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Comportamento

Por que não falamos sobre a morte? Três livros para viver bem no luto

Fugimos do assunto e, mais ainda, do encontro inesperado, mas essa é uma luta inglória

Elverson Cardozo* | 10/06/2024 17:14
Arte tumular no Cemitério da Consolação, em São Paulo. (Foto: Elverson Cardozo)
Arte tumular no Cemitério da Consolação, em São Paulo. (Foto: Elverson Cardozo)

Uma das minhas áreas de interesse é a morte. Sim, a morte. Pode parecer estranho, porque não temos o costume de falar sobre esse tabu ocidental. Evitamos, como se fosse mau agouro; um convite antecipado à figura antropomórfica retratada pelo criativo imaginário coletivo religioso, envolta em manto preto, com capuz que lhe recobre o rosto cadavérico. Fugimos do assunto e, mais ainda, do encontro inesperado, mas essa é uma luta inglória.

Morrer é tão natural quanto nascer, logo, falar sobre a morte é, de certa forma, refletir sobre a vida. Paradoxal? Nem tanto. Explico. Se essa é a única certeza que temos, por que evitamos conversar a respeito? Pensando nisso, quero indicar a você, caro leitor, três livros que podem, de alguma forma, despertar seu interesse sobre o tema, na intenção de fazê-lo perder o medo do fim. Que fim? Do corpo físico?

Pergunto porque o primeiro da lista (último que li) tem como base o espiritismo, mas os outros dois passeiam por outras áreas do conhecimento (medicina — a partir do conceito da kalotanásia — e os bastidores da indústria funerária). Esses nada têm a ver com os princípios codificados por Allan Kardec, intelectual francês, responsável por popularizar a doutrina da “vida após a morte”. Tem um tempinho para pensar sobre o que nos é comum e inevitável? Então, me acompanhe na leitura.

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A morte na visão do Espiritismo — Alexandre Caldini Neto

Tornando o assunto mais fácil aos iniciantes, o autor de “A morte na visão do Espiritismo”, Alexandre Caldini Neto, oferece respostas simples e didáticas às dúvidas comuns de quem procura entender o “fim”, claro, com base no que acredita, mas sem a pretensão de catequizar quem se dispor a folheá-lo, embora não tenha como fugir de conceitos básicos para introduzir os argumentos. Aqui destaco alguns pontos que vão além da religiosidade.

Entre o Natal e o Réveillon de 2012, Alexandre se viu motivado a escrever depois de ser questionado pela filha de um amigo, Maria, que acabara de enfrentar a morte da mãe. É com ela que ele conversa o tempo todo, referindo-a nominalmente, ao mesmo tempo em que oferece explicações ao leitor ávido por informações sobre os “mistérios da morte”.

“Estamos prontos para morrer?” Se estamos ou não, morreremos, portanto, é melhor que estejamos preparados para deixar a vida a qualquer momento. Triste? Não. Fato. E corriqueiro. Por isso, ele defende que devemos levar uma vida alegre, com significado, que faça a diferença na humanidade, em nossa comunidade, ou mesmo para uma pessoa — ainda que seja para nós mesmos. Mas a busca pela felicidade não pode virar uma obsessão hedonista, na qual não se admite tristeza, desânimo, erro, dificuldade ou contrariedade. Afinal, tudo isso também faz parte da vida.

“Vejo muita gente querendo ser feliz. É errado? Claro que não. Vejo muita gente querendo ter sucesso. É errado? Claro que não. Vejo muita gente querendo aproveitar muito, tudo já. Isso é errado? Hum… O que é ser feliz? O que é ter sucesso? São perguntas complexas que cada um deve responder a si próprio.”

Ser rico, famoso, ter uma carreira brilhante, relacionamento incrível e a saúde impecável parecem, de longe, bons balizadores para uma vida feliz. Que o digam os coaches da prosperidade, mas completar esse checklist antes da morte enjoa e cansa. Teremos tempo para tudo isso? Para Alexandre Caldini, a corrida frenética pelo sucesso, prazer e felicidade a todo custo provoca uma sensação de incompletude, desespero e “certa angústia desnecessária e nefasta”. Talvez, por isso, seja melhor pensar: O que é viver bem? O que, para você, é viver bem?

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A morte é um dia que vale a pena viver — Ana Claudia Quintana Arantes

Viver bem é um dos “segredos” para a “boa morte” — uma explicação mais simples e superficial para entender a kalotanásia, conceito que a escritora e médica geriatra, Ana Cláudia Quintana Arantes, apresenta aos leigos em “A morte é um dia que vale a pena viver”. Um best-seller, quem diria, sobre a hora de partir, com mais de 500 mil cópias vendidas no Brasil e traduzido para 8 idiomas.

