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Meio Ambiente

Único réptil exclusivo do Pantanal, cobra d’água está em risco de extinção

Cientistas encontraram apenas exemplares mortos de Helicops boitata logo após os episódios de fogo

Por Gabriela Couto | 19/11/2024 13:58
Cobra-d'água (Helicops leopardinus) encontrada morta durante a emergência no Pantanal (Foto: Gabriela do Valle /Acervo Pesquisadores)
Cobra-d'água (Helicops leopardinus) encontrada morta durante a emergência no Pantanal (Foto: Gabriela do Valle /Acervo Pesquisadores)

A serpente d’água (Helicops boitata), uma espécie endêmica e única do Pantanal, está enfrentando uma grave ameaça: o aumento dos incêndios no bioma. Batizada em homenagem à serpente mitológica que protege as florestas contra o fogo, a Helicops boitata foi reconhecida pela ciência em 2019 e é considerada a única espécie de réptil exclusiva da região.

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A serpente d’água Helicops boitata, endêmica do Pantanal, enfrenta sérias ameaças devido ao aumento dos incêndios na região, que têm resultado em um número alarmante de mortes entre as espécies de répteis e anfíbios. Um estudo recente documentou 1.707 registros de 45 espécies, com a Helicops boitata sendo a mais afetada, representando 70% das mortes registradas. A espécie, que depende de corpos d’água e é vulnerável a incêndios, foi classificada como ameaçada de extinção pela IUCN. Os pesquisadores alertam para a necessidade urgente de novos métodos de monitoramento e proteção, dada a gravidade da situação e a possibilidade de outras espécies endêmicas também estarem em risco.

Porém, seu futuro está cada vez mais incerto, como revela um estudo publicado na última sexta-feira (15) na revista Biodiversidade Brasileira, que aponta os efeitos devastadores dos incêndios sobre essa serpente.

Realizado por pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), da Universidade Federal de Goiás (UFG) e do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP), o levantamento de espécies de répteis e anfíbios nas cidades de Barão de Melgaço e Poconé, no Mato Grosso, entre 2020 e 2023, mostrou uma realidade alarmante.

Os cientistas encontraram apenas exemplares mortos de Helicops boitata logo após os episódios de fogo, e, passados os períodos críticos, a espécie não foi mais localizada, nem viva, nem morta.

Os pesquisadores realizaram expedições de monitoramento e de emergência para identificar a fauna local. Durante as expedições de emergência, realizadas logo após os incêndios, os cientistas documentaram 1707 registros de 45 espécies de répteis e anfíbios, com um número significativo de mortes.

 As serpentes, especialmente a Helicops boitata, foram as mais afetadas, representando 70% das espécies registradas nas campanhas de emergência e 77% dos indivíduos mortos. A maior parte das mortes ocorreu por queimaduras e ebulição de corpos d’água, processos que são comuns após os incêndios de grandes proporções no Pantanal.

O biólogo Leonardo Felipe Bairos Moreira, pesquisador do INPP e um dos autores do estudo, destacou que, até então, poucos exemplares da Helicops boitata haviam sido encontrados. Isso indicaria que a espécie ocorre em um ambiente de difícil acesso, tornando-a ainda mais vulnerável aos incêndios, que estão cada vez mais frequentes no Pantanal, especialmente durante a estação seca.

“O que vemos agora é que esse ambiente está extremamente vulnerável, o que coloca a espécie em risco iminente”, alertou Moreira.

A Helicops boitata é uma serpente que depende de corpos d’água e, durante períodos de seca, se refugia em fendas no solo. Essa combinação de fatores dificulta o monitoramento da espécie e a torna mais suscetível aos incêndios, que se intensificam no meio da estação seca, um período do ano em que o fogo tradicionalmente deveria ser menos frequente.

 “Mesmo que alguns animais sobrevivam ao fogo, eles enfrentam um ambiente empobrecido, sem chuvas e com poucos recursos, o que impacta negativamente sua reprodução e alimentação”, explica o cientista. Segundo ele, esse cenário cria um "vórtex de extinção" para a espécie.

A Helicops boitata foi classificada como ameaçada de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e deve figurar na próxima versão da Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção. Carlos Abrahão, analista ambiental do ICMBio e coautor do estudo, reforçou a urgência da situação, destacando que a espécie precisa de medidas urgentes de proteção.

O autor principal do estudo, Alejandro Valencia-Zuleta, pós-doutorando da UFG, alertou que os métodos atuais de monitoramento ainda são insuficientes para avaliar os reais impactos do fogo e da seca sobre a biodiversidade do Pantanal.

Ele também sugeriu que outras espécies endêmicas, possivelmente desconhecidas, podem estar igualmente ameaçadas, mas a sua detecção é extremamente difícil. “Não encontramos tantos anfíbios quanto o esperado, mas isso não significa que não estejam morrendo; podem ter sido carbonizados, predados ou estarem muito bem escondidos”, afirmou Valencia-Zuleta.

Este estudo reforça a necessidade urgente de novos métodos de monitoramento e proteção da fauna do Pantanal. A ameaça representada pelos incêndios, agravada pela seca e pela perda de habitat, exige uma resposta imediata para preservar as espécies únicas e essenciais desse bioma, como a Helicops boitata, que, como a serpente mitológica que lhe deu nome, pode estar prestes a desaparecer das florestas pantaneiras.

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