No Pantanal em chamas, urgência das onças é achar abrigo contra queimada
Em momento raro, equipe de projeto de conservação viu três onças nadarem rápido em busca de área segura na Serra do Amolar
No Pantanal, o fogo que faz parte do ciclo de renovação da maior planície alagada do mundo chegou mais cedo e muito mais abrangente em 2020. Provocados pela seca, por práticas da pecuária e pela ocupação irregular, os incêndios já consumiram milhares de hectares na região de Corumbá e Ladário. Na emergência do fogo, cena rara foi vista por pesquisadores que atuam no IHP (Instituto do Homem Pantaneiro): três onças-pintadas, mãe, filhote e macho, fugiram a nado em busca de local seguro na Serra do Amolar.
O vídeo dá o tom da urgência pelo nado rápido dos animais para tentar chegar ao outro lado, indício de que a travessia nas águas do Rio Paraguai – este ano ao nível dramático pela falta de chuva – não é o trajeto de quem avista uma presa ou se refresca: é a pressa de escapar no fogo.
A análise também é feita pelo pesquisador Médico veterinário e estudante de mestrado do programa de sustentabilidade e agropecuária da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), Diego Francis Passos Viana. As equipes do IHP viajam diariamente para a Serra do Amolar, já que mantêm, neste local, projetos de conservação.
Um desses projetos monitora justamente as onças, por serem espécie “topo de cadeia”, ou seja, se vivem bem e se reproduzem, podem indicar que todo o habitat para espécies que vão de antas até árvores está saudável. É o Conexão Jaguar, que espalhou as chamadas “câmeras trap”. Com os relatórios indicando cenário positivo, as organizações envolvidas recebem dinheiro para manter projetos de sustentabilidade por meio do chamado “crédito de carbono”.
Apenas dois meses depois, o cenário não é da “liberdade” de onças adultas e filhotes. É de fuga. As imagens das onças buscando abrigo na Serra do Amolar foram registradas em julho. “Agora nos últimos meses vimos três onças fugindo do fogo no mesmo dia, atravessando o rio. Estava tudo queimando. Não é habitual, é muito triste”, comenta o veterinário.
Ainda assim, a tristeza aumenta quando envolve animais menores. Pelas características de locomoção, não conseguem escapar do fogo.
“Dentro de todo contexto de população animal, essas áreas funcionam como um abrigo para as áreas que queimaram. Todos os animais tentam sair, mamíferos de médio e grande porte conseguem, mas o tamanduá, por exemplo, tem dificuldade de correr, tatu tem dificuldade e enxerga mal. Toda a cadeia acaba ficando comprometida, queima tudo, desde pastagem, alimento natural de herbívoros”, conta Diego.
Conforme aponta Diego, as onças conseguiram passar pelo período de reprodução. Foram vistas com seus filhotes nos meses de junho e julho, mas com a fuga das queimadas e a seca, podem apresentar comportamento de estresse, competição e dificuldade de alimentar os filhotes. Espécie solitária, a onça costuma manter os filhotes por perto por período de até dois anos, conforme Diego, especialista em mamíferos.
“A dificuldade aumenta muito. Tem que fugir, abater o alimento que não existe mais. Quando a gente pensa no que influencia o comportamento deles, a disponibilidade de alimento é grande em áreas protegidas, essa competição é bem baixa, porém, quando você vai avaliando esse comportamento em áreas onde recursos são mais escassos, essa competição é bem maior. A disponibilidade de recursos influencia diretamente”, comenta o veterinário.
Mudança climática – O Pantanal, depois do Pampa, é o bioma com menor área protegida por unidades de conservação, apenas 5% de unidades de conservação ambiental ou terras indígenas. Ou seja, 95% do território é “particular”, especialmente as fazendas da pecuária.
“O Pantanal ele sempre conviveu com queimadas, mas hoje as ações do homem acabam intensificando essas queimadas, com causas não só no Pantanal, mas na Amazônia, que influenciam diretamente nosso ciclo de chuvas. As causas do fogo tem impactos variados, existe desde um ribeirinho que por descuido foi queimar, só que o impacto é bem pequeno quando a gente compara com um produtor que vai limpar sua área e o número de produtores que existem”, cita.
O Pantanal em toda a sua porção sul-mato-grossense queima desde outubro, com incêndios que não foram interrompidos por ciclo regular de chuva. Em outubro, o fogo começou na região de Miranda, mas Diego avalia que habitat apresentou mais recuperação do que deve ocorrer com o Pantanal corumbaense.
Outro aspecto desse fogo ou da falta de alimentos, ainda assim, são os ricos das rodovias. Na última semana, no dia 7, uma onça-pintada foi encontrada morta às margens da rodovia MS-332 em Miranda. “Com certeza ela estava fugindo. Quando falta alimento, agora na seca elas andam mais, a gente pode apontar mais esse cenário”, avaliou Diego.
É um desastre que vem se repetindo.
“O que a gente observou, por fazemos monitoramento de animais atropeladas, é que a 140 km de Miranda, indo a Corumbá, observamos no ano passado muitos atropelamentos. Duas onças pintadas foram atropeladas, uma à noite, no fogo o animal não tem para onde ir e usa a estrada.
Com a falta de refúgio, é nas áreas protegidas dentro das fazendas em Miranda que as onças também têm aparecido, segundo o pesquisador.
Além das onças, os integrantes do IHP têm registrado outras imagens de animais em fuga, a exemplos dos veados. De modo geral, Diego comenta que todos os mamíferos tem buscado uma saída para áreas sem foco de calor. Até uma família de ariranhas foi vista nas águas do Rio Paraguai enquanto o filhote da “mãe onça” ensaiava o nado.
“Na APA Baía Negra em Ladário pegou fogo, e diferente de Miranda, ela não se recuperou, vegetação continua queimada. O impacto é grande, a competição por alimentação é o ponto chave. Serra do amolar vai sofrer com a mesma situação”, opina o veterinário.
“A morraria funciona como uma forma de parar a água e tudo está muito seco, está pegando fogo em tudo ao redor. Apenas nas unidades de conservação que a gente está conseguindo manter o fogo longe e há aumento no número de todas as onças pintadas. Temos registro de onças, catetos, queixadas, na região mais alta, buscando a proteção da rede amolar”, afirma.