Se livrar da imagem de ‘jovem demais’ é “desconstrução diária”
Muita gente não sabe, mas jovens também sofrem com o etarismo, quando têm sua capacidade questionada
No senso comum, o etarismo é visto como a discriminação contra pessoas idosas, mas este fenômeno social pode afetar todas as idades, desde crianças até pessoas jovens, que também sofrem com o etarismo ao serem deslegitimadas por sua idade. Principalmente quando têm sua capacidade e competência profissional questionadas por serem consideradas "jovens demais" para exercer algum cargo ou função.
Segundo a cientista social Estela Márcia Rondina Scandola, de 62 anos, o etarismo é considerado um fenômeno social que valoriza ou desvaloriza uma pessoa com base na faixa etária. No caso das crianças, ela explica que são afetadas quando não são vistas como "sujeitos sociais" que, apesar da imaturidade, possuem opiniões, gostos e preferências, muitas vezes ignoradas pelos adultos.
No caso dos jovens, a cientista social explica que a principal situação que os afeta em termos de etarismo está relacionada à não consideração "legítima" do modo de ser e viver da juventude. Segundo Estela, uma das principais questões no preconceito etário em relação à juventude está em desconsiderar sua capacidade de agir, produzir, pensar e seu desejo intenso de se envolver coletivamente em alguma causa.
Estela usa como exemplo a participação dos jovens na política, que frequentemente têm suas ideias desacreditadas pelos mais velhos por serem considerados jovens demais e despreparados. Esse preconceito também se manifesta em cargos profissionais executivos ou de liderança, onde os jovens podem ter suas capacidades questionadas.
"Na verdade, a sociedade gosta de categorizar as pessoas. Um exemplo é desconsiderar as ideias dos jovens na política, o que é muito comum", comenta Estela. Algumas das críticas mais frequentes, segundo a cientista social, são "você é muito jovem" e "você é despreparado".
Este preconceito é algo que a professora Rebeca Borges conhece bem. Aos 26 anos, ela decidiu iniciar uma carreira política como pré-candidata às eleições deste ano e, por isso, teve que ouvir questionamentos do tipo: "tem certeza? Será que você não é muito nova?" ou "não seria melhor esperar mais quatro anos?".
"Muitos ainda têm aquela visão de que o jovem deve participar de maneira passiva, apenas observando. Mas é no enfrentamento que mostramos que podemos debater de igual para igual. Em muitas reuniões partidárias das quais participei, eu era uma das mais jovens ou até mesmo a única na sala", reflete Rebeca.
Rebeca desabafa que ainda há um sentimento de descrença, por parte da sociedade, de que uma pessoa jovem tenha capacidade de debater, argumentar e estar em espaços de poder e decisão, mas que a juventude tem mostrado sua capacidade e qualidade cada vez mais. “Mas é uma desconstrução diária. Hoje mesmo eu ouvi, ‘nossa, mas menor de idade pode se candidatar?’”.
Mesmo em situações onde não parece existir preconceito etário, algumas falas ou impressões acabam refletindo a visão que a sociedade tem sobre pessoas que são jovens demais ocupando espaços de tomada de decisões ou assumindo ocupações que exigem grande responsabilidade.
Este foi o caso do psicólogo Luís Maior, 28, que durante uma de suas sessões, ao ouvir os relatos do paciente, escutou a frase “mas você é muito novo”, ao fazer apontamentos sobre as vivências relatadas, como se pelo fato do profissional ser ‘jovem demais’, não tivesse conhecimento para conduzir a situação. “Eu me senti com uma sensação de ‘você não sabe nada sobre mim’, mas não me causou desconforto”.
Na perspectiva do vendedor autônomo Pedro Henrique Silva Gianoto, 26, ao mesmo tempo que a sociedade julga um profissional por ser ‘jovem demais’ e descredibiliza suas capacidades, o mercado de trabalho é cada dia mais exigente em relação à formação, capacitação e experiência exigida para empregar este público.
Aos 21 anos, ele conta que trabalhou em uma agência de marketing, por um salário menor do que seus anos de experiência valiam, porque ele não tinha ‘capacitações formais’ exigidas pela empresa.
“Eu não tive o tempo disponível para estudar e conseguir os certificados que iriam dar mais peso ao meu currículo, tinha que trabalhar, cuidar da casa sozinho e manter a qualidade de vida, o que não me deixava tanto tempo pra estudar. Acho que as empresas poderiam ajudar mais os funcionários a se capacitar na função que está exercendo. Até às vezes não só moram longe do trabalho e levam muito tempo pra ir e voltar, mas também podem ter outras obrigações que tomam o tempo que a pessoa usaria pra evoluir no mercado de trabalho”, finaliza.
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