Para igreja não ficar na “Rua Exú”, bairro ganhou novos endereços
Há alguns anos, Bairro Jardim Santa Felicidade mudou todos os nomes de ruas porque faziam alusão a religião de matriz africana
Em um fim de tarde de sexta-feira, a maioria das famílias do Jardim Santa Felicidade já começa a se recolher. Pela última rua do bairro, aproveitando os últimos raios de sol na varanda, encontramos Jesuína de Souza Lourenço, de 70 anos, uma das poucas a responder o chamado no portão, mesmo com certa desconfiança.
“Essa é a José Belinatti”, informa. Pouco interessada nas políticas do bairro, ela se lembra de que a rua já se chamou Oxumarê, mas diz desconhecer os detalhes. “Falaram que mudou porque o nome das ruas era muito feio”. Ignorando a homenagem ao orixá símbolo da continuidade e permanência, representado pela cobra e pelo arco-íris, é também riqueza e fortuna, o que conta como ponto positivo para a senhorinha é a pronúncia que ficou mais fácil.
Essa é uma das ruas do bairro que há alguns anos teve todos os nomes de ruas mudados, a pedido dos moradores, porque representavam orixás e características de uma religião de matrizes africanas: a umbanda. Cautelosos para falar sobre a mudança, nem todo mundo atribuiu a alteração ao preconceito e intolerância religiosa, mas a maioria concorda que “ficou melhor” os novos nomes.
Nas redes sociais, um grupo formado no Facebook que busca resgatar histórias e fatos emblemáticos da cidade, narrou parte da situação que ocorreu em 2012. Um dos usuários lembra que era o “maior barato perguntar a um evangélico onde era a igreja que ele congregava e vê-lo responder que ficava na Rua Exú”.
Outros citam que o fieis da umbanda ficaram “furiosos” e tentaram impedir sessões da câmara para que os nomes não fossem mudados. Mas a vontade da maioria do vizinhos prevaleceu e, segundo um dos integrantes do grupo, “o bom senso prevaleceu”.
Outras ruas - O caminho antes guardado por Mamãe Oxum, agora é Rua Antônio Moreno. Na volta para casa Matilda Ajala, 70 anos, também parou para conversar com o Lado B. Ela se lembra do antigo nome e explica que a atitude partiu dos moradores que fizeram um abaixo assinado e levaram até a câmara de vereadores. “Reclamavam porque Mamãe Oxum é templo de Saravá. Não me incomodava, eu vivo tranquila na minha casinha sem que ninguém me incomode, mas gostei da mudança. Achava feio”.
Antes que a noite caísse por completo, andamos mais duas quadras até a Rua José Fernandes, antiga Cobra-coral, em homenagem ao Caboclo que na Umbanda é símbolo de luz e visto como um forte guia espiritual. Na boca do povo, perdeu o significado que tem para os devotos e virou apenas “nome de macumba e tudo o que é coisa ruim”, como descreve Delce Amaro, de 70 anos, moradora da região há 18 anos.
“Quando eu comprei aqui, era a Cobra-Coral, logo eles já asfaltaram e mudaram o nome. Eu amei a mudança. Hoje faltam apenas três ruas para asfaltar, mas valorizou muito aqui”, conta.
Vizinho de Delce, Eder Rodrigues, de 37 anos, passou quase toda a vida no Jardim Santa Felicidade, acha que as coisas melhoraram depois da troca, mas afirma não se importar. “Era nome de rua, né. Nome é nome”.