"E depois do fogo?": o que tem sido feito para evitar o fim do Pantanal?
Mesmo com a "morte anunciada", ambientalistas veem nas leis uma esperança para frear a devastação do bioma
Quando se pensa no Pantanal, logo surgem em nossa mente as vastas áreas alagadas que definem a maior planície inundável contínua do mundo. No entanto, em 2024, a realidade que tem dominado o bioma é bem diferente. Em vez das águas, o cenário foi dominado por chamas, cinzas, secas prolongadas e a morte de inúmeros animais.
Nesta terça-feira, 12 de novembro, dia de celebrar a existência e importância do Pantanal, a reflexão que fica é: “E depois do fogo? Quais avanços foram feitos para que, em 2025, não enfrentemos as mesmas cenas de devastação?”.
Com uma área de 624.320 km², o Pantanal é considerado a maior área úmida continental do planeta e abriga uma das maiores biodiversidades do mundo. Aproximadamente 62% de sua extensão está no Brasil, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e o restante se distribui entre Bolívia (20%) e Paraguai (18%).
Segundo a WWF, as cheias anuais atingem cerca de 80% do Pantanal e promovem o equilíbrio ambiental necessário para a renovação da fauna e flora do bioma. Reconhecido por sua importância, o Pantanal foi decretado Patrimônio Nacional pela Constituição de 1988 e, em 2000, foi classificado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera.
Entretanto, as previsões climáticas são desanimadoras, caso a degradação ambiental do bioma persista. Em setembro deste ano, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, alertou que, se o atual padrão climático se mantiver, o Pantanal pode desaparecer até o final deste século.
Se continuar o mesmo fenômeno em relação ao Pantanal, o diagnóstico é que poderemos perder o Pantanal até o final do século", declarou a ministra, citando fatores como baixa precipitação, alta evapotranspiração e a perda anual de cobertura vegetal.
Além disso, o mais recente levantamento do MapBiomas, divulgado nesta terça-feira (12), revela um cenário preocupante: as cheias estão cada vez menores, enquanto as secas se tornam mais prolongadas, o que tem favorecido incêndios mais intensos no Pantanal.
A análise da série histórica, de 1985 a 2023, mostra uma redução na área alagada e um aumento no período em que o bioma permanece seco. Em 2023, a área alagada foi de 3,3 milhões de hectares, 38% menor do que em 2018, quando o Pantanal registrou a última grande cheia, cobrindo 5,4 milhões de hectares. Essa área já era 22% mais seca que a de 1988, a primeira grande cheia registrada na série histórica, com 6,8 milhões de hectares. Em 2023, a redução de água foi de 61% em relação à média histórica (1985-2023).
Além disso, as áreas alagadas por mais de três meses por ano também estão diminuindo, indicando uma menor extensão de alagamento e um tempo de permanência reduzido. Paralelamente, 22% (421 mil hectares) da atual área de savana (2,3 milhões de hectares) veio de locais que secaram.
Essa mudança no regime de cheias e secas é um dos principais fatores responsáveis pelo aumento significativo das queimadas no Pantanal, explica Mariana Dias, da equipe do bioma Pantanal no MapBiomas. “A alta frequência de incêndios no bioma está associada à predominância de vegetação campestre, à intensa variação no regime de inundação da planície e aos períodos de seca prolongados”, destaca.
De 2019 a 2023, os incêndios atingiram 5,8 milhões de hectares, com a maior parte da destruição ocorrendo em áreas que antes eram permanentemente alagadas, mas que agora estão sendo atingidas por períodos mais longos de seca.
Já neste ano, o cenário também foi alarmante. De acordo com o monitoramento feito pelo programa BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), de 1º de janeiro a 11 de novembro, foram contabilizados 594.046 focos de calor na região do Pantanal brasileiro. Foi um aumento de 277% em relação ao ano passado.
