ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
JULHO, SÁBADO  20    CAMPO GRANDE 22º

Comportamento

Por 65 anos, Valto ligou na rádio para oferecer música ao grande amor

Dativa morreu 45 dias depois de Valto, deixando uma engraçada e feliz história de amor para os filhos

Thailla Torres | 18/11/2021 09:08
Casamento de Dativa e Valto. Os dois viveram uma história de amor que durou 65 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Casamento de Dativa e Valto. Os dois viveram uma história de amor que durou 65 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Sou Valto Batista Dias. Fi de mineiro e casado com mulher ciumenta”. 

A frase acima era repetida toda vez que o ferroviário Valto conhecia uma pessoa nova. A apresentação exaltava o amor que ele tinha pela sua história e pela esposa Dativa Batista Santos. Os dois faleceram recentemente, com uma diferença de 45 dias. Ele se foi primeiro. Ela, de coração inconformado com ausência dele, não resistiu e foi ao encontro do seu amado.

Apesar da saudade que ainda faz chuvas de lágrimas na família, os filhos preferem pensar que os pais estão juntos no céu. Na casa de um deles, no lugar da tristeza, ficaram memórias de um casal danado, que filhos e netos jamais vão esquecer na vida.

Vale a pena dizer que algumas dessas histórias são pequenos trechos da vida de 65 anos de amor do casal apaixonado. “Para contar tudo, seria preciso ficar dias falando. Daria um livro, sem dúvidas”, começa uma das filhas, Rosa Maria Batista Santos.

Quatro dos cinco filhos reunidos para contar a história de amor dos pais. (Foto: Paulo Francis)
Quatro dos cinco filhos reunidos para contar a história de amor dos pais. (Foto: Paulo Francis)

São tantas histórias engraçadas, que sobra pouco tempo para o choro quando os filhos lembram que os pais se foram. “Eles eram terríveis. Sabe casal danado? Na verdade, se você os conhecesse antes, acharia que eles só brigavam, mas era tudo cena de amor. Papai era um eterno romântico, enlouquecido pela mamãe. Ao mesmo tempo, era um verdadeiro comediante, gostava de brincar e trollar todo mundo, inclusive, ela”, conta a filha Denise.

Dativa era mais turrona, lembram os filhos. Nunca foi de falar ‘eu te amo’ todo o tempo, mas era no cuidado que ela tinha com a família e, especialmente, com Valto, que todos enxergavam suas diferentes maneiras de dizer que amava.

Se roteirista de comédia romântica tivesse conhecido esse dois, certamente pensaria em algum filme. Os dois se conheceram jovens. Valto se apaixonou por Dativa durante uma viagem de trem. Naquela época, ele já era noivo, mas ficou tão encantado que resolveu terminar o noivado com uma carta e pedir Dativa em namoro.  Pouco depois, a coragem de Valto se transformou em casamento.

“Essa história ele tinha o maior orgulho de contar, deve ter contado mais de 50 vezes”, lembra Rosa. Os dois casaram no dia 8 de março e a data nunca foi esquecida por Valto. “Ele sempre trazia tecido, roupa ou perfume para nossa mãe. Ela já sabia que naquele dia seria presenteada e ficava toda feliz”.

Denise se emociona ao lembrar da despedida do pai no hospital. (Foto: Paulo Francis)
Denise se emociona ao lembrar da despedida do pai no hospital. (Foto: Paulo Francis)

A música dos dois era Rios da Babilônia, por isso, Valto se escondia na casa só para ligar na rádio e oferecer a canção à esposa, que durante as tarefas em casa era surpreendida com a canção deles.

“Ele dizia que ela não andava, ela desfilava. E quando ouvia a música deles, vinha faceira desfilando”.

Todo fim de ano, uma das tradições da família é o amigo oculto e durante anos, filhos também “trollaram os pais”. “A gente combinava de fazer um tirar o outro. E todo ano, eles surpreendiam. Era muito engraçado. A gente só não podia contar para as crianças, porque papai as comprava com doce só para saber quem tinha tirado a mamãe”.

