Em loja de quadros teve até cliente que emoldurou jacaré após perder 3 dedos
O endereço é o mesmo há 44 anos: Rua 13 de maio, 2113. Na quadra, quatro portas já foram destinadas à venda de quadros e molduras, mas o tempo e a tecnologia reduziram o espaço a apenas duas. Quem toca o negócio atrás do balcão é uma senhora de cabelos curtos e óculos estilosos, sempre cuidadosamente retirados para a foto.
Marilza Helena Bissoli Medeiros, mais conhecida como Mabbi, tem 66 anos, mas a vitalidade é a mesma de duas décadas passadas. Empreendedora, quando ninguém nem tinha ideia do peso dessa palavra, ela deixou o emprego em um banco de Campo Grande e investiu no próprio negócio.
Com apenas 22 anos comprou o ponto, com tudo dentro e um funcionário. "Ali nascia o Mundo dos Quadros. Eu não sabia nada, não tinha a mínima ideia de como restaurar uma moldura ou pintar um quadro", relembra. A curiosidade fez Mabbi começar a perguntar aos clientes como criava um quadro. De dica em dica e após inúmeros testes, ela começou a pegar o jeito.
"Sou autodidata. Hoje tenho quadro no mundo todo. Na época pensei, se vendo os materiais porque não fazer também as pinturas", explica.
Na arte, ela fez fama ao vender miniaturas de florais. Já com molduras, a principal atividade era a restauração. "Vim pra cá sozinha. Alguns dias depois de abrir a loja, o movimento parou. Eu não sabia o que fazer. Fiquei perdida. Então fui atrás do antigo dono para perguntar. Ele mandou eu limpar o estoque, achar o que fazer", brinca.
Mesmo inexperiente e sozinha, o negócio permaneceu firme por 44 anos e acabou se tornando uma atividade de família. "Criei minhas filhas atrás desse balcão, brincando ali enquanto eu trabalhava. Duas delas seguem no ramo, uma com uma loja no bairro São Francisco e outra na cidade de Natal. Eu mesmo ensinei para elas, o que aprendi na prática com a vida", acredita.
Prática essa que rendeu boas histórias ao longo das décadas. De homem que emoldurou jacaré até pacote de dinheiro deixado na loja, Mabbi diz que já viu de tudo nessa vida.
"Uma vez um cara entrou por aquela porta com a pele de um jacaré, era o jacaré inteiro. Fiquei chocada. O jacaré tinha arrancado três dedos dele e depois ele conseguiu matar o animal sei lá como e queria emoldurar. Nossa, achei uma coisa horripilante", confessa.
Ela indica mais ou menos como o quadro ficou grande e depois sai andando pela loja. Mostra algumas restaurações de fotos antigas, aquelas de família que ficavam presas na parede, e molduras que parecem do século passado.
"Essa daqui deve ter 30 anos. A cliente quer que de prata, ela fique dourada, mas como é cheia de detalhe tem que fazer com cuidado", afirma.
Conversar com Mabbi é assim, cheio de assuntos. Os causos então, são inúmeros. "Uma vez estava muito apertada financeiramente, tudo que entrava para mim era lucro, qualquer R$ 10,00. Trouxeram uma moldura, folheada a ouro, de mais de 2 metros de altura. Normalmente, eu cobraria de R$ 4 a R$ 5 mil, mas estava precisando do cliente e resolvi jogar baixo para ficar com o trabalho", conta.
Depois de cobrar apenas R$ 1,5 mil, ela resolveu perguntar da onde era a encomenda.
"O senhor me disse que era de um museu em Minas e que a moldura era da época de Dom Pedro. Não acreditei que joguei tão baixo. Tentei argumentar desesperadamente, mas ele não aceitou a oferta mais cara e ainda disse que eu tinha sido indicada por fazer um bom trabalho. Fiquei arrasada", ri, hoje, a artista plástica.
Agora, com a tecnologia, ela diz que os pedidos de restauração caíram um pouco. "Ainda tem comércio, o povo procura para fazer algumas restaurações, mas esses jovens baixam um programa e já conseguem fazer, são espertos. No meu tempo eu restaurava as fotos que eram pinturas, aquelas antigas, era difícil. Mas, ainda tem gente ligada na antiguidade que gosta e procura", explica.