“Onde come um, comem dois” e a violência segue sepultando crianças
Precisamos urgentemente jogar luz sob a responsabilidade gigante que é procriar
Ditos populares como “onde come um, comem dois” ou “coração de mãe sempre cabe mais um” perpetuam a ideia de que para criar um filho, basta apenas dar um jeito. A superficialidade com a qual o tema é tratado induz quem está de fora a pensar que tudo bem se uma criança brotar na vida, mas precisamos urgentemente jogar luz sob a responsabilidade gigante que é procriar, justamente para evitar que violência e consequente assassinato de crianças ocorram com tanta frequência quanto a que temos visto.
Não, gente, não estou normalizando a morte dos pequenos, nem minimizando a culpabilidade do crime horrível que é. Mas, venhamos e convenhamos, o ciclo violento que existe em inúmeros lares vem também do nascimento de crianças sem a menor noção do que é ter um filho. Isso porque criança demanda, é dependente, ocupa 100% do nosso tempo, chora (o tempo todo) e isso não é sinônimo de birra.
Sem capacidade de regulação que a gente tem, o mecanismo de comunicação de sentimentos é o choro e isso a longo prazo pode ser tirar o adulto responsável do sério. Acolher não é fácil.
Aplicar educação positiva então... é desafio diário e se você é favor do tapinha, preciso nem dizer que não deve mesmo criar um filho, né? Vide o caso da menina Sophia que começou com uns tapinhas do padrasto para “educá-la” e acabou numa mesa de necrotério.
Me desculpem a crueza das palavras, mas elas precisam ser ditas para retratar o caos que vivemos. Crianças são frágeis, vulneráveis, alvo fácil porque não podem se defender e a crescente de casos que as têm como vítima é nítida.
Para além disso, a ausência de políticas públicas, reforçada pelo coro religioso de que “filho é benção”, faz com que lares, principalmente os mais periféricos, onde a tendência à violência é maior devido a vulnerabilidade econômica e estrutural, sejam o cenário perfeito para tragédia.
Um ciclo sem fim. Só na semana passada vimos uma criança de dois anos abandonada em casa com panela no fogo porque a mãe, dependente química, foi para o bar e quase causou tragédia. Dias depois outro bebê de pouco mais de 10 meses foi encontrado no meio da madrugada na rua porque os pais, também dependentes químicos, o deixaram lá. É demanda de saúde pública, gente.
Cada dia uma nova notícia com o velho enredo. Tá escancarado que investir em educação sexual, em projetos que visem conscientização sobre o que de fato é ter um filho e políticas públicas desburocratizando o caminho aos métodos contraceptivos de fácil acesso é preciso, urgentemente. Caso contrário, continuaremos sepultando nossos pequenos, sem chance de volta.
Jéssica Benitez jornalista, mãe do Caetano e da Maria Cecília e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae
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