Mercearia vende de tudo, vive cheia e é um belo clássico guardado no Santo Amaro
Laranja, de portas de ferro e lotada de fregueses. Um entra e sai de gente para pedir ou pagar o copo de cachaça já consumido direto para o ‘seo’ Ramos. Há 40 anos, na esquina das ruas Engenheiro Américo Baís e Raniere Mazili, na região do bairro Santo Amaro, a mercearia que leva o sobrenome da família, Ramos, vende de tudo, desde o pão, até a pinga.
O lugar deve ter um tamanho razoável, mas fica pequeno com tanta coisa. As paredes são forradas de cachaças, o balcão de madeira deixa visível em cima e nas prateleiras a variedade até desconexa de produtos. Bolacha de maisena, do lado de acetona, que por sua vez faz companhia ao miojo, erva de tereré, materiais para consertos elétricos e um cordão de chinelos que decora a mercearia de um lado a outro.
“Aqui tem de tudo um pouco. A gente tenta pelo menos, essa semana faltou duas vezes. Quando falta eu anoto para comprar”, explica o dono, Joamir Rodrigues Ramos, de 65 anos. O que estava em falta nos últimos dias era feijoada, que agora comprada volta à prateleira por R$ 7,20.
Os preços estão nas etiquetas, mas por estarem mesmo. Porque pelo seo Ramos, nem precisava, os valores estão todos na memória. A mercearia era do avô, que passou para o pai de Joamir e nos últimos nove anos, ficou para o último dos Ramos que tem a raiz de comerciante. Desde então, é ele quem toca o lugar sozinho. Quer dizer, só entre aspas, porque não tem horário que não tenha freguês para comprar pão, café ou tomar uma pinguinha.
“Te agrada passar o dia aqui, tem sempre alguém para conversar com a gente. E se estiver perturbando, eu já mando ficar para lá”, avisa. “Em quase 40 anos aqui, nunca saiu uma briga de faca, revólver. Nem polícia vem aqui, é todo mundo conhecido, aposentado”, explica.
E dentro do contexto das brigas, Joamir toma todo cuidado na hora de se precaver. Os machados, as enxadas e até um carrinho de pedreiro tinham mais saída quando eram expostos. Os produtos também são vendidos na mercearia, mas do balcão para trás. “Em briga, cada um podia pegar um machado. Aí não dava”. Por segurança dos próprios clientes, Ramos agora esconde as ferramentas. A medida refletiu e o machado que custa R$ 38 já está encostado há meses. “É que antes, como ficava lá fora, as pessoas viam”, argumenta.
A procura da clientela é mais por bebida mesmo, mas como ali tem de tudo, dá até para virar justificativa em casa. De que o cliente foi comprar pão, café, ou até mesmo um par de botinas e tomou um copinho. “Aqui não se volta para casa sem nada e sem tomar pinga. Tem muitas pessoas que já vem comprar o pão, levar o café e tomar a cachaça”, narra.
O horário de funcionamento é das 7h às 13h com direito a uma longa pausa. Depois do almoço, Ramos só abre às 5h da tarde para esticar até a noitinha, lá por volta das 22h.
E como mercearia que se preze vende fiado na caderneta, a freguesia fiel de Ramos tem seu próprio caderno de compras. “Seo Orlando, seo Vitório, Postero, Claudinha, Luan e Bianca. Eles chegam aqui e vai direto no caderno, não tem que ficar caçando a conta em um só”, explica Joamir.
Pergunto se são apenas estes, ele afirma que não. “Isso é o que fica aqui, fora quem fica com a caderneta na casa deles”. Na ponta da língua, o proprietário descreve um cotidiano quase inexistente nos dias de hoje.
“Não quero modernizar nada. Esse ano vou me aposentar. Os filhos estão tudo criados. Uma é nutricionista, o outro é gerente de banco. Em 40 anos disso aqui eu fiz 10 casas de aluguel. Vou agora é comprar uma chacrinha no meio do mato, trabalhar não quero mais não”.
Ah, e os 65 anos de vida mencionados no início da reportagem, seo Ramos completou na última sexta-feira, de portas abertas, vendendo à clientela, do pão à pinga.