Segundo o Inpe, Mato Grosso do Sul concentrou 52,6% desses incêndios, com 312 mil registros entre 1º de janeiro e 11 de novembro. Já Mato Grosso foi responsável por 47,4% dos focos de incêndio no bioma.
O maior pico de incêndios deste ano foi na semana entre 29 de julho e 4 de agosto, quando houve 57.741 focos de calor, de acordo com o painel de monitoramento do programa BDQueimadas.
Outro aspecto observado durante os incêndios foi a devastação da fauna. Segundo o presidente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), Angelo Rabelo, a fauna enfrenta um dos piores processos de extinção já registrados. “O cenário é de destruição de habitat. O fogo tem se alastrado com uma capacidade assustadora de dizimar espécies, especialmente répteis e insetos”, destacou.
Importante ressaltar que as queimadas no Pantanal em 2024 começaram mais cedo e com maior intensidade do que o habitual. Enquanto a temporada de fogo geralmente inicia entre o fim de julho e o início de agosto, este ano os primeiros registros ocorreram já em janeiro.
Além disso, conforme pontuado por Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, todas as queimadas foram causadas exclusivamente pela ação humana. Embora raios possam gerar incêndios naturais no bioma, Rodrigo disse que os monitoramentos deste ano não identificaram nenhum foco com essa origem. "Cem por cento do fogo foi provocado pela ação humana”, afirmou durante visita à Corumbá em julho deste ano.
O relatório do MapBiomas também destaca o processo de desmatamento e a conversão de áreas naturais em pastagem e agricultura, especialmente no planalto da BAP (Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai).
Entre 1985 e 2023, o uso antrópico dessa área aumentou de 22% para 42%, com 5,4 milhões de hectares convertidos em pastagem e agricultura, sendo que grande parte dessa conversão afetou áreas de vegetação natural.
A expansão das pastagens exóticas, principalmente na planície pantaneira, tem sido responsável por boa parte do desmatamento. Entre 1985 e 2023, as pastagens exóticas na planície aumentaram de 700 mil hectares para 2,4 milhões de hectares.
"A substituição de áreas de formação campestre e campo alagado por pastagens exóticas na planície exige estratégias de manejo adaptadas às condições específicas de solo e à sazonalidade dos pulsos de inundação", explica Eduardo Rosa, coordenador de mapeamento do bioma Pantanal no MapBiomas.
É possível reverter o fim do Pantanal? - Apesar de ser uma previsão catastrófica, o fim do Pantanal está longe de ser papo de “ecochato”. A analista de conservação da organização socioambiental Ecoa (Ecologia e Ação), Fernanda Cano, aponta que dificilmente conseguiremos voltar às verdadeiras condições naturais do Pantanal.
Se o avanço da degradação, redução da quantidade de água e outros fatores que contribuem continuarem em ritmo acelerado, vamos perder o Pantanal”, explica Fernanda.
De acordo com Fernanda, para manter o Pantanal, é preciso conservar e recuperar as nascentes dos rios, como o Paraguai e seus afluentes São Lourenço, Cuiabá, Miranda, Taquari, Coxim e Aquidauana.
Isso também é defendido pelo coordenador da equipe Pantanal do MapBiomas, Eduardo Rosa, que afirma ser necessário investir na restauração e conservação de áreas de vegetação nativa e na recuperação de áreas degradadas, especialmente nas regiões de cabeceiras e nascentes, bem como em áreas de preservação permanente ao longo dos rios, que perderam sua capacidade de proteger e reter a água.
Outro fator pontuado pelos pesquisadores é a alta frequência de incêndios, que agrava ainda mais a situação. Para Eduardo, é fundamental adotar estratégias integradas, como a preservação de recursos naturais, o desenvolvimento de políticas de adaptação e prevenção e o controle eficaz de incêndios. "Isso inclui o estabelecimento de brigadas locais capacitadas para combater os focos de fogo rapidamente, evitando sua propagação", diz Eduardo.
