Para Edmeiry, Thaís, Pollyanna e Graziele, todo dia é 8 de março
Defensoras do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa da Mulher, são elas que dão voz às mulheres na luta pela igualdade
Quatro mulheres de diferentes cidades natais, com anos de experiência ou meses, e que se encontram na mesma luta: a de defender outras mulheres. Na Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, mais precisamente, no Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa da Mulher), todo dia é 8 de Março no calendário de Edmeiry, Thaís, Pollyanna e Graziele. O Lado B sentou para ouvir delas como é dar voz às mulheres que precisam tanto da justiça como do acolhimento para dar fim a uma história de violência.
Edmeiry Silara Broch Festi é a primeira da esquerda para a direita na foto em que o núcleo aparece completo. Paranaense, dos 43 anos de vida, 16 já se passaram na defensoria. Até chegar em Campo Grande, Edmeiry passou por Ribas do Rio Pardo, Costa Rica e Rio Brilhante. No entanto, mais do que vivenciar lotações diferentes, o que lhe marca a carreira é passar da defesa para a acusação. Isso porque em Rio Brilhante foram anos trabalhando na área criminal, especificamente júri e defesa de réus, dentre esses, ela defendeu muitos homens agressores.
"É difícil passar para o outro lado. Para mim foi algo que eu tive que reaprender. Nunca me imaginava no lado da acusação. E, na verdade, na maioria das vezes a mulher não quer acusar. Ela procura a defensoria, a polícia no intuito de querer mudar esse homem, é por isso que a gente tem um grande número de mulheres que ficam nos ciclos".
Mais do que palavras, ela tem na mente exemplos, de quem fez tudo o que foi possível e ainda assim não foi o suficiente. Um dos casos é de uma mulher com seis filhos e que teve o mais velho morto pelo marido e pai do menino. Além de atuar na defesa, o núcleo conseguiu até mudá-la de cidade e a instalar numa nova casa. "E mesmo assim ela voltou com ele e veio aqui para tirar a medida, eu não queria fazer o pedido de revogação, mas a gente tem que compreender e tentar auxiliar essa mulher. Temos que ir muito além da área jurídica e lidar mais com o social e psicológico. Se a gente, com as nossa necessidades de mudança, tendo um pouco mais de acesso, já temos a maior dificuldade, imagine essas mulheres? Elas têm que pensar em botar alimento dentro de casa", analisa a defensora.
Um dos casos mais marcantes foi uma tentativa de feminicídio que só não chegou a ser assassinato porque a vítima, uma mulher, se fingiu de morta. "Quando eu mudei para fazer a defesa da mulher, tive que reorganizar todas as ideias, me colocar no lugar. E é só assim que a gente consegue, só a sociedade presenciando e vivenciando que vamos conseguir mudar".
Hoje à frente da coordenação do núcleo, Thaís Dominato coleciona, além de prêmios, histórias profundas. Aos 39 anos, a paulistana tem 15 dedicados à defensoria no Estado de Mato Grosso do Sul. Começando por Eldorado, Terenos e Jardim, cidades onde antes mesmo de ser criado o núcleo ela já lutava pelo atendimento jurídico e integral à mulher.
"Dar voz às mulheres é muito significativo mesmo e em coisas simples, que administrativamente já podemos resolver". A resposta vem acompanhada de um caso que lhe traz um sorriso no rosto e um afeto na lembrança. Uma agente de saúde que tinha o ex-marido como agressor sofria por ele saber a área onde ela atuava. "Com um ofício a gente resolveu, só precisava fazer valer que a Lei Maria da Penha diz que a mulher pode ser transferida para outro local em caso de violência. Foi uma coisa tão simples, e que fez tanta diferença na vida dela. Ela se tornou tão grata, porque para ela significou uma vida livre de violência".
