Tião se tornou cururueiro com avô e agora repassa tradição ao neto
Artesão conta que conheceu viola de cocho ainda criança e, assim como ele, Bruno segue os passos da família
Quando ainda nem entendia muito bem os significados de tradição, Sebastião de Souza Brandão já fazia pequenas violas de cocho para brincar com os primos em Ladário. Há mais de 70 anos, ele aprendeu as técnicas e encantos da produção com o avô e, hoje, é ele quem repassa os ensinamentos ao neto, Bruno Ferreira dos Santos.
Com o passar do tempo, Tião se tornou um dos principais cururueiros da região e, sabendo que o universo da viola de cocho precisa continuar, se diverte com os ensinamentos. Explicando sobre o que é ser cururueiro, Sebastião narra que o ponto não é só cantar as histórias em forma de música, mas sim todo o modo de fazer a viola de cocho.
Relembrando sobre como sua história começou com essa teia de conhecimentos, Tião explica que sua família já havia dado início à tradição há muito tempo antes dele nascer. “Meu avô fazia, mas não era para vender tanto. Ele fazia para a família, para os amigos e depois é que começou a ser vendido”.
Na época, ainda muito criança, Tião via com os olhos brilhando o avô transformando tecidos em chapéu e madeiras em violas. “Eu tentava aprender o chapéu, mas não tinha como. Agora, quando chegava a hora de fazer viola eu ia correndo atrás, não tinha jeito”, brinca.
Imersa nas festividades no quintal de casa, a criança começou a se tornar artesã e, quando viu, já estava “cordeando” pequenas violas. “A gente ficava debaixo da árvore brincando com viola enquanto a festa acontecia. E sabe de uma coisa? Eu nunca peguei viola para eu tocar que outras pessoas fizeram, sempre toquei nas que eu mesmo fiz”, conta.
Assim como o avô repassou os ensinamentos para Tião, também repassou para filho, Inácio de Souza Brandão. Tião conta que se afastou da cultura por um tempo, mas que seu pai permaneceu fiel à viola até sua morte.
Já na velhice, Inácio foi diagnosticado com Alzheimer, perdendo aos poucos o contato com a tradição da família. “Ele começava a fazer as violas e ia deixando as ferramentas pela casa, não terminava. Foi esquecendo de tudo e eu fui cuidar dele, aí comecei a pegar as encomendas que ele tinha e mantive a tradição”.
Pensando sobre a história do pai, Tião conta que conforme sua própria idade vai avançando, o medo de também começar a esquecer é grande. Por isso, se conectar aos netos é uma forma tanto de se divertir quanto de garantir que a história não vai acabar com ele.
Da biologia à viola de cocho
Orgulhoso da história da família, Bruno Ferreira dos Santos, de 22 anos, conta que, assim como o avô, se encantou pela viola de cocho muito cedo. “Eu tinha mais ou menos 12 anos quando comecei a aprender a fazer porque a gente foi criado junto com ele, então sempre participamos de muita coisa junto”.
Quando era criança, a produção da viola também aparecia como uma brincadeira em família, mas o tempo foi passando e hoje Bruno vê cada detalhe com novos olhos. Estudante de Ciências Biológicas, o artesão explica que também passou a sentir medo das narrativas irem se perdendo.
Por isso, cada oportunidade que aparece é uma oportunidade muito bem aproveitada para manter a tradição ativa. “Antes, as pessoas mais velhas é que costumavam fazer a viola, então é importante que novas pessoas continuem. Sempre que posso dou oficinas sobre a produção também do ganzá, que é um instrumento que também faz parte da cultura, apresento a viola e discuto na academia”.
Contando sobre como sua graduação consegue se relacionar ao patrimônio familiar, Bruno detalha que o modo de fazer a viola de cocho se encaixa na área da etnobotânica. “Você usa o que a natureza proporciona para fazer aquilo ali. Hoje, a gente recebe doações de madeira, não derrubamos mais árvores para fazer porque elas demoram muito tempo para crescer novamente”.
De acordo com o estudante, a madeira utilizada é a Chimbuva e, pensando que para manter a tradição é necessário que a natureza também seja mantida, Bruno tenta divulgar esse conjunto de ideias.
Em meio às novidades e repasse de informações, o neto completa que além da prática ser importante para a sociedade, é o carinho na família que também segue. “Hoje eu continuo ajudando meu avô, é algo que tenho orgulho e aproveito. Então sempre que posso estou com ele”.
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