Ser mãe sem ser mais filha dói em Dani que encontra força no sorriso de Alice
A maternidade nos faz olhar para dentro, reviver a infância e compreender nossas mães. Ser mãe sem ser mais filha exige muito mais
Quando meu direct no Instagram apontou uma mensagem, confesso que o sorriso abriu largo no meu rosto. Era da Dani, dizendo que estava à espera de Alice. Ainda que virtualmente, porque não nos conhecemos pessoalmente, eu quis abraçá-la e desejar as boas vindas ao mundo maluco da maternidade, como gosto de fazer com todas as pessoas que fico sabendo que serão mães. Com o passar dos dias e das conversas, percebi que a Dani tinha vivido muito mais do que eu poderia imaginar desde o nosso último contato. Ela estava para ser mãe, mas não era mais filha. A Alice não viu a avó, mas vai conhecer a força que a Andreia deixou às descendentes.
Dani é professora, mãe de Alice, esposa de Renan e, aos 29 anos, contou sua história para mim, entre mamadas, fraldas (de ambos os lados) e o bolo que ela preparava para o aniversário da sobrinha.
Foi em outubro de 2018 que a família descobriu que a mãe, Andreia Gomes Gusman, com apenas 61 anos de vida e pouco mais de um ano de aposentadoria, estava com um tumor no cérebro. "Quando procurávamos o porquê da depressão dela, numa ressonância para descartar tudo, apareceu um tumor. Ela operou em novembro, ficou 26 dias na UTI e voltou para casa sem sequelas visíveis, mas ficou dependente de nós", recorda.
As filhas contrataram uma cuidadora e viram, num intervalo de poucos meses, que a vida não espera grandes datas chegarem. De casamento marcado para janeiro de 2019, Dani cancelou a festa e manteve a cerimônia apenas no civil. Foi lindo como eles sonhavam. O casal planejava terminar o ano de 2019 grávidos, mas pela avó que dona Andreia seria, Dani quis antecipar.
"Engravidei em março. Descobri dia 31/03, estava de cinco semanas. Contei para minha irmã, e ela comprou uma roupinha para contarmos pra nossa mãe. Aí junto disso minha mãe começou a piorar, voltou a ficar confusa, a mostrar os mesmos sintomas".
Mesmo depois de um ciclo de quimioterapia e radioterapia, a ressonância apontou: lá estava o tumor de novo e pior do que antes. "Então em maio, no dia 09/5, o oncologista nos informou que a situação dela era irreversível, que ela ia falecer por conta do tumor. Poderia ser em semanas ou em meses", conta.
O chá revelação que estava programado não aconteceu, e Dani até hoje não tem 100% de certeza se a mãe compreendeu que teria uma neta menina. "Contei para ela que era uma menina já na UTI de novo. Quero crer que ela compreendeu, mas o tumor, na região onde estava, mexeu muito com ela. Tanto que ela nem se dava conta que tinha câncer, era como se estivesse em off", descreve.
O alento de Dani é que a mãe não esquecia dos filhos e respondia afirmando que se lembrava que a filha estava grávida. Um mês depois do que o médico disse sobre a partida, dona Andreia se foi. Na barriga da mãe, Alice estava com 18 semanas e Dani, aqui fora, vivendo entre o céu e o inferno.
"Minha mãe sempre foi a razão da minha vida. Minha meta era orgulhar ela. E sei que alcancei, ela sempre falou com a boca cheia que a filha dela era professora de Arte, que tinha se formado na UFMS. Ela dedicou 34 anos da vida dela na UFMS, cresci lá dentro. Nunca, nem no meu maior pesadelo, imaginei que minha filha não teria a mãe como vó", desaba.
Andreia não era "avó", era "A AVÓ", sabe? Em letras maiúsculas? Foi justamente a sobrinha que aniversariou neste final de semana quem desfrutou como neta. No puerpério, a fase mais delicada, vulnerável e sensível de uma mulher, Dani chorava pedindo pela mãe. "Foi muito difícil, mas é aquela máxima: você só sabe a força que tem quando precisa dela, e eu sou muito resiliente".
A maternidade fez Dani olhar para toda sua história como filha. Foram 26 anos morando juntas. Andreia trabalhava muito, mas sempre teve tempo para os três filhos. A infância foi mágica, sem nenhuma recordação ruim. "Ela me acordava com um copo de leite todo dia, esperava eu tomar, voltar a dormir e então ela ia trabalhar".
Quando foi a vez de Dani começar a ter expediente, era a mãe que deixava um suco verde prontinho para ela, todos os dias.
"Essa gravidez que me deu força para continuar. Minha mãe foi, mas minha filha estava vindo. Eu digo que meu desafio foi ser mãe ao mesmo tempo que deixei de ser filha. Meu pai faleceu eu tinha 22 anos, minha mãe faleceu eu tinha 28 anos. Jamais imaginei perder meus pais tão jovem. Tem aquele dia que não adianta, era só o colo da minha mãe, a palavra dela que resolveria e, quando é assim, eu choro. É o que me resta. E olho para o céu dizendo que 'tô com saudades'".
Dona Andreia tinha uma característica peculiar. Era muito gastadora. Amava comprar roupas e se vestir como perua. As filhas iam na dona. "Quando eu queria algo, mas estava na dúvida se comprava, ela falava: 'leva, você vai se arrepender'. Escuto a voz dela até hoje dizendo isso", brinca.
Em resumo, Dani ficou sem ar e sem chão quando a mãe partiu, mas abriu o coração para o novo ar e novo chão que estavam chegando. "A Alice me manteve aqui. Viva, levando o luto de uma forma leve para não machucar ela! Hoje ela é meu motivo de viver, para quem eu quero dar orgulho. E sei que minha mãe é nosso anjo rainha suprema do universo".
Para todas as mães que se tornaram mães sem serem mais filhas, o nosso abraço.