Na véspera, casamento foi suspenso e convite esperou 13 anos para sair da gaveta
Foram 13 anos de espera do casal e do convite. O papel se manteve intacto assim com o amor de Vera e Daniel. Resistente a três mudanças no passar dos anos, os envelopes nem sequer amarelaram, nem a pontinha se dobrou. Guardados numa caixa, junto estava também o sentimento que eles deixaram lá atrás, quando o casamento foi cancelado.
Em escrita dourada, os pais dele e dela, à época ainda vivos, convidavam para a cerimônia religiosa do casamento dos seus filhos: Vera e Daniel a realizar-se no dia 13 de julho de 2002, às 19h30, na Catedral Nossa Senhora da Abadia e Santo Antônio, à Rua do Padre, no Centro. E por fora do envelope, grafado "V e D".
Estava tudo pronto para Vera e Daniel subirem ao altar. Vestido, buffet, convites, igreja e salão. Os noivos moravam em São Paulo e organizaram o casamento à distância. "Um mês antes da nossa cerimônia, meu sogro adoeceu e descobrimos que ele estava com câncer", conta a noiva Vera Cristina Franco Oshiro, de 40 anos. O casal suspendeu o casamento por indicação do médico, adiando de julho para setembro, tempo em que a família esperava que ele estivesse melhor.
"Mas ele faleceu. Teve uma morte super rápida e não fiz o casamento. Desfiz de tudo, vestido. A família estava em luto", completa Vera. Eles só se casaram no civil. Depois veio o primeiro filho, eles retornaram de São Paulo para construir a vida aqui e os anos se passaram. "A vida vai te moldando para outros lugares..." justifica Vera.
Recentemente, o casal participou do Cursilho, movimento de retiro da Igreja Católica, onde cada um apontou pontos positivos e negativos do relacionamento. Foi quando surgiu a questão do casamento e do quanto a benção religiosa era e ainda é importante para eles, acima de qualquer festa.
"Resolvemos então casar na igreja do próprio cursilho. De noiva, de branco, com os meus filhos de pajens e o convite de casamento foi o mesmo", conta Vera. Ela não se desfez deles, não conseguiu, não por acreditar que voltaria a usá-los, mas justamente porque eles nunca saíram da caixa.
"E foi o mesmo que enviei para os convidados", descreve. Junto de uma errata, o casal explicava: "Se você foi convidado para essa cerimônia, certamente deve conhecer a nossa história. Por isso é com muito carinho que convidamos você para a formalização religiosa do nosso casamento, a realizar-se no dia 14 de novembro de 2015, às 19h30, na Capela do Movimento de Cursilhos de Cristandade, na Avenida do Seminário, 2.055". Logo embaixo, o nome dos pais, dele e dela, in memoriam.
"Eu não imaginei que fosse usar, para mim era algo que estava decidido, de não casar na igreja e toda vez que eu ia limpar os armários, achava... Até cheguei a deixar um dia separado para jogar. Mas quando eu abri, estava intacto. Com plástico, envelope e os convites..." recorda Vera.
Quatro meses atrás, quando subir ao altar voltou a ser planos do casal, a primeira coisa que ela pensou foram neles, nos convites. "Na verdade o que a gente está sentindo, o que está acontecendo é um resgate daquela época. Hoje têm vestidos mais modernos, mas eu optei por um estilo parecido com o escolhido naquela época e assim a gente vai fazendo um resgate, mesmo que não queira", narra a noiva.
Dos mais de 300 convidados 13 anos atrás, a lista foi mais restrita: apenas para 90, devido ao espaço da igreja.
Com poucos dias de casada, no religioso, Vera fala do sonho realizado 13 anos depois e que pareceram durar 5 minutos. "Foi maravilhoso e eu tenho a sensação de que foi tudo muito rápido e intenso. As pessoas me dizem que eu estava radiante, dancei a noite inteira, tirei foto com todo mundo", conta.
O nervosismo veio com tudo quando ela, sozinha com a cerimonialista, terminou de colocar o vestido de noiva. "Essa foi a hora que veio tudo, eu não sabia como as coisas seriam, foi a hora que caiu a ficha mesmo", descreve. Rodeada de sorrisos de amigos e familiares, a emoção de todos conspirava a favor, desde a hora em que as portas da igreja se abriram e a marcha nupcial soou.
"Foi uma realização para mim e, para ele, acabou sendo superação. Não fizemos o casamento porque ele perdeu o pai e isso mexia com outras emoções", acredita Vera.
Daniel narra, de olhos fechados, a cena da esposa de noiva, cruzando o corredor da pequena igreja. "Eu, vendo a alegria dela, vi o quanto era importante a realização do casamento. Foi emocionante", diz Daniel Eitaro Oshiro, de 41 anos. A voz transparece a emoção e ele justifica que para homem, geralmente, os sentimentos são menores em relação aos da noiva.
"Mas meu pai tinha falecido quando cancelamos e de repente eu não deixei ela ter o direito de sofrer o 'não casamento.' A dor maior era a morte do meu pai, dor também para ela, mas a Vera nem pode sofrer por não ter casado", recorda.
E de repente, ele descreve exatamente, até antes de a gente pedir, como foi encontrá-la no altar. As palavras saem como se ele falasse isso para ela.
"O seu sorriso era tão nítido na festa. Você ficou tão feliz e a festa toda estava sorrindo. Ali, naquela hora, eu fiquei bastante emocionado com isso, de você feliz.
Nosso casamento, 13 anos atrás, era só um adiamento, não um cancelamento. E os nossos convites resistiram a três mudanças: de São Paulo para cá e duas em Campo Grande. Conscientemente sabíamos que nunca íamos usar, mas inconscientemente... Toda hora que chegava, a gente não tinha coragem de jogar fora os convites. Era uma lembrança que a gente guardava. E foi uma forma de homenagear, queríamos mostrar que o casamento era para acontecer".
Ninguém recebeu esse convite à época. Somente agora, 13 anos depois.
"Como estamos hoje? Eu vejo a Vera mais alegre, mais feliz e nós ainda estamos vivendo o casamento", termina Daniel.
Essa é uma sugestão de pauta da leitora Patrícia Victório Castro.