No abrigo todos são irmãos e brincadeira faz criança esquecer do mundo lá fora
O Lado B visitou o Centro de Apoio e Orientação a Criança Lar Vovó Miloca e acompanhou por duas horas a vida dos pequenos
É sentado no sofá ou no chão da sala que as crianças do Centro de Apoio e Orientação a Criança Lar Vovó Miloca se divertem enquanto o tempo passa, em Campo Grande. Entre risos e abraços, elas conversam sobre tudo e observam atentamente quem entra e sai do local. Se alguém se aproxima, a esperança toma conta e os pequenos ficam em pé na porta para dar as “boas-vindas”.
Quem chega vê aquelas criancinhas curiosas e não resiste às bochechas ou ao sorriso tímido delas querendo saber o motivo da visita surpresa, talvez na expectativa de ouvir que ganharam novas famílias.
O Lado B esteve no abrigo para acompanhar uma contação de história e notou que eles podem até não serem irmãos de sangue, mas são do coração. Por ali, a vida não é difícil, porém sempre falta algo para preencher o vazio no peito e o conforto está nos braços dos amiguinhos, que ajudam a se sentirem amados.
No local vivem 19 crianças de 0 a 12 anos à espera de um final feliz. Vou compartilhar algo pessoal, que poucos vão entender. Mas, quero mexer com sua sensibilidade para ajudá-las a receberem novos lares e amor, pois acredito que elas são a esperança de um mundo melhor.
Morei em internato 12 anos porque perdi minha mãe muito cedo e meu pai precisava trabalhar. Na época, ele encontrou no colégio interno a solução para não perder minha guarda. Lembro-me dos anos que vivi naquele local, foram momentos bons e ruins. A gente fazia a mesma expressão de carência no rosto quando alguém de fora chegava, só para ganhar um abraço.
Por duas horas me vi naquelas crianças que estavam sentadas na sala do abrigo, esperando a contadora de história. Enquanto a apresentação não começava, alguns pequeninos vieram falar comigo, contar as novidades e ficar ao meu lado. Meu coração bateu mais forte, pois lembrei que fazia isso para chamar atenção e receber carinho, nem que fosse apenas um toque na cabeça.
Voltei para a realidade e vi uma menina de 5 anos segurando o crachá do meu local de trabalho esperando minha reação. Ao olhar pra ela, me sorriu e tentou soletrar meu nome, mas não conseguiu, então a abracei e percebi que a pequena sentiu a mesma coisa que senti na infância. O abraço foi bem apertado, depois resolvemos fazer um bate-papo para distrair.
Outras crianças se aproximaram e tocaram no meu braço, então abracei um por um e após um tempo, todos entraram na conversa. Nessa, um menino de 6 anos sentiu-se à vontade para contar que cortou o cabelo. Ouvir isso me fez voltar no tempo e recordar dos meus colegas, que diziam a mesma coisa quando se sentiam bonitos.
Olhei novamente para ele e notei que a lateral da cabeça foi raspada e o corte formou uma pena. O menino estava animado, então falei “seu corte é maneiro, ficou muito legal”. A criança respondeu que pediu algo especial ao cabeleireiro, para ficar bonito. “Antes eu não era, agora sou lindo”, disse o pequeno.
Outro menino questionou quem eu era e fez perguntas aleatórias. Segurei as lágrimas e lembrei que fazíamos isso para ganhar amigos, pois assim receberíamos um tratamento especial e alguém sentiria nossa falta, ou porque gostava ou porque incodávamos demais. O importante era ter uma pessoa adulta que se preocupasse com a gente.
Logo depois a contadora de história, Moira Junqueira chegou. No meio da sala, ela arrumou o cenário para falar da história da corujinha e da dona barata que queria se casar. Enquanto isso, as crianças iam de um lado para outro e se abraçavam a todo o momento. A apresentação começou e elas ficaram sentadas uma do ladinho da outra.
Foi uma hora de apresentação, que arrancou risadas da plateia animada. Os pequenos cantaram e despertaram a imaginação brincando de trenzinho com a tia Moira e de estátua, mas foi difícil ficarem parados. Eles leram em voz alta poemas, cantigas e ver aquilo me fez ter saudade da época em que entrava na roda para cantar com os amigos. Era nosso momento de felicidade, que fazia nos esquecer do mundo, assim como as crianças do abrigo esqueceram.
Quando tudo acabou, dei tchau e saí de mansinho porque sei que sempre bate o desespero quando vemos alguém saindo e a gente ficando mais um dia no local, com amigos, mas sem os pais.