Nos cemitérios, quanto tempo leva para alguém esquecer a morte?
Por meses, encarregados de cemitérios observam quem visita quase diariamente o túmulo de pais, filhos, um amigo, um recém-nascido que sobreviveu somente alguns minutos após o parto. Faça chuva ou sol, não é difícil ver alguém lamentar a morte. Mas quanto tempo leva para alguém esquecer a partida? Não há resposta concreta, mas em muitas dessas visitas, há quem diga que isso pode levar anos.
Muitas vezes é o inconformismo, misturada a saudade, outros dizem que é em sinal de respeito. “Eu percebo que dura de quatro a cinco anos para alguém esquecer. Porque na verdade ninguém esquece quem morreu, eles só vão deixando de vir. A rotina começa todos os dias, depois passam a visitar por semana, meses, mas isso leva quase cinco anos”, conta o encarregado Nelson da Silva, de 39 anos, que trabalha em um cemitério particular desde à adolescência.
No mesmo local, outro encarregado do cemitério revela que só os mais velhos persistem na visita. Pessoas entre 18 e 30 anos, quase não aparecem. “É difícil, há casos em que o visitante chega pela primeira vez e nem sabe para que lado fica a lápide. Vai muito da criação da pessoa e do quanto essa visita significa para ela”, comenta.
A religião também tem peso sobre essas visitas. Em um cemitério público, na Vila Santa Dorotheia, um dos gerentes observa que os católicos são os mais visitam, já os evangélicos, gradativamente abandonam. “Depende muito da religião, isso é o que eu percebo. Normalmente os evangélicos enterram e só visitam mesmo no Dia de Finados, os católicos ainda passam dias”, diz o gerente que prefere não se identificar.
Em contrapartida, se para alguns a visita persiste por anos pautada no inconformismo, na saudade e da dor de uma morte repentina, para algumas famílias de Campo Grande, visitar os mortos é uma tradição que tem como base o respeito. “Os japoneses são os mais tradicionais, eles visitam o ano inteiro, são muito simpáticos”, elogia o gerente.
A partir dessa conversa, encontramos dona Izabel Nuha, de 90 anos, que levava a vassoura até o túmulo da família um dia antes de Finados. Foi o amor a todos que já morreram da família que permitiu que a relação com o cemitério continuasse. “Eu venho porque são pessoas que eu amo e tenho muito respeito. Aprendi desde pequena que também respeitamos os mortos”.
Anos atrás as visitas eram quase todo mês, hoje, ela vai ao cemitério Santo Antônio cerca de seis vezes por ano. “Porque o espírito não morre. Todo dia 1º e 15 de cada mês, eu acendo um incenso, com duas xícaras de chá e rezo pela saúde deles e da nossa família. Não é por que morreu que a gente não vai cuidar mais deles”, diz.
Hoje, 10 anos depois que o marido partiu, ela visita o túmulo ao lado da família contente e ativa, carregando na mão esquerda as alianças e no coração as lembranças de um sorriso que durou ao seu lado 62 anos. “Esse ano faria 72 de casamento. Ele me fazia tão bem, por isso sempre que dá eu venho”.
Do amor que conheceu na infância, ficou saudade e orgulho, assim como dos dois filhos que também estão no mesmo túmulo e partiram há alguns anos. “O menino teve diabete e a menina sofreu uma infecção, teve uma morte rápida. Aqui está parte da minha família, eu jamais vou esquecer”.
Um dia antes de Finados ela vai com o irmão limpar, acender as primeiras velas e fazer uma oração. Hoje, novamente dona Izabel chegará ao cemitério, dessa vez acompanhada de outros familiares, mas longe da dor. “Eu não sofro aqui, pelo contrário, toda vez que rezo por eles, me sinto bem.”.
Se ele deseja que alguém lhe visite após a partida? Não há dúvidas. “Quando a gente esquece acho que atrapalha um pouco. Sou uma pessoa muito católica, confio nas coisas, e acho que os espíritos precisam da nossa oração. E todos da minha família sabem dessa obrigação”.