Para quem tem "corona" no RG, o jeito é aguentar piada dos amigos
Fran e Roger são os irmãos da família Corona que contam o que já ouviram de quem associa o sobrenome à doença
Antes da pandemia, os irmãos Francielly e Roger Corona Garcia levavam o sobrenome da família "numa boa", sem que o vírus fosse sequer cogitado como um dos significados. Poderia ser nome de estado, de banda italiana, referência a coroa solar, fabricante de carro, empresa de ducha ou – mais conhecidamente – marca de cerveja mexicana. Mas o ano de 2020 que trouxe a covid-19 ao Brasil também deixou aos dois mais um "corona" à lista.
Com isso, o tom de brincadeira e gozação das pessoas acabou ganhando um sentido mais pesado, contam. "As pessoas realmente estranham quando eu falo meu sobrenome. Às vezes, até me perguntam: 'Corona mesmo?'. E acaba que sempre rola um comentário sem intimidade, um 'sai para lá' ou 'Deus me livre'", relata Fran, 31 anos, a atriz, produtora cultural e instrutora de ioga.
"Nunca tive vergonha do nome mas confesso que atualmente venho utilizado menos, pois sabemos que o momento em que todo mundo passa é de muita preocupação e, infelizmente, de dor e luto para muitas famílias que perderam seus entes e amigos queridos", afirma Roger, o engenheiro florestal de 29 anos.
Antes da pandemia, era comum a associação com a cerveja de mesmo nome, que virou motivo de brincadeiras ente amigos que diziam que os dois eram donos da marca. "Nessa época era algo positivo. Com a covid, porém, a brincadeira de agora é que eu, Fran e minha outra irmã somos os 'Velhos Coronas', um antagonismo com o novo coronavírus", diz o rapaz.
E complementa: "esses dias tive que passar meu endereço de e-mail para uma atendente. Quando falei meu sobrenome, ela discretamente parou de digitar e foi olhar minha identidade, o que já considero bastante normal hoje em dia", conta.
No passado, o nome sempre gerava algumas peripécias. "Na carteirinha de estudante da Fran, por exemplo, houve um erro de digitação e a letra 'o' ficou faltando, o que gerou a palavra 'corna'. Foi muita chacota, coitada", relembra o irmão. "Ou então o Corona virava 'carona' e assim por diante. Mas isso só os íntimos, diferente de agora, que muita gente se assusta e acaba comentando", revela a irmã.
Tanto para Roger quanto Fran, o sobrenome nunca foi problema – aliás, é como sempre preferiram assinar. Porém, a irmã teve receio não por ela mesma, mas pelo seu filho, com medo de que tirassem sarro do menino.
"No início da pandemia, a gente mesmo tirava sarro um do outro e ele ouvia e ficava sentido. Pelo menos na escola dele o respeitaram e isso nem é assunto. Até nas minhas redes sociais pensei em dar um tempo para ninguém achasse que fosse algum tipo de brincadeira de mau gosto, muito menos que eu estivesse minimizando a pandemia, mas depois pensei melhor e vi que não era necessário, afinal, é bastante entendível que se trata do meu sobrenome", comenta.
Gesto político – Para os dois, o fato de levarem o Corona não tem escapatória, afinal "é como foi registrado no cartório e pronto". Porém, assim como o jeito de nos vestirmos, de falarmos, o estilo de corte de cabelo, os comportamentos e atitudes praticadas, nosso nome também é uma forma de nos apresentarmos na sociedade – e às vezes até uma postura política.
"Ao manter o Corona no nome, sinto que faço um ato de resistência. Mostrar que o corona, no caso o vírus, está aí pra valer quer as pessoas acreditem ou não. Pra mim, é muito claro que como as coisas estão agora é responsabilidade desse governo genocida e fascista que minimiza a gravidade da covid-19, tirando o mínimo de garantia de um auxílio emergencial que alimente a população, desinformando, desrespeitando e zombando o luto de milhares de famílias. O que o povo brasileiro merece e precisa é vacina no braço e comida no prato", opina Fran.
Na coincidência de levarem o sobrenome, a família teve a "sorte" de não ter sofrido com a morte diretamente com o vírus. Entretanto, para Roger, isso não isenta ninguém das responsabilidades dessa questão de saúde pública. "Sabemos da grande crise econômica que assola os empreendedores de Campo Grande e o desemprego da população de maneira geral, mas sempre gosto de pedir às pessoas que caso possam ficar em casa, fiquem. Perdi alguns amigos bastante jovens para essa doença e isso sem ter nenhuma comorbidade. É uma doença séria, e ninguém está aqui mais de brincadeira", finaliza o irmão.
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