Dificuldade da mulher cega em fazer exame começa já no atendimento
Se acesso aos serviços de saúde já não é fácil, imagine para as mulheres deficientes visuais?
"Por que ninguém veio com você?"
"Você tem que vir acompanhada"
"Não tem ninguém para te levar lá"
Estes são alguns dos questionamentos que Maria Andréia Pereira dos Santos, de 49 anos, já ouviu quando teve de procurar por serviços de saúde, sejam eles públicos ou privados. Deficiente visual, a maior dificuldade dela é de ser atendida adequadamente sem precisar estar acompanhada de ninguém.
"Gente, eu não preciso que me levem lá, só me mostrar o rumo que eu tenho que tomar para chegar ao local", explica. O recado da dona de casa é dado na manhã do penúltimo dia de outubro, quando se comemora o Outubro Rosa, de prevenção ao câncer de mama, na recepção do Hospital de Amor, em Campo Grande.
Andréia nasceu com baixa visão e ficou assim até os 29 anos, quando entrou enxergando pouco e saiu sem ver nada de uma cirurgia. No pré-operatório, não detectaram a doença de stargardt como razão do fato dela não enxergar. "Se não, hoje eu poderia ser uma baixa visão e não cega total", comenta.
De volta ao que a levou ao hospital na manhã de hoje, Andréia explica que atendimento adequado nada mais é do que dar atenção. "Vou te indicar onde é certinho, é só dar atenção e não atender a gente de qualquer jeito".
Andréia faz parte da Associação dos Deficientes Visuais de Mato Grosso do Sul, que hoje, em comemoração ao Outubro Rosa, levou as mulheres para exames de mamografia e preventivo no Hospistal de Amor. Se acesso aos serviços de saúde já não é fácil, imagine para as mulheres deficientes?
"A mulher enfrenta dois tipos de fatores: primeiro o fato de ser mulher, depois o fato de ter deficiência. Chamamos isso de dupla vulnerabilidade", fala a diretora do Departamento de Empoderamento Feminino e Inclusão da Associação, Jerusa Ferreira.
Voluntária na associação, Jerusa não tem deficiência visual, mas convive desde os 12 anos de idade, por conta da mãe que perdeu a visão aos poucos. "Agora em tempos de pandemia, estabelecemos eixos para começar atuar e resolvemos fazer essa parceria com o Hospital de Amor, porque as pessoas com deficiência têm prioridade no atendimento e inclusive nos exames", fala.
Sobre as dificuldades, Jerusa descreve que elas começam a partir da acessibilidade dos locais e é crucial no atendimento. "As pessoas não sabem quando chega a um estabelecimento como lidar, conduzir. Não sabe se tem que se dirigir à ela ou ao acompanhante. Tem muita falta de informação sobre como lidar com as pessoas com deficiência".
Dona de casa, Hortência de Oliveira, de 30 anos, tem baixa visão e frequentemente ouve questionamentos se "afinal de contas, você enxerga ou não?" reproduz a fala ouvida constantemente. Isso porque Hortência usa bengala, mas consegue enxergar ao aproximar bem perto dos olhos um papel ou o celular. "Eu peço ajuda e geralmente as pessoas fogem, já passei por vários constrangimentos destes", conta.
Enfermeira do Hospital de Amor, Magda Barbosa das Neves é quem fez a coleta do preventivo nas pacientes. Além de explicar de que forma é feita a coleta, diferente do posto de saúde, Magda pedia licença para guiar as pacientes. "A coleta é a mesma, o diferencial é que você tem que ficar mais com a paciente, colocá-la na maca, ajudar a levar ao banheiro para ela se trocar, porque aqui é um território que elas não conhecem, e então precisam desse tipo de ajuda", diz.
"E é aí que nós ganhamos, com isso a gente aprende o amor ao próximo, aprende que precisamos um do outro", completa.
Estudante, Taíza Santos da Silva, de 41 anos, veio guiada pela atendente até a sala da coleta. Atualmente estudante, como se define, ao ter que reaprender tudo com a perda da visão, Taíza tem glaucoma e há três anos se tornou deficiente visual.
"O atendimento tem que ser prestativo, a gente não ficar esquecida pelo canto só pelo fato de não enxergar. Chegou, já acolhe, tem que atender", descreve.
Sobre os exames, Taíza diz que é o primeiro que ela passa sem enxergar. "Te confesso que estou com um pouco de medo, porque depois de cega, é o primeiro e a gente não enxerga nada mesmo".
Presidente da Associação, Áurea Sena da Silva Sobrinho, tem 54 anos e 35 deles dedicados à associação. Administradora aposentada, ela ressalta que quando se conquista direitos, é importante defendê-los. "A importância da associação está nesta vigilância para manter nossos direitos garantidos".
O atendimento no Hospital de Amor é gratuito e você pode marcar exames pelo telefone: 3304-6600 para realizar o preventivo e a mamografia.