Paisagens incineradas, fumaça e exaustão viram rotina no interior
Rumo ao Pantanal, reportagem flagrou áreas destruídas por queimadas; saúde da população é atingida e bombeiros ampliam jornada
A temporada de incêndios em Mato Grosso do Sul ainda está longe de acabar, mas a paisagem deformada pelas chamas deixa clara que a preocupação das autoridades não é por acaso. Em um percurso de aproximadamente 135 quilômetros entre Campo Grande e Aquidauana, o Campo Grande News encontrou nesta quinta-feira (12) pelo menos dez áreas em cinzas, apenas no entorno da BR-262.
Muitas delas receberam a atenção e bombeiros, brigadistas do Prevfogo e de produtores e trabalhadores rurais, em um esforço que mudou a rotina da população nesta região de acesso ao Pantanal –onde, ao lado da Serra da Bodoquena, as queimadas se tornaram problema crônico tanto ao meio ambiente como para a saúde e bem-estar das pessoas.
“Eu estava na porta de casa ontem de noite, vi que estava meio escuro, entrei e liguei o ventilador. Não sei se era fumaça, fogo, mas fiquei com falta de ar”, contou a aposentada Antônia Medeiros, 70, ao falar sobre o que fez quando uma cortina de fumaça baixou sobre Aquidauana entre a tarde e a noite de quarta-feira (11).
A névoa –sentida em várias cidades do Estado nos últimos dias, como Campo Grande na manhã desta quinta– também levou mais pessoas ao Hospital Regional de Aquidauana. De 150, a média de atendimentos subiu a quase 200 por dia, empurrada pela procura de pessoas com problemas respiratórios.
“Aumentou em 30% o número de atendimentos por problemas respiratórios”, afirmou Eliete Ravaglia, coordenadora do pronto-socorro do HR, apontando que este período em cada ano é de aumento no número de pacientes. “Já esperávamos o aumento. Neste ano recebemos mais idosos e adultos”, afirmou ela, citando outra situação inusitada: vários funcionários entraram de licença por conta de rouquidão, diante da irritação das vias aéreas.
O cotidiano dos aquidauanense também foi afetado. A comerciante Keila Arakaki Dantas, 44, conta que saiu para uma corrida de 12 quilômetros com o marido e o filho, ontem. A cortina de fumaça os fez desistir na metade do caminho. “Meu neto, que é pequeno, está sofrendo mais”.
Também comerciante, José Eduardo de Oliveira, 51, disse que sentiu o tempo mais seco nos últimos cinco dias. Embora não tenha percebido a fumaça sobre Aquidauana, disse que a onda de calor e a estiagem o fez colocar “uma bacia de água no quarto para conseguir dormir”.
Braçal – Um integrante do Corpo de Bombeiros, que pediu para não ser identificado, relatou uma jornada mais pesada nos últimos dias. Além dos atendimentos na área urbana da cidade, eles têm se dedicado a atuar na zona rural em apoio aos brigadistas do Prevfogo –que, por sua vez, não se deslocam à área urbana.
“Todos estão trabalhando com hora extra. Se a escala é de 72 horas, os que têm sorte conseguem, no máximo, 48 horas. Estamos trabalhando a mais”, afirmou. O Corpo de Bombeiros informou que havia preparado uma escala especial de trabalho entre os meses de agosto a outubro, antevendo os problemas causados todo o ano pelas queimadas.
A demanda justifica a alegação. Um dos últimos incêndios atendidos atingiu áreas na região entre Piraputanga e Palmeiras –distrito de Dois Irmãos do Buriti, consumindo grandes áreas rurais. “Demorou quatro dias”, contou o bombeiro.
Nesta quinta, equipes foram deslocadas para o Recinto Ecológico Caiman, em Miranda, onde o fogo já destruiu mais de 35 mil hectares, incluindo a área usada para reintrodução de onças na natureza, empurrado pelo vento e contando com o tempo seco para se alastrar. O Corpo de Bombeiros de Campo Grande também foi mobilizado para atender a ocorrência.
Entre os dias 1º e 11 de setembro, os bombeiros de Aquidauana atenderam a 27 ocorrências de incêndios, em um trabalho que, graças às dificuldades de acesso, torna-se mais difícil: apenas equipes munidas de bombas costais com capacidade de até 50 litros de água e abafadores conseguem chegar a pontos da área rural que estão em brasa.
“São lugares de difícil acesso, onde nem caminhonete chega”, contou a fonte. Os bombeiros esperam, nos próximos dias, contar com a ajuda do Exército para enfrentar as chamas na região pantaneira.
Mato Grosso do Sul tem registrado quase 50 incêndios por dia, em virtude da combinação entre tempo seco e baixa umidade do ar com a ação humana –que representa 90% dos focos de calor no Estado, conforme dados da Defesa Civil estadual. Já são 6,3 mil queimadas neste ano, sendo 1,5 mil apenas em setembro. O governo do Estado decretou situação de emergência em virtude do aumento no volume de queimadas. Paraguai e Bolívia também enfrentam problemas semelhantes em virtude do fogo em áreas rurais e de reserva.