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Comportamento

Pandemia, máscara e isolamento não perdoam quem vive do sexo

Garota de programa dá detalhes sobre o convívio com o medo de pegar o coronavírus e o trabalho para sobreviver

Bárbara Cavalcanti | 18/06/2021 06:15
Rafaela Dias em ensaio sensual. (Foto: Roger Chaves)
Rafaela Dias em ensaio sensual. (Foto: Roger Chaves)

O uso de máscara e o isolamento social, cuidados básicos durante a pandemia, não são práticos para quem depende do sustento vendendo o próprio corpo. É o caso de Rafaela Dias, de 28 anos, que vive em Miranda, município a 203 quilômetros de Campo Grande. “A gente toma cuidados, como usar máscara e ficar distante, durante as conversas. Os clientes também, eles falam muito no vírus, passam bastante álcool em gel. Mas na hora da relação, não tem como”, detalha.

Rafaela é garota de programa desde os 19 anos. Na conversa com o Lado B, ela fala sem filtro, dá risadas, sempre em um tom leve e alegre, mas fica séria na hora de falar das dificuldades desse período, especialmente da situação que muitas outras garotas enfrentam.

“Dá muito medo. O jeito é tentar tomar os cuidados que dá e orar muito por proteção. E não são todas que têm a mesma sorte que eu, muitas meninas trabalham na rua, então quando esvaziou o movimento, elas ficaram sem o sustento”, expressa.

Rafaela diz que não trabalha na rua, apenas fazendo apresentações em boate, festas e programas por indicação. Viajava para outros municípios da região do Pantanal, como Corumbá e Porto Murtinho, quando o movimento na cidade minguava. O foco dela está em turistas, fluxo que também diminuiu com as restrições internacionais de voos e com o turismo praticamente fechado.

“Logo no começo da pandemia eu fiquei sem fazer atendimentos, nem viajar. Mas chegou uma hora que não deu certo mais, eu preciso pagar minhas contas, preciso viver. Então pedi muita ajuda a deus contra essa doença e fui trabalhar”, detalha. O medo de ficar sem clientes é real, mas Rafaela diz ter se surpreendido positivamente. Ela conta com indicações de clientes, geralmente de outras cidades, além de trocar contatos em restaurantes ou bares que estão em funcionamento.

Rafaela tem 28 anos e além de garota de programa, também é Miss e modelo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Rafaela tem 28 anos e além de garota de programa, também é Miss e modelo. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Como eu sou muito conhecida na cidade, é comum entrarem em contato comigo perguntando se podem passar meu número adiante. O inverso também, sempre que fico sabendo de alguém, indico pras meninas, uma vai ajudando a outra. Além disso, também tenho um cliente que me pede fotos, o que também dá um dinheirinho”, explica Rafaela.

Rafaela se diz sortuda. “Não tenho quem dependa de mim financeiramente, não pago aluguel, nem tenho tantas despesas. Na pandemia, pela primeira vez fiz uma conta parcelada, pois precisei de um celular novo, mas isso foi a exceção, muitas meninas também não compram nada à prazo. Eu tinha até uma 'reservinha'. Antes da pandemia eu já era bem tranquila, eu fazia um programa e conseguia ficar de boa. Mas não é a realidade de todas”, reforça.

De acordo com Rafaela, é comum que muitas garotas de programa sejam o sustento de uma família inteira. Algumas inclusive encaram longas distâncias para achar clientes.

“Eu conheço meninas que vêm do Nordeste, outras do Paraguai, da Argentina. Tem algumas que pagam pelo tratamento médico dos pais. Muitas têm filho, precisam pagar despesas como mensalidade da escola. Eu mesma faço um programa e consigo ficar tranquila, agora eu conheço várias que dão muito duro, trabalham longas horas porque são a única fonte de renda da família”, relata.

Natural de Aquidauana, Rafaela entrou no ramo aos 18 anos. Aprendeu a dançar pole dance com tutoriais no Youtube. “Na época, eu tinha muitas amigas que eram acompanhantes, e eu vivia muito com elas. Todo mundo falava de mim, mas eu não fazia nada. Até que teve um dia que eu reparei que esse trabalho é feito nas boates em que eu já frequentava. Só que ao invés de curtição, eu iria para ganhar dinheiro. E eu sempre tenho comigo que eu tenho que ser responsável pelas minhas próprias despesas”, explica.

“Eu não tenho vergonha, não me importo com o que as pessoas falam. Afinal sou eu quem pago minhas contas mesmo”, expressa.

