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Comportamento

Medo abala diálogo com pais e filhos preferem conselho até do ChatGPT

O Lado B ouviu relatos de adolescentes e alguns preferem ficar sem diálogo com medo de "castigo por 30 anos"

Por Idaicy Solano | 21/05/2024 07:26
Celular na mão e sorrisos para a tela são cenas comuns entre adolescentes nas ruas (Foto: Marcos Maluf)
Celular na mão e sorrisos para a tela são cenas comuns entre adolescentes nas ruas (Foto: Marcos Maluf)

A facilidade do acesso à informação, o vício nas redes sociais e mil opiniões disseminadas na internet por minuto são apenas alguns dos fatores que influenciam na relação dos adolescentes com a tecnologia e o convívio social, principalmente dentro de casa. Se na geração de seus avós a "única" opção para conversar, tirar dúvidas ou desabafar eram os pais, na era digital, tudo isso pode ser resolvido dando um “Google”, ou perguntando para a inteligência artificial.

Mas mesmo que os jovens se mostrem dispostos a confiarem mais em gente de carne e osso para conversar e pedir conselhos, muitos ainda sentem dificuldade em conversar assuntos polêmicos, como por exemplo religião ou sexualidade, com os pais, e alguns revelam que até recorreriam ao Chat GPT - se fosse a única opção.

Divergências de opiniões, principalmente por conta de religião, é um dos principais motivos pelo qual uma estudante de 14 anos de um colégio localizado no Bairro Cruzeiro, não se sente confortável para conversar com os pais. Ela relata que “quase tudo pode acabar virando uma briga”, e se ela falasse para os pais tudo o que sente e pensa, certamente eles ficariam chateados, mesmo que ela não saiba dizer ao certo o motivo.

“Qualquer coisa que eu falo é motivo de briga, de crítica. Se eu tento explicar alguma coisa que está acontecendo, e que por muitas vezes pode ser mais forte o meu sentimento por estar na fase da adolescência, provavelmente eles vão dizer que é coisa da idade, depois passa”, desabafa a adolescente.

A melhor alternativa é sempre recorrer aos amigos, mas se precisasse escolher entre conversar e pedir conselhos à uma inteligência artificial ou aos pais, dependendo do conselho, iria preferir falar com o Chat GPT. “Porque eu sinto que eu não vou ser julgada”.

Quem mora com os avós também não escapa do desconforto. No caso de uma adolescente de 15 anos, estudante do mesmo colégio, ela não consegue conversar com a avó sobre os amigos e a rotina. “Não que eu faça alguma coisa de errado, mas ela não ia gostar”.

Se ela precisasse de ajuda para pensar sobre qual caminho seguir, ou o que fazer, ela não deixaria de pedir ajuda para a avó, mas também não dispensaria a inteligência artificial.

“Depende, alguns conselhos eu peço pra ela, só que ela não sabe responder e alguns ela julga. Às vezes, eu já sei o que quero fazer, então vamos supor, eu ia pesquisar lá [no Chat GPT], ele ia me dar um caminho, e se esse caminho estivesse batendo com o meu, eu ia seguir. Então, assim, pra maioria dos assuntos é preferível a I.A”, admite.

O Lado B ouviu relatos de adolescentes sobre a relação deles entre o convívio com os pais e o uso de tecnologia (Foto: Marcos Maluf)
O Lado B ouviu relatos de adolescentes sobre a relação deles entre o convívio com os pais e o uso de tecnologia (Foto: Marcos Maluf)

Amigos, mas nem tanto 

Embora alguns tenham uma relação tranquila com os pais, eles dizem que o vínculo se resume a respeito e boa convivência, e não passa disso. Este é o caso do relato da adolescente de 15 anos, que afirmou que não consegue se sentir próxima do pai, principalmente para conversar sobre relacionamentos amorosos. “Eu não consigo conversar, eu fico com um pouco de vergonha”, diz.

No caso dela, a adolescente sente uma relação de proximidade com a mãe, e até considera uma amiga, mesmo reconhecendo que na maioria das vezes dá preferência a conversar com as amigas da escola através de mensagens, do que com a genitora, presencialmente. “Muitas vezes eu fico no meu quarto, mexendo no meu celular e acabo esquecendo ela, eu comecei a reconhecer isso recentemente”.

