Samuel chegou em plena semana de lockdown, quando família menos esperava
Hoje, ele tem quatro meses e 10 quilos, além de muito amor dos pais
Na mesa da sala um porta-retrato mostra que desde o fim de março a família está completa: os pais com o bebê Samuel, que chegou à casa deles com 39 dias, num processo de adoção. Fabiana Cavalcanti Ricci, de 49 anos, e Ivan Benito de Vasconcelos, de 43, aceitaram compartilhar com o Campo Grande News a história deles sobre o amor, a adoção e a surpresa de virarem pais da noite para o dia.
Em plena semana de feriados antecipados, quando a Capital viveu espécie de lockdown, o telefone tocou e do outro lado era alguém do Judiciário avisando da chegada de um filho dentro do perfil esperado pela família.
O menino, que nasceu prematuro, hoje tem quase 10 quilos e quatro meses de vida. Por privacidade, os pais não quiseram mostrar o rostinho do bebê. Na tentativa de descrevê-lo só consigo dizer que dá vontade de morder as bochechas mais fofas do mundo. Samuel é a cara do pai, embora não carregue a genética de Ivan.
Com o filho em casa desde o dia 25 de março, os pais contam o que só descobriram depois de irem buscar Samuel no hospital, o desconhecimento por parte das pessoas ao redor em torno da adoção e a ideia completamente equivocada de que para se adotar é preciso ter dinheiro.
"Quando a gente levava ele para o médico e falava que era adotivo, porque o nome estava diferente do nosso, as pessoas ficavam meio assim: 'como vocês conseguiram um bebê? Tenho um casal de médicos que estão tentando há anos, como funciona essa adoção?'", reproduz o casal.
Essa foi uma das coisas que ouviram, como se não houvesse todo um processo por trás que envolve um curso, documentação, habilitação até a criança chegar.
"As pessoas não têm muita noção do que é adoção. Quando a gente conta dizem: 'meu Deus, que gesto lindo' Eu sei que a pessoa não está fazendo por mal, mas não existe isso de você fazer uma boa ação para uma criança, a gente queria um filho", exemplifica Fabiana.
O processo interno de procurar saber sobre adoção começou enquanto Fabiana, que é analista financeiro, vivia o luto pela perda da mãe, que partiu em 2013. O casal já havia inclusive ido a uma especialista em fertilidade e ouvido da profissional para tentar naturalmente mais um pouco.
"A gente sempre quis ter um filho, sempre quis ter uma família, e estávamos tentando engravidar e não conseguimos. A ideia veio chegando, até que procuramos uma especialista", recorda.
Mas com a morte da mãe de Fabiana, o mundo dela caiu. A analista conta que entrou em depressão e em meio à superação do luto, começou a ver filmes e séries sobre adoção. "Na verdade, não era adoção em si, mas tinha uma pessoa adotada e aquilo me chamou atenção. Comecei a ler algumas coisas e achar interessante este universo", lembra.
Depois de conversar com Ivan, que é professor, os dois procuraram saber como funcionava a adoção no Tribunal de Justiça do Estado. O primeiro passo foi fazer o curso.
"A gente fez o curso para tentar entender e ver como era, mas diferente de muitos casais, a gente já não entrou com a documentação toda. Ficamos mais um tempo conversando sobre isso", conta a analista.
Em meio ao curso e depois no processo, o casal chegou a questionar o por quê de tanta documentação. "Pedem muita coisa, parece que é favor, no começo a gente se sentia até humilhado, mas depois, com o tempo, você vai entendendo o porquê de todo esse cuidado. Eles não querem que uma família adote no oba oba e depois devolva uma criança", pontua o professor.
Para traçar uma linearidade, Fabiana explica que perdeu a mãe em 2013, entrou em contato com a adoção entre 2014 e 2015, fez o curso em 2016 e três anos depois, em 2019, entraram com a documentação.
A habilitação chegou para o casal em 2020, e Samuel, em março de 2021. Para quem escuta, pode ser que a adoção tenha levado muito tempo, mas para os pais, ele chegou no momento certo.
"Diferente de muitos casais também, a gente não queria ficar criando muita expectativa, a gente não tinha arrumado nada", explica Fabiana. Até por não saberem se seria menino ou menina, já que na hora de preencher o cadastro, eles não fizeram a opção pelo sexo, eles só sabiam que poderia ser desde um bebê até uma criança de 3 anos.
E sobre este ponto, Ivan explica o quanto o núcleo de adoção é direto. "Não é assim: 'ah, tem uma criança de x anos, você quer?' Não, dentro do processo de adoção você coloca o perfil de criança que você almeja. É este o termo que elas falam: almeja. Para você não receber uma criança que você não queira", frisa.
Para não criar expectativa e depois se frustrar, o casal escolheu não montar um quarto, eles só sabiam onde seria o cantinho do filho, se e quando ele chegasse. "Não quis fazer quartinho, porque se não eu ia ficar muito ansiosa. Ele não tinha nada, na verdade, a única coisa que ele tinha era um móbile que ganhou da avó dele", lembra Fabiana.
