Só aos 57 anos ele conseguiu comprar o 1º carro, que hoje trata como Ferrari
Depois de muito trabalhar e vencer obstáculos nesta vida, aos 57 anos Ciriaco da Silva Martins finalmente realizou um sonho, comprou o primeiro carro. Um Fusca creme, ano 1976, que hoje fica estacionado na garagem de uma pequena edícula, na Rua Eduardo Santos Pereira, no Centro de Campo Grande.
E já se passaram 25 anos. O veículo é a relíquia de Ciriaco, que cuida como se fosse uma Ferrari. Para quem duvida, um recado no portão principal faz a advertência: “Não estacione, respeite essa Ferrari”.
Cansado da falta de educação de motoristas que insistiam em estacionar na frente do portão, onde fica o Fusca. Ele decidiu fazer uma placa simples com o recado cheio de bom humor, mas que aos poucos surgiu o efeito que era desejado.
O carro completa 25 anos na família. A pintura está um pouco desgastada e em alguns pontos há ferrugem, mas nada que o impeça de funcionar. Com peças todas originais, o Fusca é considerado as pernas de Ciriaco, que ele jamais pensou em se desfazer. “Onde eu preciso, ele me leva”, deixa claro.
Hoje ele tem 82 anos, é casado e conta que comprou o carro da própria filha em 1990. Tanto amor pelo veículo é justificado pela quantidade de histórias. “Quando a minha filha ficou grávida, com esse carro que ela ia para as consultas médicas e até a maternidade. É um carro que ajudou muito a minha família."
Mesmo não sendo um carro de luxo, é possível entender que mais do que momentos importantes, o carro é símbolo de conquista após tantas lutas e momentos difíceis para que ele chegasse a uma vida mais tranquila e feliz.
Ao narrar a infância, anulada pelo trabalho, os olhos ficam cheios de lágrimas, mas foram as dificuldades que o fizeram um homem de bem, garante. Ciriaco foi retirado dos pais quando tinha 6 anos de idade e entregue a uma família, que desde cedo o colocava para trabalhar.
“Se eu dormi uma noite inteira até de manhã, durante umas três vezes na vida, foi muito. Eu levantava de madrugada para engarrafar leite. Era criança e subia em um banquinho de madeira para alcançar”, conta sobre o trabalho que era obrigado a fazer.
A justificativa, segundo ele, era que na época os pais não tinham condições financeiras. Longe dos pais e dos irmãos, ele cresceu ao lado de pessoas que ele desconhecia. Mas jamais perdeu a esperança de reencontrá-los.
Aos 18 anos, saiu de perto da família que o criou e foi ao reencontro dos pais e os irmãos, momento que afirma ter sido uma libertação em sua vida. “É como se eu tivesse me libertado do cativeiro”, fala com emoção, lembrando do passado.
A vida toda foi trabalhador rural e mesmo não tendo frequentado a escola, sabe ler, escrever e se esforçou muito para dominar a matemática. “Sou do tempo que matemática tinha que ser feita de cabeça e tabuada tava na ponta da língua. Ler, eu nem leio tanto, mas a matemática eu sei”, se orgulha.
No terreno onde fica a edícula e o Fusca estacionado, ele aproveitou para plantar mandioca, maxixe e quiabo. Uma maneira de matar a saudade do trabalho que sempre dominou e estava acostumado a fazer. Com enxada na mão, ele se orgulha do instrumento que até hoje faz parte da sua história.
“A minha vida é isso aqui, a enxada, a foice e o machado sempre fez parte da minha vida. Em matéria de trabalho ninguém pode discutir comigo. Venho aqui preencher vazio do tempo”, explica sobre as horas que passa limpando e plantando no terreno que pertence a um genro.
Casado há 6 anos, pela segunda vez, hoje o aposentado também trabalha com a esposa, fazendo pães de queijo caseiros. A receita, já conhecida, ele garante que é especial pois é feita com amor e carinho.
Ciriaco avisa que vai continuar plantando, o que justifica a saúde de ferro que ele mantém aos 82 anos. “Gosto de tudo caseiro, eu venho de um tempo em que a gente plantava e comia tudo ali, fresquinho. Hoje tudo tem conservante”.