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Comportamento

O que um garoto de programa aprende trabalhando 6 anos nas ruas de Campo Grande?

Paula Maciulevicius | 26/09/2013 06:32
Garoto de programa por seis anos, ele fala que em Campo Grande cliente paga por motel bom. (Foto: João Garrigó)
Garoto de programa por seis anos, ele fala que em Campo Grande cliente paga por motel bom. (Foto: João Garrigó)

“Garoto, 18 anos, estilo meninão. BD (bem dotado). Ativo liberal”. Era assim que Gustavo se vendia pelo anúncio do jornal. Garoto de programa por seis anos, o nome e o número de celular que estavam nos classificados eram outros. De quinta a domingo, ele assumia essa identidade profissional, já com a orientação sexual definida: gay. Uma certa 'fuga' da realidade, que lhe permitia ser quem era longe de preconceitos.

“Você quando se descobre homossexual, tem que fazer uma vida paralela aos amigos, ao trabalho. E eu escolhi os programas como uma forma de poder fazer sexo com outros homens sem ser chamado de homossexual”.

A ideia de trabalhar nas ruas veio de um amigo, durante uma conversa em que o rapaz contou da falta de dinheiro em casa. Sobrava mês no fim do salário, só a mãe e ele trabalhavam e uma das irmãs estava grávida.

O primeiro cliente veio pelos classificados do jornal. Hoje, o anúncio custa R$ 6,74 ao dia por três linhas. Chegar no balcão para anunciar foi o primeiro desafio. “Tem uma monte de gente olhando”, lembra. E a ideia do texto? Inspiração tomada pela descrição dos concorrentes. O “BD” que Gustavo usava significa bem dotado. Um detalhe que faz a diferença, segundo ele. “Com essas características, as pessoas ligavam já sabendo o que queriam”.

A primeira saída, claro, teve nervoso e apreensão de não saber quem é a pessoa do outro lado. Mas com o tempo, a lista de clientes foi se tornando fixa e entre as ligações, vários nomes já constavam na agenda.

Do perfil de público, ele fala que os clientes são em sua maioria homens. Há mulheres também, mas poucas. As que vão, são movidas mais pela curiosidade e por querer algo que não tem em casa, enquanto eles... “os homens é pela necessidade do sexo mesmo. E por experiência minha, foram muitos casados”.

As preferências eram para que na cama, os clientes fossem passivos. A única exigência do rapaz era o uso do preservativo. De resto, a imaginação rolava solta. Magro, estatura mediana, branco e cabelos castanhos, o Gustavo do passado adotou o ponto e os motéis como local de trabalho e frente ao cliente, a postura era a mais profissional. O sexo estava realmente entre os afazeres do dia.

Gustavo ainda falou sobre rotina nas ruas, e "rixas" com travestis (foto: João Garrigó)
Gustavo ainda falou sobre rotina nas ruas, e "rixas" com travestis (foto: João Garrigó)

Hoje ele fala da visão que os outros sempre tiveram, do gay e garoto de programa como marginais. O receio que ele tinha para com os outros era, em parte, recíproco. Para muitos clientes. Gustavo teve de levantar a camisa e garantir que não carregava nada de ilegal. De drogas à armas. 

Gustavo cobrava em média R$ 150, mas o preço dependia dos pedidos. O valor era referente a uma hora de programa. No “pacote” estava incluso os minutos de conversa inicial, bebidas e as preliminares. De ato, mesmo, entravam na conta 40 minutos.

“Com amor, você faz sexo por prazer. No programa você tem que dar prazer para a pessoa. Ela te contratou, é uma obrigação. Fazer o que ela gosta, o que ela quer”.

Como a noite tinha mais de um cliente, Gustavo mantinha o autocontrole para não chegar até lá. “Se não você não aguenta o resto. Eu nunca tomei nada, mas você também não pode se distanciar, se não brocha”, narra.

Entre os programas que entraram para a história, um específico ficou marcado na lembrança. Durou 1h a mais do que o programa no total, isso, só o sexo. Ou seja, foram 2h na ativa. “Você tem que obedecer o tempo da pessoa”. Mas houve também uma tentativa de agressão. Depois de terminado o serviço, o cliente não quis pagar e ameaçou dizendo que se o rapaz insistisse, iria receber um monte de pancada. Com medo e sem dinheiro, ele foi embora. Mais valia a vida do que o valor do programa.

A profissão também tem um quê de inusitado. Ele já terminou a noite de cueca na recepção do motel. Desconfiada de uma traição, a mulher seguiu o marido até o local. Depois que os dois entraram no quarto, a telefonista avisou que a garota que esperavam já havia chegado.

“Ele disse não, pelo amor de Deus. E eu falei, abre a porta de serviço. Eu de cueca, pensa? Juntar tudo no alvoroço. Mas eu saí e entrei no primeiro moto taxi que passou e fui embora”. O desfecho da história ele nunca soube. O cliente não ligou mais.

Das experiências profissionais, ele também tem no currículo um pouco de psicólogo. “Já rolou choro, não sei o que estou fazendo aqui e mulheres que contratavam só pra conversar”, diz. Uma das clientes foi do motel para a mesa de bar. Como dali nada mais ia rolar, ele aproveitou o tempo para tomar uma cerveja. A saída teve bis.

Curiosidade do Lado B, perguntamos se o campo-grandense está disposto a pagar por motel bom. Ele afirma que sim. “No geral eles preferem pagar um pouco mais para ter mais segurança. Mas existem motéis bons a partir de R$ 30, onde você não precisa correr da Polícia”.

A história aí se refere ao pedido de um cliente, que queria fazer ao ar livre. Numa noite os dois estavam num matagal na região da chácara do Parque dos Poderes, quando uma viatura da PM passou e voltou. O casal entrou às pressas e pelado no carro.

“Era a terceira vez que eu saía com aquele cliente e ele queria fazer no mato. A gente varou a BR”. Por sorte, ninguém foi pego.

Nessa linha, Gustavo diz que os motéis de hoje estão mais bem preparados. Oferecem temas e até espaços para quem quer matar o fetiche de fazer ao ar livre.

A atividade profissional como garoto de programa se encerrou há quatro anos. Gustavo deixou de ser quem era por amor. Conheceu um rapaz, iniciou um relacionamento que durou dois anos e meio. Hoje, aos 29, ele estuda e trabalha como recepcionista. Além do amor, ele também deixou a profissão pelo tempo. As ruas impõem prazo de validade e depois dos 20, ninguém é o garotão de antes.

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