No consultório, mãe teve a notícia de que além da filha, marido também é autista
De um lado o luto, do outro, a resposta. Dois anos atrás, quando os pais Juliana e Cleverson levaram a filha Sarah até o consultório da neuropediatra saíram de lá com um duplo diagnóstico de autismo. Juliana ouviu da médica que, além da filha, o marido também é autista.
"Com ela eu sofri um luto. Em relação ao Cleverson, foi esclarecedor", desabafa hoje a comerciante Juliana Vasconcelos, de 40 anos. Logo que começou o namoro, por ser mais velha que ele e já ter outros dois filhos, Juliana se lembra da conversa que teve com a sogra. "Ela me chamou para dizer que o filho era uma pessoa doente e se eu estava disposta a abraçar essa causa. Eu nunca o vi como um homem doente e foi assim que eu superei e vivi com ele até descobrir o que o Cleverson realmente tinha".
Até então, o marido era diagnosticado como bipolar. Mas a vida a dois já era difícil por outros motivos e este, em especial, não era um peso. "Quando eu soube, posso te dizer que para mim, foi um alívio. Se ele é assim, é porque tem um motivo".
Cleverson Kruki, o marido, tem 33 anos, é comerciante e viu no diagnóstico da médica, um norte e como maior luta, para ele e a filha, vencer o preconceito. "A coisa mais fácil do mundo é conviver comigo, o nosso ponto alto é a rotina, eu não suporto surpresa. Não consigo olhar só o meu dedão. Eu olho lá na frente", se descreve.
Ele entraria na antiga síndrome de Asperger, mas que pela Medicina, agora se enquadra no autismo. Com Sarah, foi difícil e sofrido por um tempo. Na cabeça da mãe eram muitas questões levantadas e respostas que ela mesmo tem de correr atrás. "Nessa altura do campeonato, na idade que eu tenho? O que eu vou fazer? Eu não tinha muito conhecimento, mas tentei buscar o lado prático. Eu desisti de entender o porque, eu tinha que ajudar a minha filha", relata Juliana.
A desconfiança de que Sarah tinha algum problema já vinha desde o nascimento. De imediato, a mãe narra que durante a amamentação, percebeu que a filha não a olhava, o que é uma das primeiras características do autismo. "E depois pelos trejeitos. Ela tinha o hábito de mexer as mãozinhas, eu achava tão bonitinho, mas me incomodava que ela só fazia isso", lembra.
Sarah brinca o tempo todo com a boneca. Quando chegamos, era a festa de aniversário dela junto dos personagens da Peppa Pig, onde foram cantadas inúmeras vezes "parabéns pra você". "Ela está alegre, olha, está se chacoalhando", nota a mãe.
Sarah conversa, cumprimenta, sorri, chega perto e se deixa ser fotografada. Até interage com a câmera. O pai acredita que ela será médica, tamanho cuidado que a pequena tem para com a boneca. "Ela está com braço quebrado, daqui a pouco é catapora", brinca Cleverson. O braço fica enfaixado e as bolinhas, são as massinhas que sinalizam a doença. Sinais de que a menina é bem detalhista.
A primeira vez que a palavra autismo entrou na casa foi antes de Sarah fazer 4 anos. "Mas meu pai falava que eu demorei a falar quando era criança, que o irmão também. Mas ela não falava e nem respondia pelo nome", diz o pai. Na primeira ida ao médico, o diagnóstico foi descartado. Os pais ouviram o que queriam ouvir e não o que deveriam.
"E aquele temor que a gente tinha, porque existe, não adianta falar que não tem, passou, mas a Sarah não progredia", completa Cleverson.
Em 2014, já no consultório da neuropediatra que acompanha Sarah até hoje, a médica esperou o pai levar a paciente ao banheiro para soltar à mãe, que ele também era autista. O pior não foi saber de si, mas a preocupação imediata que veio quanto ao futuro da menina. "Minha primeira pergunta foi: minha filha vai casar? Vai ser independente? Meu maior temor é eu estar no leito de morte e ela não ter alcançado a independência", frisa o pai. "Quem é que vai cuidar da minha filha? pergunta.
Com o próprio diagnóstico dado, Cleverson se viu num desafio e foi estudar e pesquisar sobre si mesmo. "Aí você vai vendo no que vai se encaixando. O mundo quer nos inserir nele, mas ele não se preocupa nem 1% em se inserir na gente, nós que temos que nos acostumar com todo mundo e para ela, a Juliana, estar vivendo comigo e a Sarah, é um desafio", avalia o pai.
Diferente da filha, ele sabe que tem discernimento, mas admite que não consegue lidar quando Sarah entra em crise. "Você até me desculpa Juliana, mas eu sumo, não suporto barulho. E não sei lidar", se justifica para a esposa. Juliana diz que entende e retira de uma das últimas palestras assistidas que autista não é uma pessoa doente, não é uma patologia, é uma forma de olhar o mundo diferente.
"E é exatamente disso que o mundo precisa", defende a mãe. Em casa, filha e marido se focam nos detalhes. Cleverson exemplifica que ao assistir um jornal, presta atenção em tudo, menos na notícia. Por serem iguais, a mãe já aprendeu que precisa prepará-los antes, desde avisar sobre o dentista, até a ida de uma jornalista para entrevistá-los.
"Eu tenho que ter maturidade para ajudar e estar com meu esposo e principalmente, para encarar a sociedade, que é desafiadora", desabafa Juliana.
Sarah é a terceira filha Juliana e foi quem lhe ensinou a ser mãe. "A partir do momento que eu me dedico à ela, eu busco ser melhor e automaticamente, a gente busca ser melhor para os outros e até no meu casamento. Eu tenho muito o que caminhar ainda, são só dois anos com esse diagnóstico e tenho muito o que descobrir", acredita.
O grande sonho de Cleverson para a filha era ve-la se casando, não pelo que a instituição casamento significa, mas porque enxerga no altar uma independência. "O dia em que ela se casar, vou ter a certeza absoluta que ela é independente. Esse é o meu sonho, que ela tenha uma nova vida", defende.
Para a mãe, a grande preocupação está no agora e a todo momento em que Sarah não está perto deles. "Como as pessoas tratam ela longe da gente, sabe? Porque ela não tem defesa", explica Juliana.
A médica já disse que Sarah caminha para ser uma adulta sem sequelas, por conta de todo amor e dedicação que os pais têm envolvido. "Hoje estamos colhendo os frutos de dois anos atrás e é bem provável que tudo o que estamos fazendo vá fazer com que ela cresça e se desenvolva como ser humano. Ela vai ser autista para sempre, assim como ele é. Só que ele conseguiu sobreviver dentro desse quadro, ela não, ela vai superar", espera Juliana.