Troca de vivências ‘acolhe’ mulheres de comunidade com literatura
A oficina aconteceu dentro de um projeto de atenção e atendimento psicossocial desenvolvido pela CUFA
Sorriso, lágrimas e abraços calorosos encheram a sala da CUFA (Central Única das Favelas) de Campo Grande, na tarde desta quinta-feira (29), durante oficina de escrita criativa para as mulheres da comunidade. A atividade contou com a presença da professora, escritora e poetisa Nina Rizzi, que está em Campo Grande para participar da 36° Noite da Poesia, e da psicóloga e escritora Maria Carol.
A oficina aconteceu dentro de um projeto de atenção e atendimento psicossocial desenvolvido pela CUFA, com as mulheres da comunidade e moradoras do Bairro São Conrado. O projeto é desenvolvido pela psicóloga Tatiana Samper, todas às quintas-feiras, em rodas de conversa onde ela trabalha diversos temas do universo feminino com elas.
Cerca de 20 mulheres se reuniram, em uma dinâmica cheia de afeto, acolhimento e escuta, que foi mediada por Tatiana Samper, psicóloga que atua com atendimento psicossocial na CUFA. A atividade começou com a apresentação das convidadas e das participantes.
Durante o encontro, Tatiana perguntou às mulheres presentes qual parte do corpo a CUFA representaria para elas. Quase que em unanimidade, elas responderam que era a cabeça e o coração, sob a justificativa de que “quando a cabeça está bem, o resto do corpo também está”, isso, porque segundo as participantes compartilharam na roda, o lugar é "um local de conversa", "de dar gargalhadas", "de ver os amigos", e "de esquecer os problemas".
Depois, as mulheres formaram duplas e compartilharam suas histórias de vida, momento em que muitas se emocionaram e trocaram abraços, palavras e gestos de consolo. A dinâmica seguiu com declamação de poesias das escritoras convidadas, e no final, as próprias mulheres da comunidade foram ‘desafiadas’ a transformar suas dores, alegrias e vivências em poesias.
A aposentada Sílvia Gonzales, de 71 anos, relembrou durante a oficina, os anos de violência doméstica sofridos em seu primeiro casamento, que resultou em ela precisar fugir da fronteira para Campo Grande, quando tinha apenas 16 anos.
Ela aproveitou o momento para agradecer a todo o acolhimento que recebeu da comunidade, por meio do atendimento psicossocial oferecido pela CUFA. “Eu venho, converso, faço uns trabalhos [oficinas de artesanatos] e isso alivia tudo, eu me sinto bem”.
A dona de casa Lourdes Oliveira, de 63 anos, frequenta as reuniões semanalmente, e confessou que faz mais a linha de ouvinte do que escritora, mas estava disposta a participar da dinâmica. “Eu sou meio paradinha, mas é bom [a oficina]. Eu gosto mais de ouvir, de escrever, mais ou menos, mas será bom”.
Escritora, professora e poetisa, Nina Rizzi foi uma das convidadas para a oficina. Sua escrita é baseada em uma perspectiva interseccional de raça, gênero e classe, tendo o protagonismo feminino e racial como principais temas. Durante a dinâmica ela declamou seus próprios poemas, ouviu as histórias das participantes, e compartilhou vivências.
“Eu não posso contar a sua história, nem a de ninguém, nem a das pessoas que eu vou conhecer. Só elas podem fazer isso. Então o que eu faço é só acender uma fagulha, e costuma ser muito poderoso, porque a gente consegue se unir. É uma via de mão dupla, porque eu também aprendo muito com essas pessoas”, comenta Nina, sobre a experiência das oficinas.
Psicóloga e escritora, Maria Carol também integrou a roda de conversa, para falar sobre a importância da poesia e usar a arte como forma de diálogo com as mulheres. A poetisa destaca que sua escrita é marcada pela sua experiência, enquanto uma mulher negra, e utiliza as palavras para compartilhar seus sentimentos e vivências.
“Eu acredito muito que as palavras são uma forma de me tirar da invisibilidade, desse lugar que colocam as mulheres negras, de silenciamento. Então, eu falo por mim também e pelas minhas. Então, eu acredito muito nessa poesia que é um acalanto, mas que também é uma denúncia”, ressalta Maria Carol.
Maria elogiou a iniciativa de ver a literatura e a poesia ocupando espaço e transitando entre as pessoas, e destacou que, por muitas vezes, a literatura é vista em um pedestal, inacessível a todas as pessoas, o que afasta pessoas em situação de vulnerabilidade social da arte.
Eu acho que a literatura dialoga com pessoas e ela tem que estar com pessoas. Pessoas precisam se sentir acolhidas, então eu acho uma iniciativa extremamente política importante estar num espaço como a CUFA”, ressalta.
Para a coordenadora da CUFA Campo Grande e da CUFA Mato Grosso do Sul, Letícia Polidório, de 36 anos, a proximidade da comunidade com escritoras e poetas mulheres e negras é muito importante, principalmente para que elas se enxerguem nessas profissionais.
“Às vezes elas se sentem muito distante dessa realidade, então a gente conseguir trazer isso pra comunidade, pra mim é algo que é muito importante, principalmente com as idosas, que já passaram por toda essa trajetória de vida e não teve esse acesso", destaca Letícia.
Responsável pelo atendimento psicossocial prestado à comunidade, a psicóloga Tatiana Samper destacou que muitos dos temas trabalhados pelas escritoras, retratam as vivências das mulheres presentes.
“Coincidiu de a Nina poder vir aqui hoje, e achei bem interessante, porque as poesias dela tem bastante a ver com os temas que a gente tem trabalhado, que é a vivência da mulher, a ancestralidade, a maioria delas são mulheres idosas, e com bastante vivência”, destaca Tatiana.
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