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Comportamento

Adotada aos 45 anos, Jorgina vai para escola pela primeira vez

Ângela Kempfer | 03/08/2012 10:29
Jorgina Aparecida Conceição é vítima da Talidomida e não tem parte dos braços. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Jorgina Aparecida Conceição é vítima da Talidomida e não tem parte dos braços. (Foto: Rodrigo Pazinato)

A primeira informação marcante ao conhecer Jorgina Aparecida Conceição é o fato dela não ter braços nem pernas. Mas ao longo da conversa, são tantas as histórias importantes que a deficiência parece detalhe.

Na Escola Municipal Professor Vanderlei Rosa de Oliveira, no bairro Novo Maranhão, ela entra pela primeira vez em uma sala de aula, para realizar mais um sonho, o de aprender a ler e escrever.

Com o lápis na boca ou apoiado na parte do braço que restou, ela começa as lições pelo desenho. Nada difícil para uma mulher que até limpa quintal com a enxada.

Ela nunca usou cadeira de rodas, criou um chinelo com espumas para conseguir andar, leva sempre um banquinho para acesso aos pontos mais altos e assim vai vivendo a vida, sempre criando quando algum obstáculo aparece.

Os dotes são vastos. Jorgina faz qualquer peça em crochê e criou até um fogãozinho de lenha artesanal, feito com parafina e depois moldado na base do palito, para vender. “Aprendi tudo sozinha, ninguém nunca me ensinou nada. Sempre tive que me virar. Não dá para esperar ajuda, até porque nunca veio”, conta.

Apesar de ter o olho sempre brilhante e a conversa sincera, Jorgina é tímida, quase não fala se não houver provocação.

Simples, com o sorriso quieto no rosto durante todo o tempo, parece surpresa diante de uma recepção tão carinhosa e da preocupação da equipe da escola com o conforto da nova aluna. “Achei que todo mundo ia me olhar diferente. Preconceito meu né, pensar que iam me tratar mal”, admite.

Vítima da Talidomida, medicação que provoca deformação congênita, ela parece nunca ter recebido um carinho ou qualquer atenção enquanto morou na terra natal, Paranapanema (SP).

“Meus irmãos me abandonaram pelos cantos e, quando a minha mãe morreu, fiquei sem ninguém mesmo. Mas ela sempre falou assim: Luta pela vida”, ensina.

Sobre o pai, ela responde com decepção. “Meu pai? É só meu pai por criamento, não por sentimento não”, conversa.

Na porta da sala de aula com a professora Judite Fernandez.
Na porta da sala de aula com a professora Judite Fernandez.

Nova vida - A mulher, de 45 anos, há 2 meses vive em Campo Grande porque foi praticamente adotada por um casal que prefere não aparecer.

Os dois conheceram a história no Youtube e decidiram ajudar. Religiosos, eles viajaram até São Paulo, a convidaram para morar em Campo Grande e ela nem pestanejou. “Sei lá, vi os dois e na hora respondi: Claro que vou”.

Hoje, Jorgina diz que é madame, vive na casa da avó postiça, perto do casal que a acolheu . “Fazem o almoço para mim, eu passeio e arrumaram até um jeito para vir para a escola de van”, conta, bem arrumada, com uma camisa azul nova e brinco dourado na orelha.

Ela recebe um salário ao mês, como benefício do INSS, mas diz que agora não precisa mais gastar, vai economizar pela primeira vez. “Tive um tempo muito sofrido, de nada ter graça. Sempre fui sozinha, mesmo tendo família”, conta.

A diretora-adjunta da Vanderlei Rosa confirma a história e é só elogios ao casal que resolveu dar uma nova vida a uma pessoa que mal conhecia. “O casal tem duas filhas, ele é advogado e ela é uma professora interprete de Libras (linguagem de sinais), bem novinha e super dedicada”, conta Lucilene Vedana.

Jorgina nunca namorou e até conhecer o casal de Campo Grande só ganhou um presente na vida: uma televisão doada por loja de Paranapanema, depois de uma reportagem de TV sobre a condição dela.

Mesmo sem qualquer incentivo, nunca baixou a cabeça e até financiamento para construir uma pequena casinha ela conseguiu.

Em São Paulo tem um imóvel minúsculo, de cerca de 16 metros quadrados, mas nem a conquista há 4 anos faz ela pensar em voltar. “Achei Campo Grande muito legal, não vou sair daqui nunca”.

Se depender da dedicação da professora, pelo menos durante 3 anos e meio, a aluna ficará por aqui, até se formar. “A escola vai colocar uma professora assistente na sala, mas eu já disse que vou cuidar pessoalmente dela. Fiquei muito impressionada com a vontade da Jorgina em aprender”, justifica Judite Fernandez.

A diretora, Ângela Maria Faustino, admite o choque ao saber da história de Jorgina, mas quando ela começou a falar, diz que percebeu que a presença da nova aluna será fundamental para toda a comunidade escolar. “É um incentivo para alunos e pais de alunos, por ter contato com uma pessoa assim, que não vê dificuldades, só vê possibilidades”, conclui.

Veja a reportagem que levou o casal até Jorgina.

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