Anos atrás, quando mãe e filha foram a um bingo, a avó ganhou um móbile. No dia do evento, ela até recebeu proposta para trocar por outro produto, mas foi firme e disse que era do neto.
Quando o telefone tocou, a família não imaginava que seria para irem ver a criança. A psicóloga questionou o perfil escolhido pelo casal dizendo que estava atualizando o cadastro, até surpreender Fabiana. "Eu não assustei, porque ela disse que estava ligando para atualizar o processo. Confirmou o perfil, perguntou se a gente tinha tido bebê, e falei que não, a gente estava esperando o nosso bebê, aí ela falou que tinha um bebê que queria que a gente conhecesse para saber se é o nosso filho", recorda.
Imediatamente, Fabiana começou a chorar. O filho estava internado na UTI intermediária do Hospital Regional por ter nascido prematuro, mas já estava de alta. Só restava uma família ir buscá-lo.
O casal teve autorização para no mesmo dia, 23 de março, ir conhecer o bebê. Por foto, já sabiam que era a cara de Ivan. "A enfermeira trouxe ele na mão dela, a gente colocou todo aquele aparato de proteção, por questão de segurança pela covid, e eu que era mais resistente, a hora que eu vi ele, acabou toda a minha resistência", lembra o pai.
Ivan não era exatamente resistente, talvez a melhor palavra seria racional. Mas ao ver o filho que usava uma chupetinha rosa e estava enrolado em uma cobertinha dada pelas enfermeiras, partiu-lhe o coração.
De cara eles sentiram que aquele era o bebê deles. Fabiana explica que quando se trata de uma adoção, a primeira coisa que perguntam foi como o casal se sentiu ao ver a criança. "Uma coisa que eu vejo as mães do grupo relatando, é uma coisa tão forte. Como se você saísse do seu corpo. Você sabe que é o seu filho, não tem volta, não existe volta", descreve.
Eles não puderam sair ainda de lá com o bebê, era preciso seguir com a documentação e, por Samuel estar internado no hospital, era obrigatória a internação de Fabiana também. Ela só sairia de lá 48h depois, quando eles já tivessem criado o mínimo de vínculo e ele tivesse alta. O que aconteceu em menos tempo, foram só 24h dentro do hospital.
Ao informarem a Justiça que o bebê era o filho que eles tanto esperavam, começou a correria. Afinal, Samuel não tinha berço, mamadeira, fralda, roupa, carrinho, nada. "Foi uma força-tarefa com tias, amigas, cunhados, todo mundo ajudando. Até uma loja abriram para gente comprar umas coisinhas", lembra Fabiana.
Ficar no hospital as 24h fez com que mãe e bebê criassem laços a ponto de Fabiana sentir que conhecia Samuel desde o início da gestação e que ele sempre esteve ali, nos últimos meses.
"Foi a sensação mais mágica do mundo, você tem a sensação de ter tido ele", descreve a mãe. Samuel teve alta e veio para casa no dia 25 de março, com 39 dias, pesando 4.080 quilos.
"Quando a gente chegou aqui a sensação era de ter uma família completa", diz o pai.
Projeto dar a luz - Samuel chegou à família de Fabiana e Ivan graças ao projeto dar a luz, do Tribunal de Justiça do Estado. As gestantes que queiram dar o filho para a adoção não só tem assegurado este direito pela Justiça como é acompanhada durante todo o pré-natal.
Os pais não sabiam que Samuel viria do projeto, somente quando ele de fato chegou, e quando a Justiça deu breves informações sobre seu histórico familiar.
"Ele tem que saber que ele foi adotado, a gente sempre quer deixar claro isso para ele, de onde ele veio, que foi da adoção e se um dia ele perguntar sobre a genitora, eu acho que essas mulheres deste projeto, o que elas fazem é muito digno e eu aplaudo", enfatiza a mãe.
Com quatro meses de filho em casa, agora os pais de Samuel entendem o porquê precisa ser tão criterioso o processo de adoção. "No começo do curso a gente até se sentiu mal, pensou em desistir, mas hoje a gente compreende. Não é um exagero tudo o que eles pedem, isso é muito importante porque é uma responsabilidade muito grande", defende Ivan.
Para Fabiana, quem realmente quer adotar mesmo, não há documento ou exigência que pese tanto. "Você entrega, tudo é importante. Usam muito a palavra burocracia, mas não é. É exigência pela responsabilidade que a gente tem", finaliza Fabiana.
Onde procurar - Interessados em saber sobre adoção podem falar com o Núcleo de Adoção pelo telefone 9-9107-5844. Para conhecer um pouco mais sobre o projeto "Dar a Luz" você pode procurar a Vara da Infância, Juventude e do Idoso de Campo Grande, no Fórum. O telefone é o: 3317-3548 e o endereço é Rua da Paz, 14 - Térreo, Bloco 02.