Vendido na infância, filho perdoa família e leva esperança a outras pessoas
Uma história de força, perdão e recomeço. Anderson Bax, de 22 anos, cresceu longe da família biológica desde os 6 anos de idade. Criou-se na Holanda e há sete meses voltou ao Brasil em busca de suas origens para dar início ao voluntariado com crianças carentes no lugar onde nasceu.
Em Campo Grande, ele está hospedado na casa de um amigo, missionário, que estendeu a mão aos sonhos e projetos de Anderson. Com dificuldades para falar português, o amigo Evandro Sudre é quem auxilia na tradução.
Nascido em uma favela de Guarulhos (SP), Anderson foi vendido pela própria tia na infância. Entregues a um abrigo de São Paulo, ele e duas irmãs foram adotados por um casal e saíram do país na década de 1990.
Num período onde a adoção era pouco efetivada, Anderson lembra que era comum o tráfico de crianças. “Minha mãe era negra e meu pai branco. Isso causava um sentimento de inveja em uma tia. Naquele momento estava muito comum o tráfico, algumas até para venda de órgãos, mas por sorte não foi o nosso caso. Quando minha mãe foi dar à luz a meu irmão mais velho, essa tia roubou os sobrinhos e vendeu para esse sistema de adoção”, lembra.
“Fui uma criança muito amada e com seus valores reconhecidos”, faz questão de completar Anderson, que hoje é graduado em Psicologia Infantil pela Universidade de Amsterdã.
Ele se recorda dos abusos, sofrimento e ausência de carinho na infância. Quando chegou ao abrigo tinha consciência que seria adotado e confessa que esperava por esse dia. “Quando eles vieram me buscar eu falo que já estava na porta. Lembro das duas primeiras coisas que fizeram como pais. A primeira é que me deram de presente um carrinho pequeno, aquela tinha sido a primeira surpresa em minha vida e a segunda foi um par de tênis, que eu guardo com amor até hoje”.
Anderson cresceu sem nutrir um sentimento de rancor, mas ao mesmo tempo, não conseguia entender as próprias diferenças. “Fui muito amado e sei que não teria as mesmas oportunidades morando nas condições da favela próximo a pobreza e a violência. Nunca tentei justificar de nenhuma maneira tudo que aconteceu e sempre fui grato, por isso consegui perdoar a família, mas precisava saber de onde eu vim”.
Para continuar o trabalho que começou na Holanda, Anderson sabia que precisava dar um novo passo.
Depois de formado, foi ser voluntário com crianças refugiadas da Síria. Na aproximação com coordenadores da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), ele conheceu uma realidade que foi decisiva em sua missão.“Muitas crianças já estão chegando sozinhas. Só no ano passado, 45 mil crianças estavam sem os pais. Isso acabou despertando um amor e um vontade de trabalhar exclusivamente com as crianças”, conta.
Na Holanda desenvolveu um programa de emponderamento com as crianças. “Com jogos que trabalham a superação e as emoções das crianças, com base no perdão, por exemplo. É claro que o sorriso de uma criança ameniza toda dor, mas a única coisa que me deixaria feliz é ver todos os problemas resolvidos”.
Por isso, decidiu voltar ao Brasil com dois objetivos. De trabalhar com projetos sociais e conhecer a família biológica. Todas as decisões foram com o apoio da família, que inclusive compreenderam, que Anderson não podia buscar a felicidade ao lado de uma história mal contada.
Em São Paulo o encontro com a família foi um desfecho. “Eu não conseguiria ir adiante sem ver de onde eu vim e não saber o restante da história”, diz.
Os pais continuam na favela e a tia que negociou Anderson luta contra uma doença severa. “Ela está com câncer, um dos seus filhos trabalha em um dos restaurantes mais caros de São Paulo e o futuro dele foi graças ao dinheiro que ganhou na adoção. Revi na memória tudo o que passou e ali naquela situação, o ciclo se fechou. Sei quem sou e sei que a história mal contada que eu carregava por anos deixou de ser e vou seguir com meus planos".
Anderson também se orgulha dos valores que aprendeu na Holanda. “Lá a diferença era muito grande, eu era baixo e negro, as pessoas eram altas e brancas. Mas os meus pais adotivos são exemplos da diferença, minha mãe é crente e meu pai muçulmano e, isso nunca foi um problema”.
A maior diferença em relação ao Brasil é que por lá ele nunca sofreu preconceito. “Sempre houve respeito. A Holanda é um país muito aberto a isso e sempre me vi totalmente à vontade. A diferença é que eu pertenço ao Brasil e precisava voltar ao meu pais para ajudar”, explica.
Com a dificuldade de desenvolver um trabalho social em Guarulhos, ele acreditou que em Campo Grande a situação poderia ser outra. “Primeira coisa é ver onde há um vazio no sistema e conseguir intervir nesse espaço. Tentar aplicar algumas soluções que a Holanda encontrou e que possam fazer a diferença por aqui”, reforça.
Depois que o sentimento de questionamento mudou para a compreensão, agora Anderson busca é pela felicidade. “A última meta é construir a vida no Brasil, buscar a felicidade e todas as relações necessárias. Na Europa é muito comum as pessoas fazerem carreira no voluntariado. Mas o que sinto é diferente, faço por amor e pelo desejo de mudança”.
Anderson também tem o dom da música. Toca piano e canta. No fim de semana participou de projetos sociais com moradores de rua em Campo Grande e agora está caminhando ao lado do projeto Fronteira, pensado para transpor as barreiras sociais e culturais por meio de voluntariado, educação, responsabilidade social e missões humanitárias.
*Nossos agradecimentos ao missionário Evandro Sudre que nos auxiliou na tradução.