Sarau das Moreninhas ocupa com cultura espaço que já foi tomado pela violência
A iniciativa dos moradores trouxe vida à Praça Pastor Manuel Ventura Sales, no coração das Moreninhas com música, poesia e capoeira
Cansados dos esteriótipos da periferia, moradores respondem o preconceito com música, poesia, roda de conversa e capoeira, durante o primeiro Sarau das Moreninhas, um grito de cultura e arte no último domingo (2).
No centro da Praça Pastor Manuel Ventura Sales, que virou palco, os moradores foram os protagonistas, ocupando um espaço que já foi ponto de uso de drogas, na tentativa de unir a comunidade.
Michelle de Souza Barros vive nas Moreninhas há 37 anos, onde nasceu e foi criada. Hoje, ela é professora de capoeira do projeto “Ginga no Pé, Educação da Cabeça”, uma das atrações do Sarau. O grupo atende crianças do bairro à partir de 5 anos e é aberto para quem tiver interesse, os únicos requisitos são as boas notas e a frequência escolar, além do respeito aos pais e aos colegas.
A atividade é uma opção de lazer para os jovens do bairro, que teve o centro comunitário limitado a salão de festas nos últimos tempos. Michelle conta que as atividades culturais por lá foram encerradas e atualmente a única função do espaço é ser alugado para eventos, por um preço não tão acessível. O que torna eventos como o Sarau ainda mais importantes, para ela.
Poetisa e cantora, Mayara Roberta Sampaio ainda é nova, mas aos 18 anos carrega no sangue a experiência de ser mulher, negra e moradora da periferia. A cor da pele é herança das recordações do bisavô, que só conseguiu emprego como carpinteiro, recebendo como pagamento um prato de comida e um “teto”. Ela conta que escreve desde os 9 anos, expressando na poesia as cicatrizes que por muito tempo foram apenas internas e encontraram uma saída nas palavras escritas em papel.
No sarau, Mayara tomou coragem para ir além, recitou um poema autoral sobre o racismo diário que muita gente ainda diz “não existir”, mas que na prática faz pessoas se sentirem inferiores.
“É sobre as experiências do meu bisavô, mas também é sobre meu sobrinho de 6 anos que voltou da escola perguntando se ser preto era uma coisa ruim, porque as outras crianças estavam tirando sarro do cabelo dele. Também é sobre a maneira como nós, mulheres negras somos sexualizadas ainda na infância, como foi meu caso, mas também é sobre ver essas coisas acontecendo e mesmo cansada, continuar lutando por quem não tem voz”, revela.
Com uma igreja evangélica no outro lado da rua, comércios e residências ao redor da praça, o evento foi democrático, que teve de música pop até Caetano Veloso, além da colaboração dos comerciantes,que se uniram para tornar o sarau possível,contribuindo com a energia para as caixas de som e microfone, mesas e cadeiras usadas como expositores e nenhuma reclamação dos vizinhos.
Os amigos Vinícius Mendes, Erick Torres, Pedro Henrique, Gabriel Martins, Alexis Rosário e Isaac Araújo acharam a novidade animadora, por ser um evento cultural praticamente ao lado de casa, uma coisa que eles dizem buscar em outros lugares, como as apresentações no Sesc, que apesar de serem de graça ficam longe, o que dificulta o acesso.
A organização promete não parar por aí, o sarau começou pequeno e aos poucos mais pessoas foram se juntando a roda, a programação é que aconteça a cada 2 meses e que o público seja cada vez maior. Além do lazer, o projeto também quer fortalecer a identidade do bairro, resgatar a história que segundo uma das idealizadoras Socorro Nunes, já foi marcada por sangue e construir um futuro de oportunidades e longe da violência.
“Vamos reunir os moradores, conversar com eles sobre os problemas do bairro, reunir estatísticas, entender o que os números dizem sobre nós e buscar respostas das autoridades para melhorar as condições de vida e transporte nas Moreninhas”, conta Socorro.
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