Já para Fernanda, é preciso pensar na prevenção antes do período de seca, além de implementar uma Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, fortalecer as Brigadas Comunitárias Voluntárias, investir e incentivar os municípios para o enfrentamento às mudanças climáticas e fortalecer os sistemas de alerta.
Uma lei estadual é suficiente? - Para coibir a destruição do Pantanal em Mato Grosso do Sul, a Lei do Pantanal foi sancionada em dezembro de 2023 pelo governador Eduardo Riedel (PSDB), em cerimônia que contou com a presença de vários ministros, incluindo a do Meio Ambiente, Marina Silva.
A legislação estabelece como os proprietários rurais podem utilizar recursos naturais e traz uma série de restrições, como a proibição de agricultura e produção de carvão. Ela prevê que autorizações serão concedidas apenas para imóveis inscritos no CAR (Cadastro Ambiental Rural), sem registros de irregularidades nos três anos anteriores, com pecuária realizada por meio de técnicas sustentáveis de manejo e com estudo de impacto ambiental obrigatório para áreas superiores a 500 hectares.
Para áreas menores, as regras serão definidas por critérios administrativos. De acordo com o texto, em casos de extrações acima de 50% da área, será exigido um estudo especial, e a autorização será limitada a mil hectares. A lei pode ser conferida na íntegra por meio deste link.
A analista de conservação da Ecoa, Fernanda Cano, destaca que a sanção da Lei do Pantanal em Mato Grosso do Sul representou um avanço significativo para a proteção e conservação do bioma. “Agora estamos na fase de implementação”, observa Fernanda.
No entanto, segundo ela, além da implementação, é necessário o apoio do governo federal para intensificar os esforços contra o desmatamento nas nascentes dos rios. “Ainda temos desmatamento em ambos os estados. Porém, o esforço do governo federal elevaria a prioridade e importância desse ecossistema".
Atualmente, duas propostas de lei em nível federal estão em análise. Uma delas é o Estatuto do Pantanal (PL 5.482/2020), de autoria do senador Wellington Fagundes (PL-MT). Em julho deste ano, a CMA (Comissão de Meio Ambiente) do Senado chegou a aprovar o projeto.
Mais recentemente, o PL 5.482/2020 foi apensado ao Projeto de Lei 2334/2024, da deputada Camila Jara (PT-MS). Este último propõe normas gerais para proteção e conservação do bioma Pantanal, unificando regras previstas em legislações estaduais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Atualmente, ambos tramitam em caráter conclusivo e serão analisados pelas comissões da Amazônia, dos Povos Originários e Tradicionais, de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Finanças e Tributação, e de Constituição, Justiça e Cidadania. Para se tornar lei, a proposta precisa ser aprovada tanto na Câmara quanto no Senado.
Na visão de Fernanda, uma lei federal voltada para a conservação do Pantanal seria um marco importante, pois garantiria os direitos e deveres de todos os setores que dependem do bioma. “Ela poderia abrir caminho para incentivos financeiros destinados à restauração das áreas degradadas, proibir o desmatamento, estabelecer regras para a exploração econômica, definir atividades compatíveis com o bioma e garantir a permanência de povos indígenas, comunidades tradicionais e ribeirinhas".
Para o presidente do IHP, uma legislação federal poderia alinhar ações para o Pantanal como um todo, além de envolver o governo federal de forma ativa nesse processo. “O objetivo é incorporar contribuições positivas de MS e MT, garantindo uma segurança jurídica federal para o Pantanal. Essa lei deve atender à conservação, fomentar o financiamento para preservação e respeitar o setor produtivo que opera de forma sustentável”, explica Angelo.
Já o biólogo Gustavo Figueirôa, do Instituto SOS Pantanal, acredita que a legislação de Mato Grosso do Sul está “muito sólida” e, em alguns aspectos, até superior às propostas de lei que tramitam em nível federal.
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