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Comportamento

Se o Pantanal fosse personificado, poderia ser "Beto Pantaneiro"

Paula Maciulevicius | 11/09/2012 16:24
“Por viver muitos anos dentro do mato, o menino pegou um olhar de pássaro... Por forma que ele enxergava as coisas por igual, como os pássaros enxergam”. Manoel de Barros define como ninguém o "seo" Beto Pantaneiro.
“Por viver muitos anos dentro do mato, o menino pegou um olhar de pássaro... Por forma que ele enxergava as coisas por igual, como os pássaros enxergam”. Manoel de Barros define como ninguém o "seo" Beto Pantaneiro.

Criado no mato, aprendeu a gostar das coisinhas do chão, antes que das celestiais. Manoel de Barros descreve o homem pantaneiro que vê o seu quintal como o maior do mundo. Se o Pantanal pudesse ser personificado, há sim, quem dê conta do papel de protagonista. Roberto Dittmar, 64 anos, que na terra adota o nome de “Beto Pantaneiro”.

Dono de uma fazenda centenária entre Miranda e Aquidauana, ele chegou de barraca e berrante nas mãos para a 5ª Cavalgada no Pantanal, na região de Nhecolândia. Pés descalços e água de brejo. Como patrão, ele só disse que não gosta de dar mau exemplo. Antes de dar o descanso a si, foi tratar de quem o trouxe da cavalgada de volta ao acampamento. “Cada um lava o seu, a lei é essa”.

Os cavalos nem eram dele, que pela distância, levou para a Baía das Pedras apenas as bagagens e a experiência de 64 anos de vida pantaneira. Deixou no acampamento as duas selas, dele e da filha, e voltou ao piquete conduzindo os animais para um merecido banho.

“Você quer ver? Então leva este”. Foi o que ele disse à repórter. Confiou um dos cavalos pantaneiros a quem mal conseguia carregar as próprias bugigangas. De longe, acompanhava e gritava. “Não deixa ele parar, se não você vai ficar aí eternamente”. É que o cavalo empacou. Tenho pra mim que ele sabia que à frente estava alguém que nunca tinha puxado as rédias de um animal.

Bem depois, o cavalo chegou a pilheta de concreto, onde os animais têm água para se refrescar. “Se lavar o cavalo no estilo carapé, é cavaleiro relaxado. Porque cavalo não é só cara e pé. É de corpo inteiro”, ensinou. Com uma guampa nas mãos, jogava água com gosto no bicho e esfregava. Era preciso que, além de refrescar, fosse retirado também o suor de quem galopou 21 quilômetros, metade da cavalgada.

“Precisa passar a mão pra tirar o suor dele, é aquela cristalização que fica, só água não tira. Quando vê o campeiro, você não fala nada. Você vai saber quem é caprichoso aí. Porque o cavalo é o ganha pão dele”.

“Agora você vai lavar o teu rosto e não precisa ter nojo, só porque o cavalo se lavou ali”. Ensinamentos de quem viveu a vida toda o contato direto com o Pantanal.
“Agora você vai lavar o teu rosto e não precisa ter nojo, só porque o cavalo se lavou ali”. Ensinamentos de quem viveu a vida toda o contato direto com o Pantanal.

E os ensinamentos do pantaneiro não param por aí. Ele diz que após o banho, o cavalo precisa se secar e que isso pode ser feito com palmeira de bocaiúva, mas que o animal prefere mesmo é rolar na areia.

“Depois de rolar, ele vai descansar, relaxar. Ele senta e urina. Ele já compreendeu que a tarefa findou. Você, depois do trabalho não toma um banho pra relaxar e toma um tereré? Com ele é a mesma coisa”, dizia.

O peão apareceu e o cavalo foi se embora. Para o merecido descanso. Ali, começava então o do cavaleiro.

“Agora você vai lavar o teu rosto e não precisa ter nojo, não pode ter nojo só porque o cavalo se lavou ali. Faz bem. Tira a sua bota e coloca o pé, você vai ver como relaxa”. ‘Seo’ Beto ficou de olho, pra ver se o que ensinava era aprendido.

Depois saiu andando, contando causos do Pantanal. Volta e meia olhava para trás. E gritava “vem menina, não tem o que espetar”. É que depois do ritual de lavar os pés, ele segue e aconselha para voltar descalço.

“A minha recomendação é não ficar quieto, parado, é ir andando, olhando não pra baixo, pra cima e descalço. Isso que descansa. Fazer caminhada, espera pra ver. Vai olhando, respira e solta o ar pela boca”.

Ele tinha razão. Aliás, homem pantaneiro sabe o que fala quando o assunto é Pantanal.

A história dessa vez começou de trás pra frente. É mais um capítulo de um episódio de quatro dias na Nhecolândia. Antes do ‘seo’ Beto Pantaneiro lavar o cavalo, muito galope foi dado.

A cavalgada é evento grande, recebeu em torno de 200 pessoas que sabem e conhecem a rotina pantaneira e também gente que via tudo pela primeira vez, como a repórter que aqui escreve.

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