Mas a cada revelação o que não faltava era declaração de amor, principalmente de Valto. Já dona Dativa tinha um costume de só olhar para Valto e dizer “hum” quando não gostava de algo, mesmo assim, ele não deixava de brincar e fazer piadas onde estivesse.

“Nosso pai era evangélico também, somos uma família evangélica, então piada de pastor era o que não faltava nessa casa. Ele mesmo tirava sarro do crente e a gente se divertia muito. Na igreja, era ele quem fazia o cafezinho especial e ajudava em cada missão. Hoje, em sua homenagem, outra pessoa continua fazendo o cafezinho para manter a tradição”, explica filha Valdeci.

Rosa Maria se diverte contando a história de amor dos pais. (Foto: Paulo Francis)
Rosa Maria se diverte contando a história de amor dos pais. (Foto: Paulo Francis)

Além de romântico, Valto era também a memória da ferrovia. “Ele amava contar todas as histórias que viveu na estrada de ferro, as transformações. Ele tinha uma memória invejável, lembrava-se de detalhes e datas como ninguém. Era uma estrela quando começava a contar, contribuiu até para trabalho acadêmico”.

Romântico, memória da ferrovia e... chorão. O filho Valdir lembra-se também dessa característica. “Papai se emocionava e não tinha vergonha disso. Conseguiu transmitir essa emoção aos filhos, que hoje, não têm medo de expressar seus sentimentos”.

Talvez por essa e diversas outras histórias, a despedida dos pais tem sido menos dolorosa. “A gente sente muita falta, muita saudade, não há como negar. Mas saber que crescemos em um lar com tanto amor, tanta dedicação e que eles viveram uma vida inteira de cumplicidade é algo que aquece nossos corações”, destaca o filho.

Valto e Rosa em uma das festas da família. (Foto: Arquivo Pessoal)
Valto e Rosa em uma das festas da família. (Foto: Arquivo Pessoal)

Nos últimos meses, Valto ficou muito nervoso ao ver a esposa adoecer, principalmente após o diagnóstico de Alzheimer. Ele faleceu no dia 19 de setembro após paradas cardiorrespiratórias durante cirurgia cardíaca. Horas antes do procedimento, os filhos conseguiram levar a mãe até o amor da sua vida. “Eles se olharam apaixonadamente”, lembra Denise.

Horas depois, quando a médica chamou a filha para se despedir do pai ainda sedado, Denise foi quem conversou com ele. “Eu disse que ele poderia descansar em paz, porque ele havia deixado cinco filhos para cuidar da mamãe. Acho que aquilo tranquilizou o coração dele e minutos depois ele partiu”.

Os dias seguintes foram de tristeza na casa de Dona Dativa. Ela perguntava quase todos os dias pela chegada de Valto. Saudade a fez deixar até de comer. “Ela sentia muita falta dele. A gente sempre soube que eles foram apaixonados um pelo outro, mas após a morte dele, ficou ainda mais evidente o quanto ele era o amor da vida dela”.

O coração de Dativa não aguentou a saudade e parou 45 dias depois da despedida do marido. “Talvez ela tenha mesmo ido ao encontro dele”.

Agora, tudo o que os filhos querem, é contar para todo mundo essa história de amor. “Não foram só 65 anos de casamento, foram 65 anos de amor, de romantismo, de risadas, de bons sentimentos. Não tem como a gente esquecer e ficar triste com isso. Cabe a nós lembrar de tudo com imenso carinho e gratidão pela oportunidade”, finaliza Valdeci.

Valto e Dativa deixaram 5 filhos: Valdeci, Rosa Maria, Waldir, Denise e Deise, além de 12 netos e 6 bisnetos.

Valto e Rosa na companhia dos cinco filhos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Valto e Rosa na companhia dos cinco filhos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Curta o Lado B no Facebook. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.

Nos siga no Google Notícias