Mesmo com pouco, Camu se veste de Papai Noel e enfeita árvore na rua
"Teve semanas que sobrevivi mais de água do que de comida… mas a esperança, o espírito de Natal, este sim nunca morre"
Simplicidade. Este é o verdadeiro espírito natalino para Camurupim, mais conhecido como Camu, o africano artesão de 68 anos que sonha em escrever um livro. Mesmo com pouco, ele fez questão de surpreender no Natal vestindo uma fantasia de Papai Noel que arrumou, além da árvore toda enfeitada no mesmo ponto da Orla Morena onde costuma ficar.
"É sobre sermos todos mais simples, humildes, amarmos incondicionalmente o próximo. É o que anda faltando por aí. E claro, é sobre o nascimento de Jesus Cristo também. Na verdade, sou devoto mesmo é de Deus – creio nele sem nunca o ter conhecido. O muito que tenho é o pouco que ele me deu para sobreviver, e por isso sou grato", afirma Camu.
Assim como as bijuterias que faz e vende no cruzamento da avenida Noroeste com a rua Antônio Maria Coelho, a árvore de Natal foi montada pelas suas próprias mãos. "E é tudo reciclável! O que uns consideram lixo, pra mim vira luxo", garante.
O endereço na Orla Morena não é mais seu lar, apenas ponto de trabalho. Agora, o ex-morador de rua vive ali perto em um espaço cedido. Não tem água nem energia elétrica, mas para ele está tudo bem – afinal, "vivo de vela e consigo água limpa engarrafada. Já está ótimo", agradece.
Antes do Lado B bater um papo com Camu, o artesão não se encontrava lá. No seu lugar, porém, estava imóvel a árvore natalina improvisada na rua para todo mundo ver, enfeitada à ocasião e com as mensagens "Feliz Natal / Feliz 2021" escritas apropriadamente.
Um carro buzina. "Você quer falar comigo?", pergunto. "Você também está à procura do Camu, o moço que fica aí nesse ponto? Eu vim entregar uma lembrancinha para ele", responde uma mulher.
Dentro do carro estava Lye Meireles, cantora de 35 anos. No porta treco, se encontrava uma embalagem com um bolo recheado à espera de Camu – presente da moradora da Vila Planalto ao "vizinho gente fina", que também está ali no bairro há 2 anos.
"Passo aqui sempre, seja de carro ou andando pela Orla. Já bati um papo com Camu, um amor de pessoa pra caramba. Já esqueci o carro aberto e foi ele quem me avisou – é muito bonzinho. Faço questão de o ajudar sempre que posso", comenta Lye.
Inclusive, ela publicou nas suas redes sociais sobre a árvore de Natal instalada pelo artesão e de como as pessoas deveriam ser mais empáticas como ele. "Conheço muita gente que reclama sem motivo, e aí vem o Camu e dá um show de espírito natalino. É a forma que encontrou para celebrar e agradecer. E mesmo com quase nada, ele faz questão de comemorar a vida, é um grande exemplo a ser seguido", acredita a cantora.
Outro a concordar com Lye é Rafael Ferreira. O papo foi rápido, tempo para que o sinal abrisse novamente. Sempre que pode ele dá uma passadinha pela Orla Morena e já havia visto por lá Camu e sua decoração natalina. "Ele mostrou que não é necessário muito para fazer e enfeitar uma árvore de Natal, o que importa mesmo é a vontade, a dedicação. Apesar das dificuldades, exibe sua própria alegria", considera o rapaz.
Percorrendo o bairro de carro, Lye acabou avistando Camu e conseguiu dar o bolinho de presente. Quando ele veio ao encontro do Lado B, pediu que esperássemos mais 5 minutinhos. Valeu a pena: para nossa surpresa, o ex-morador de rua voltou fantasiado de "bom velhinho"... e assim demos prosseguimento à conversa.
Camu explicou que, fora a vestimenta de Papai Noel, a árvore natalina tem enfeites de tudo que é cor e estilo, com bolinhas, sinos e até bonequinhos. Isso sem falar da estrela guia bem no topo para fechar com chave de ouro – no caso prateada. Do outro lado da árvore, uma figura de sereia. "É para que todos possam nadar o mundo inteiro e encontrar seus sonhos", reflete.
Sobre o ano da covid-19, Camu diz que 2020 foi bem difícil, mas que nunca deixou de sonhar também. "Os meses passaram devagar quase parando. Teve semanas que sobrevivi mais de água do que de comida. Mas a esperança, o espírito de Natal, este sim nunca morre", opina.
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