E o que levou Rafaela à prostituição foi justamente a autonomia. “Não é um dinheiro fácil, mas sim um dinheiro rápido. Esse é um dos motivos que muitas meninas começam a fazer programa e foi um dos motivos pra mim também. Mas além disso, eu também consigo me dá valor. Posso trabalhar autônoma, eu quem decido meu valor e não tolero quem me falta com respeito. Vejo muita gente trabalhando com carteira assinada que é humilhado pelo patrão. Eu sou seletiva, não é só porque eu vendo meu corpo que eu aceito grosseria”, reforça.

Rafaela ainda relata que é exceção encontrar alguém com quem tenha problemas. Relata inclusive, que muitos homens, quando se agradam de alguma garota de programa, chegam a dar muitos presentes em ocasiões especiais.

“Eu sou muito bem tratada e a maioria das meninas que eu conheço também. Só uma vez que eu tive dificuldades, mas olha, acho que eu tinha que está ali para dizer umas verdades para aquele homem. Ele me xingou e eu xinguei de volta. Só porque a pessoa está me pagando, ela não tem direito de dizer aquelas coisa horrorosas que ele disse. E fui embora, não fiquei lá não. Mas já vi também meninas ganharem muito dinheiro de cliente de presente de aniversário, por exemplo. A maioria trata a gente muito bem, ainda mais quando se apega”, relata.

Rafaela em ensaio sensual que fez em Miranda, interior do estado. (Foto: Roger Chaves)
Rafaela em ensaio sensual que fez em Miranda, interior do estado. (Foto: Roger Chaves)

Rafaela conversa abertamente sobre o que faz e não se acanha diante de comentários negativos. “Meus amigos me chamam de corajosa, dizem que têm orgulho da minha sinceridade. Minha família também sabe, eu nunca precisei falar com todas as palavras, mas os turistas vêm aqui em casa me buscar e quem é bom entendedor, poucas palavras já bastam. A maioria das pessoas me conhece”, expressa.

E também deixa bem claro que não está atrás do marido de ninguém, como muitas pessoas acham. Para evitar conflitos, foca em turistas e em pessoas de outras cidades. “O turista vem, passa aqui uns dias e vai embora. Das pessoas locais aqui, tem muito aquilo de que as mulheres acham que eu quero roubar o marido delas. Mas não é nada disso, até porque eu não quero marido, eu quero fazer dinheiro. Então com turistas, ou pessoas de outras cidades é bem mais tranquilo, inclusive tem alguns fixos que vêm todo ano”, detalha.

"Eu não quero roubar marido de ninguém. Inclusive, quando conversamos, dou muito conselho a homens casados. Mas estou longe de querer marido, imagina, casar? Não tem nem como" ri.

Ela também prefere as cidades do interior às cidades grandes. “Aqui é muito valorizado, ainda bem. Já fui em cidade grande, em Campinas [no estado de São Paulo], mas é muito lotado, muita gente, lá você nem dorme, amanhece o dia. Prefiro aqui, aqui o trabalho começa cedo e acaba cedo, no máximo até 1h da manhã”, explica.

Rafaela ainda revela que pensa em abandonar a prostituição. Já fez alguns trabalhos de modelo, participou em concursos de beleza e até tem cursos nas áreas de secretariado e maquiagem.

Rafaela em foto no banheiro. Ela trabalha principalmente em bares, restaurantes e boates de Miranda. (Foto: Arquivo Pessoal)
Rafaela em foto no banheiro. Ela trabalha principalmente em bares, restaurantes e boates de Miranda. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Eu já tentei ser atendente em uma loja, mas eu não fui chamada. Fui muito elogiada, então não sei dizer se o fato do meu trabalho teve influência. Participei de um evento de modelo, ia ter um evento em Campo Grande, com representantes de agências de modelo importantes, mas todo evento foi cancelado por causa da pandemia e ainda não tem previsão de voltar. Já quis também montar uma casa para turistas ficarem aqui, mas só focado em turismo mesmo, para eles ficarem aqui e fazerem passeios. Mas nessa pandemia não tem como, então eu não tenho como parar”, detalha.

Um dos desejos recentes é levar a popularidade também para o Big Brother Brasil. No vídeo de inscrição Rafaela se declara ao Pantanal. “Toda região do Sul do Pantantal é linda. Aqui em Miranda tem o pôr-do-sol mais lindo que eu já vi na minha vida”, expressa.

E representar a região é um dos objetivos de ganhar um espaço no programa, além da fama e do dinheiro. “Eu quero poder dar autógrafo, tirar foto, ganhar dinheiro para ter uma vida melhor e ajudar minha família, ser conhecida. Quem não quer?”, explica.

A ideia de entrar no BBB veio depois que ela ganhou o concurso de Miss Miranda em anos anteriores. “Um dos jurados me disse que eu levava jeito pra isso, mas eu dei risada e deixei pra lá. Mas agora, depois dessas últimas edições, resolvi tentar. Agora é esperar para ver”, finaliza.

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