Para outros, o assunto mais temido acaba sendo falar sobre as notas vermelhas que ocasionalmente aparecem no boletim da escola. Para um estudante de 15 anos de uma escola da rede privada de ensino, até dá para conversar com os pais sobre o dia a dia e os amigos, mas não é nada “de boa” comunicar um baixo desempenho em avaliações, principalmente se a nota vermelha for parar no boletim.

Mesmo com a linha tênue entre o que compartilhar ou não com os pais, em ambos os casos, os adolescentes relataram que não pediriam conselhos, desabafariam ou recorreriam à inteligência artificial, se tivessem que escolher entre o Chat GPT, por exemplo, ou falar com os pais.  “Eu confio mais neles do que no robô”, declarou o estudante de 15.

“Querendo ou não, ela [mãe] me conhece. Tipo, ela não é uma inteligência artificial, né? Ela tem emoção, sentimento e tudo mais, então acaba que eu acho que ela saberia lidar melhor com isso”, afirmou a adolescente .

Adolescente checando o celular em saída de escola no Centro de Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)
Adolescente checando o celular em saída de escola no Centro de Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)

Entre os pais e o Chat GPT, melhor ficar sem conselho 

Para a estudante de um colégio da rede estadual de ensino, localizado na região central de Campo Grande, a linha de comunicação entre ela e os pais é tênue. Tudo fica sob controle, contanto que não entre em assuntos delicados ou que contrariem eles, como religião e sexualidade. Ela conta que se chegasse para os pais agora, e falasse tudo o que ela pensa e sente, “ provavelmente acho que eu ficaria de castigo por 30 anos”.

Ao imaginar uma situação hipotética, em que precisasse muito de um conselho, ela diz que recorreria a uma amiga de confiança, mas se as únicas opções fossem entre perguntar aos pais ou chat GPT, preferiria ficar sem o conselho.

“Eu não me sinto confortável para falar sobre alguma coisa que eles não concordam, ou tem uma opinião contrária [a minha], porque eles sempre estão certos, eles não cedem, não dão um braço a torcer. Mas não sei se eu pediria pra internet, acho que eu ficaria sem o conselho”, diz.

Estreitando laços

Segundo o psicólogo Tiago Ravanello, enquanto crianças, os pais são uma figura que dá segurança, proteção, mas ao mesmo tempo tira a condição de autonomia e individualidade. Já no processo de autodescoberta dos adolescentes, eles passam pela experiência de mudança, seja física, emocional ou social, além de se questionarem como construir sua própria autonomia. É neste momento que a comunicação pode se tornar complicada.

Na era da tecnologia, adolescentes tem mais acesso à informação (Foto: Marcos Maluf)
Na era da tecnologia, adolescentes tem mais acesso à informação (Foto: Marcos Maluf)

“É por isso que os adolescentes não conseguem se comunicar. Porque eles vão ver esses pais como os pais da infância, como os pais de um certo aprisionamento, de um certo fechamento em relação ao mundo. Por vezes, será necessário ser subversivo em relação a eles, dizer não, se opor, se rebelar, para poder se constituir de uma forma autônoma”.

Para o psicólogo, a melhor forma de estreitar a comunicação, é entender que os filhos adolescentes estão passando por um processo de transição, deixando para trás a infância e buscando uma identidade adulta ainda em construção.

O profissional explica que é necessário dar espaço para que os adolescentes se tornem jovens independentes, ao mesmo tempo em que os pais também precisam se reconstruir para encarar as mudanças que chegam com a puberdade e o amadurecimento dos filhos.

Porém, Tiago alerta que é necessário encontrar um equilíbrio entre o distanciamento e a proximidade, e garantir que esse “afastamento” seja acompanhado de segurança e cuidado, para evitar que se transforme em abandono emocional.

“É uma mudança muito significativa que está em jogo. Então nesse sentido os pais também precisam deixar de ser quem eles eram e descobrirem se pais de adolescentes e pais de jovens que estão em formação. Entender que precisará de uma acomodação de ambos os lados, dar um espaço necessário para que o adolescente se reconstrua como um jovem”, finaliza o especialista.

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