendo cônjuge, seria de muita valia”.

Dados da Arpen-MS mostram que, nos quatro primeiros meses de 2022, dos 15.184 recém-nascidos, 991 foram registrados somente em nome da mãe. Já em 2020, foram 930 crianças sem o nome do pai, de 14.869 nascimentos e em 2019, das 16.465 crianças nascidas de janeiro a abril, 1.007 apenas foram registradas apenas com o nome da mãe.

“O aumento do número de mães solos mostra que ainda será necessário conscientizar a figura masculina sobre os deveres de ser pai, que vão além de oferecer amor, carinho, mas também de garantir ao recém-nascido o direito de saber quem é seu pai e possibilitar benéficos constitucionais a criança”, declarou o presidente da entidade, Marcus Roza.

Desigualdades - O estudo da FGV aponta diferenças dentro do próprio grupo das mães solo. No quarto trimestre de 2022, a renda média do trabalho das mães solo negras foi estimada em R$ 1.685 no Brasil. O valor ficou 39,2% abaixo do rendimento das mães solo autodeclaradas brancas ou amarelas (R$ 2.772).

No quarto trimestre de 2022, em torno de 21% do total de mães solo brancas ou amarelas tinham ensino superior. Entre as mães solo pretas ou pardas, o percentual caía a 9%.

O estudo da FGV evidencia a evolução dos domicílios cujas pessoas de referência são mães solo no Brasil. O número aumentou de 9,6 milhões no quarto trimestre de 2012 para 11,3 milhões no quarto trimestre de 2022. Isso significa um incremento de 17,8% na década, o equivalente a 1,7 milhão a mais de mães solo no período. Segundo o estudo, 90% desse aumento (1,5 milhão) veio de mães solo pretas e pardas, que passaram de 5,4 milhões para 6,9 milhões entre 2012 e 2022.

Segundo o levantamento, entre as mães solo que tiveram o primeiro filho com 15 anos ou menos, apenas 3% contavam com Ensino Superior completo. Já entre as que tiveram o primeiro filho aos 30 anos, 22% apresentavam Ensino Superior completo.

De acordo com o estudo, há uma forte correlação entre o momento da maternidade e o grau de escolaridade das mulheres. Nesse sentido, quando a gestação acontece durante a fase escolar (entre os 14 e 25 anos), pode dificultar e até mesmo inviabilizar a continuidade dos estudos, com possíveis reflexos sobre o futuro profissional das mães, aponta a pesquisa.

As mães solo que tiveram o primeiro filho mais tarde, por volta dos 27 anos, tendem a apresentar um rendimento médio em torno de R$ 1,7 mil, diz o levantamento. É mais do que o dobro da renda de quem virou mãe com 15 anos ou menos (R$ 800).

No quarto trimestre de 2022, 29,4% das mães solo estavam fora da força de trabalho no Brasil. Considerando somente as mães solo com filhos de até cinco anos, a proporção era maior, de 32,4%.

Entre as mães solo negras, o percentual fora da força era de 31% para aquelas com filhos de diferentes idades e de 34,6% para aquelas com filhos de até cinco anos. Entre as brancas e amarelas, a proporção estava em 26,6% e 27,5%, respectivamente.

A população fora da força é composta por profissionais que não estão empregadas nem procurando ocupação.

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