Acompanhando pacientes terminais, ela acumula não apenas experiências e técnicas na função que escolheu como missão, mas muitos ensinamentos que não costumam ser repassados em cursos de medicina. A convivência com pessoas que morreram tendo sua autonomia e valores respeitados tornaram-se relatos profundos, de extrema sensibilidade, capazes de nos fazer enxergar a beleza da vida e, consequentemente, a importância de uma boa morte.

Baseado nos princípios dos cuidados paliativos, a kalotanásia (do latim Kalós = boa, bela; thánatos = morte) é um processo focado no bem-estar da pessoa e não na doença (quando não há mais o que se fazer para alcançar a cura), com um conjunto de características e ações para o enfrentamento da morte consciente, assistida por equipe multidisciplinar, sem prolongações desnecessárias, mas com o mínimo de sofrimento, seja dor física ou outros sintomas sociais, psicológicos e espirituais.

O título do livro pode parecer fúnebre demais, mas não passa de impressão. Como assim a morte é um dia que vale a pena viver? Simples. Sabendo que a morte é certa, podemos nos preparar para encará-la de frente e criarmos a “experiência consciente de uma vida que vale a pena ser vivida”, explica Ana Cláudia, quando defende que onde a morte está, a vida se manifesta. Para resumir: se você viveu uma boa vida, provavelmente terá uma boa morte. O contrário também se aplica. Por isso, novamente, voltamos aos questionamentos: o que seria uma boa vida? O que é uma boa morte?

“Muita gente não está viva de fato, mesmo com o corpo funcionando bem. É uma coisa terrível. […] Gente que não confia, não entrega, não permite, não perdoa, não abençoa. Gente viva que vive de um jeito morto. Temos mortos andando livres nas academias de ginástica, nos bares, nos almoços de família de comercial de margarina, desperdiçando domingos por meses a fio.”

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Confissões do Crematório — Caitlin Doughty

Podemos até nos enganar, fingir que a morte não existe, mas a ignorância não é uma benção. “É só um tipo mais profundo de pavor”, provoca Caitlin Doughty, autora de “Confissões do Crematório”. Ex-funcionária da indústria funerária nos Estados Unidos, a escritora oferece outro ponto de vista sobre a morte, sem muitos eufemismos, ao contrário, com realismo por vezes chocante.

São informações reais e detalhadas de uma profissão (agente funerária) que, muitas vezes, causa pavor, mas que também diz muito sobre a forma como escolhemos encarar a vida e, consequentemente, a morte. Primeiro é preciso entender que cada cultura tem seu ritual de despedida, o que pode ser visto como normal para uns e horripilante para outros. Caitlin traz como exemplos o canibalismo, a destruição de corpos por abutres, o embalsamamento praticado pelos antigos egípcios e, entre outros métodos, o tratamento atual de cadáveres que serão enterrados ou cremados.

A diferença está, geralmente, na crença religiosa e no significado da ritualística, que pode trazer consolo durante o luto — ou pelo menos deveria ser assim. O problema, critica, é que a morte também virou comércio, os métodos modernos são procedimentos esvaziados de significados e os mortos, de certa forma, produtos. O marketing em torno da “última despedida” é tão bem elaborado que, no auge da dor e diante da perda de um ente querido, nem sempre percebemos que a funerária é, na verdade, uma empresa.

Mas o “negócio” não é assim tão explícito. Caso fosse, a imagem do “morto natural”, que parece estar sorrindo ou dormindo, repousando no caixão decorado, se chocaria à realidade de um laboratório onde corpos inertes são aspirados com longos trocartes — objetos pontiagudos utilizados para romper a pele, perfurar os órgãos e sugar fluidos, gases ou resíduos na cavidade abdominal. E quem precisa saber disso, não é? Aprendemos tanto a ignorar a morte, assim como a decomposição humana, que podemos acreditar que somos uma geração de imortais, mas não somos.

A morte pode parecer destruir o sentido das nossas vidas, mas na verdade ela é a fonte da nossa criatividade. Como disse Kafka: “O sentido da vida é que ela termina”. A morte é o motor que nos mantém em movimento, que nos dá motivação para realizar, aprender, amar e criar. Os filósofos proclamam isso há milhares de anos com a mesma veemência com que insistimos em ignorar o aviso geração após geração”.

* Elverson Cardozo é jornalista e mestre em Comunicação.

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