Para "passarinhar", Maristela vai longe em busca de aves que não se vê aqui
Tem gente que ainda se aventura pelo mundo para ficar frente a frente à espécie jamais vista.
Assim como o voo dos pássaros, o “passarinhar” é uma atividade livre, que vira pausa no caos da vida urbana para assistir ao espetáculo de cores e sons das aves, que pode ser vistas do quintal de casa, no caminho para o trabalho ou durante o passeio dos pássaros.
Cada vez mais popular por aqui, a observação de pássaros ou “birdwatching” termo em inglês que surgiu na Inglaterra no século 18, para definir as “façanhas” de pesquisadores e amantes da vida selvagem pelas matas e florestas, coletando informações e catalogando aves de todos os tipos. Hoje, com a ajuda da internet encontrar quem ainda se aventure pelo mundo em busca de alguns minutos frente a frente com uma espécie jamais vista antes.
É o caso da bióloga Maristela Benites, que consegue conciliar paixão pelos pássaros com a profissão. Para ela observar aves é uma forma de “interação aprimorada com a natureza”, um um tipo singular de entretenimento, em que é possível conhecer mais profundamente os lugares por onde passa, desde pessoas até às características físicas do ambiente natural que incluem as espécies como elemento natural. “Você exercita vários sentidos como a audição, visão e experimenta o silenciar-se junto à sensação de bem estar, alegria, euforia e diversão”, define.
Só de “passarinhar”, já são 15 anos em que Maristela aproveita o tempo livre durante as viagens de campo exigidas pela trabalho para se encantar ainda mais com a beleza dos pássaros do Pantanal sul-mato-grossense. “É um o momento de fruição, sem as regras rígidas de uma pesquisa científica, por exemplo”. Com interesse em conhecer aves de diferentes biomas, as andanças dela não se resumem às viagens de campo, Maristela já passou pela Amazônia, Mata Atlântica, Chaco, e outras regiões do cerrado brasileiro.
Entre as viagens mais marcantes, a expedição à Patagônia, para a cidade de Ushuaia, junto com um grupo de voluntárias para trabalhar no Parque Nacional Terra do Fogo, nas horas vagas, elas saiam com o clube de observadores de aves locais para passarinhar, dessa vez o “alvo” foram os pinguins. Além da Patagônia, Maristela também já foi de bicicleta foi até a Floresta Chiquitana na Bolívia com outros sete observadores de pássaros. Quando questionada sobre a recompensa de um caminho tão longo, a resposta é entusiasta: “É ímpar! A alegria do “lifer” que é a primeira vez que você reconhece uma espécie, é incrível! A surpresa é extasiante, a emoção, o encantamento, enfim é sensacional”.
Marcello Magnussen e a esposa Priscilla Cavatan chegaram em Mato Grosso do Sul em 2012, época em que o casal passou a dividir o amor pelo “passarinhar”. Procurando uma vida longe da selva de pedra que é São Paulo, onde o casal morava, eles costumavam sair fazer viagens para o interior em busca de um maior contato com a natureza, mas foram as araras e tucanos vistos por Campo Grande que despertaram no casal esse outro interesse. Priscilla costuma viajar muito a trabalho e participar de congressos fora do estado, momentos em que Marcello se programa para acompanhar a esposa e, juntos, após os compromissos dela, os dois vão juntos explorar a região em busca de novas espécies.
O destino mais longe até hoje é Sinop, no Mato Grosso, há 1182 km de Campo Grande, onde o casal aproveitou para buscar a coruja de crista. “Ela era o objetivo principal da viagem e só consegui esta foto na última noite, na última tentativa que fizemos com o guia local. Depois de duas noites de busca”. Marcello utiliza o site Wikiaves, uma “enciclopédia” construída pelos usuários que postam fotos e catalogam as espécies já avistadas, além de listar aquelas que ainda querem ver, por lá também é possível fazer uma busca antes das viagens e descobrir quais os pássaros típicos da região.
Na rota do casal estão os estados de Goiás, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro, além das viagens feitas ao interior de Mato Grosso do Sul sempre que a oportunidade aparece. Fotógrafo, Marcelo é exigente com a qualidade das fotos, inclusive de acordo com ele, a foto mais difícil já feita pelas lentes da sua câmera foi bem aqui, no parque das nações indígenas. “Fotografar o Tangará Golondrina foi uma das mais complicadas, por causa da composição e a luz que eu queria captar, encontrei o ninho desta ave no Parque das Nações Indígenas num local com circulação grande de pessoas e tive que passar algumas tardes esperando que ele , ou a fêmea pousassem em algum galho com a luz certa e o fundo distante e escuro o suficiente para ficar desfocado”, conta.
Além da atividade que para Marcelo é um “desconectar” da vida urbana, também proporciona imersão cultural e coloca o observador frente a frente com a questão ambiental. “O passarinhar te leva a conhecer a história do lugar, tem acesso a várias coisas e pessoas interessantes. Existe também a preservação da natureza, como você tem acesso a informações, isso te deixa mais preocupado. Fotografar e divulgar as aves, faz com que as pessoas que não tinham contato conhecem as espécies e isso chama a atenção delas para a preservação. Principalmente as aves mais bonitas, as pessoas não veem isso no dia a dia, quando você expõe isso, elas se interessam e gera uma consciência ambiental”, explica.
“É como reencontrar um velho amigo”, define Hiroya Hattori, 58 anos. “Você passa dias, meses, estudando o catálogo de aves, lendo e aprendendo sobre elas, que quando finalmente consegue ver uma de perto é como se já a conhecesse. É um momento em que todas as inquietações silenciam e você fica em paz com você mesmo para se conectar a natureza”.
Guia de turismo desde 1997, ele conta que o interesse pelos pássaros surgiu com o exercício da profissão. Pequenos, a presença deles costuma passar quase despercebida aos olhos menos sensíveis, mas a capacidade de apreciar a beleza delicada das aves vem aos poucos. “Como guia, eu levo quem vem de fora para o Pantanal e entre os outros animais que as pessoas vão esperando ver, os que mais aparecem são os pássaros. Eu já os observava do fundo no fundo do quintal, mas a observação acabou virando um hobby a medida que meu olhar ia se aprimorando”.