Claro que no dia a dia também são registrados casos complexos, como da mulher que em duas tentativas de feminicídio levou 15 tiros do ex-marido. "Ela acompanhou o júri inteiro escondidinha, chorou. Ele foi condenado. Ela ficou com uma marca muito grande de cicatriz, que cruzava o corpo inteiro, com o encaminhamento do psico-social ela fez a cirurgia reparadora e quando ela voltou e nos contou eu vejo o quanto foi importante ter acreditado, ouvido e dado voz à ela. Assim a gente encerrou um ciclo".
Caçula de todas, tanto na idade quanto no tempo de trabalho, Pollyanna Siqueira de Oliveira tem 32 anos e 10 meses como defensora. Mato-grossense, ela sabe de cor a data em que tomou posse, 2 de maio de 2019, em Iguatemi e 7 de outubro do mesmo ano, quando aceitou o convite para fazer parte do Nudem.
"Por que a Defensoria? Eu me arrepio só de falar... Quando eu descobri a defensoria e a missão de prestar assistência jurídica para quem não tem condições, eu me apaixonei pela carreira", conta. Foram quatro anos de intenso estudo para fazer a diferença e atuar na defesa dos mais vulneráveis.
Hoje, Pollyanna trabalha na Casa da Mulher Brasileira, onde já teve a oportunidade de ouvir relatos emocionantes, abraçar e chorar com os assistidos. "Uma assistida que viveu 35 anos no ciclo de violência doméstica num casamento em que o marido não deixou ela trabalhar, não deixava ela sair nem estudar. Ela sofreu violência física, psicológica e patrimonial", recorda. Quando o marido descobriu uma tentativa dela de estudar, a espancou. "Depois de muitos anos ela resolveu fugir e veio de Mato Grosso. Pegou um ônibus porque tinha família aqui e quando ela chegou, uma mulher ao lado dela falou assim: 'procura a Casa da Mulher Brasileira, porque lá eles auxiliam as vítimas de violência doméstica'. E ela nunca tinha ouvido falar, porque em Mato Grosso não tem. Quando ela chegou aqui na Defensoria, ela falou: 'Maria passa na frente, me cobriu com o manto e me guiou até aqui. Chego aqui e vejo uma menina tão novinha com o poder de mudar tanto a vida das pessoas'. Foi emocionante".
Mulher branca e heterossexual, foram os 15 anos Defensoria que ensinaram Graziele Carra Dias, de 38 anos, a se colocar no lugar do outro. Sul-mato-grossense natural de Maracaju, depois de passar pela cidade natal e Chapadão do Sul, chegou a Campo Grande em 2014 ano da criação do núcleo.
Na memória dela, a lembrança mais marcante vem do feminicídio de Pâmella Jennifer Garicoi, 32 anos, em 2017. "Assassinada na fábrica de gesso. Eu já tinha atendido ela antes, feito o divórcio, a guarda... A gente fica pensando o que poderia ter feito para evitar se a gente tivesse, de fato, uma política pública concreta, não só na hora de proteger essa mulher, mas também preventivamente, porque essa questão é toda patriarcal, uma estrutura que vê a mulher como objeto. Se a gente tivesse ensinamentos e não reproduzisse isso, ao longo do tempo poderia mudar, mas o que se vê é o contrário. É mimimi é falar bobagem do feminismo", contextualiza.
Feminista, Graziele explica que o termo nada mais é do que a luta por direitos iguais, das mulheres poderem ser o que quiser sem limitações. "As mulheres trabalham, votam, podem escolher se trabalham fora ou não e tudo isso quem conquistou foram as próprias mulheres ao longo de muitos anos de luta. A mulher não entender isso, é muito triste".
Primeira coordenadora do núcleo, Graziele aprendeu a pensar não só em si mesma. "Sou uma mulher branca, heterossexual, sempre estudei em escola particular, nunca precisei vender o almoço para comprar a janta. As minhas condições são diferentes da grande maioria das mulheres e eu não posso tirar por base os caminhos que percorri. A Defensoria faz isso na vida, da gente se colocar no lugar do outro e pensar além da nossa bolha. Para mim, este é um serviço que tem que acolher a mulher".