Com diárias de mais de 1 mil, vereador não economiza em idas e vindas
Para atuar como “despachante” no Distrito Federal, os vereadores da Capital e do interior gastam muito dinheiro público
Neste ano, os deputados federais de Mato Grosso do Sul utilizaram R$ 138 mil da cota parlamentar com a emissão de bilhetes aéreos. Tradicionalmente, eles retornam de Brasília ao Estado, onde tem base eleitoral e recebem pedidos para auxiliar municípios.
No entanto, a rota inversa, Mato Grosso do Sul a Brasília, também é muito usada por vereadores, numa lista que vai de parlamentares de Campo Grande, a capital de 885.711 habitantes, a Tacuru, com 11.427 moradores. A questão é que para atuar como “despachante” no Distrito Federal também se gasta muito dinheiro público.
Vereador modelo exportação - Com ao menos 17 projetos autorizativos apresentados neste ano, modalidade de proposta de lei que se limita a conceder permissão para o Poder Executivo colocar em prática determinado ato, sem nenhum resultado concreto, a Câmara Municipal de Campo Grande também exporta vereadores para Brasília.
De acordo com o relatório de diárias da Câmara Municipal, divulgado no Portal da Transparência, o vereador Jeremias Flores (Avante), o Pastor Jeremias, foi ao Distrito Federal entre 2 e 3 de abril deste ano. A justificativa: cumprimento de agenda política em Brasília, de interesse do município de Campo Grande. O gasto: R$ 900 por uma diária e meia.
No relatório, o vereador detalha que protocolou 22 ofícios e teve agenda com os deputados federais Fábio Trad (PSD) e Rose Modesto (PSDB), que já recebem a cota parlamentar para vir ao Estado e ouvir as bases.
Também teve agenda com os ministros Tereza Cristina Corrêa da Costa Dia (Agricultura) e Luz Henrique Mandetta (DEM), ambos de Mato Grosso do Sul e que rotineiramente retornam ao Estado. Tereza, por exemplo, participou de evento na Capital na última segunda-feira.
O vereador Epaminondas Vicente Silva Neto (Solidariedade), o Papy, recebeu em abril R$ 1.800 por três diárias entre 26 e 29 de março. A viagem a Brasília foi para reunião com parlamentares da bancada federal e ministros. A agenda incluiu compromisso partidário: reunião do diretório nacional do seu partido, o Solidariedade. Tudo “buscando auxílio no desenvolvimento de projetos realizados neste município”.
Conforme define a Justiça Eleitoral “ao vereador cabe elaborar as leis municipais e fiscalizar a atuação do Executivo – no caso, o prefeito”. Contudo, outro cenário comum é o deslocamento de caravanas de vereadores para Campo Grande, seja para visitas a órgãos da administração estadual, cursos promovidos pela União das Câmaras de Vereadores ou seminários.
No último dia 10 de junho, por exemplo, a Câmara de Tacuru esteve em peso na Capital de MS. Os nove vereadores percorreram 427 km entre os dois municípios para acompanhar debate sobre a manutenção do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
O interesse do município também é a justificativa do vereador Helcio Regis Viudes Sanches, presidente da Câmara de Tacuru, para viagem a Campo Grande e Brasília, com pagamento de R$ 1.700 em diária. Neste ano, a Câmara de Tacuru gastou R$ 29.950 para arcar com deslocamento de vereadores, sendo Helcio o que teve maior despesa: R$ 6.700.
Em Ribas do Rio Pardo, a Câmara Municipal, investigada por farra das diárias na operação Viajantes em 2014, teve que cancelar o pagamento de R$ 25 mil para cinco vereadores, que receberiam diárias para participar de simpósio em Curitiba (Paraná).
Conforme o Portal da Transparência da Câmara de Costa Rica, os vereadores Claudomiro Martins Rosa (PSD) e Rayner Moraes Santos (PR) receberam R$ 4.438 de diárias cada um para viagem ao Distrito Federal com objetivo de “tratar de assuntos de interesse da municipalidade junto à Câmara dos Deputados e Senado Federal”.
“Não quero ajudar o mandato do outro” – No mês de fevereiro, sete representantes do Legislativo de Ribas do Rio Pardo percorreram os 103 km até Campo Grande para participar do “Seminário Estadual de Vereadores”, realizado pela União das Câmaras de Vereadores. Foram pagas três diárias, totalizando R$ 1.050 por vereador.
A despesa foi informada ao Portal da Transparência pelos parlamentares Paulo Sézio Machado, Lourenço José da Silva, Sebastião Roberto Collis, Carlos César Lopes, Paulo Henrique Pereira da Silva, Luiz Antônio Fernandes Ribeiro e Fabiana Silveira Galvão.
Presidente da União da Câmara de Vereadores, Jeovani Vieira dos Santos (PSL), que exerce mandato em Jateí, afirma que os cursos oferecidos pela entidade durante o ano são fundamentais para a formação dos parlamentares. “As críticas é de quem gostaria de estar no lugar do vereador. Quando comecei o meu mandato, em 1982, passei muitos anos sendo vereador sem informação. Através dos seminários, os vereadores aprendem como legislar. Se não tivesse isso, seria como há 30 anos, quando comecei. O prefeito fazia o que queria”, diz.
Com dez seminários por ano, sendo um por mês, com a exceção de janeiro e julho, que corresponde ao período de recesso, a União da Câmara de Vereadores cobra inscrição de R$ 180. Caso a Casa de Leis seja filiada, não é cobrada inscrição individual. Segundo ele, o problema é se o vereador receber diária, mas não comparecer ao treinamento, mas a frequência é atestada com certificado.
Sobre a necessidade de participação de vários vereadores de uma mesma Câmara, Jeovani diz que cada um cuida do seu mandato e não vai querer compartilhar os conhecimentos com os colegas. “Não vai ser meu interesse passar as informações quando retorno para o mandato, não quero ajudar outro fazer o mandato dele”, afirma. Ainda de acordo com Jeovani, a estrutura da União da Câmara de Vereadores não comporta curso à distância.
Presidente da Assomasul (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul), Pedro Arlei Caravina (PSDB), defende o trabalho conjunto entre Poder Executivo e Câmara Municipal. "Cabe também aos vereadores fazerem gestão política com os deputados federais e senadores visando a destinação de emendas aos municípios que representam", afirma.
"Tem que ficar de olho" – Professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), o cientista político Daniel Estevão Ramos de Miranda analisa que os regimentos internos servem para organizar os trabalhos, como eleição da mesa diretora, perda de mandato e atribuições dos parlamentares, mas não impedem que vereadores atuem como agente político em outras cidades.
“A prática política é fluida, nunca foi muito delimitada. Em teoria, o Legislativo cuidaria de questões mais abstratas, como lei de médio a longo prazo. Paralelo a isso, deve fazer vigilância sobre a administração da cidade. Mas a partir da Constituição de 1988, o município passou a ser ativo na execução de políticas públicas, principalmente educação e saúde. A maioria não tem dinheiro e não tem orçamento para bancar, precisa do dinheiro que vem de Brasília”, afirma Daniel Miranda.
No entanto, o cientista político afirma que é preciso verificar se o gasto é justo e o número de viajantes. “Mas tem que ficar de olho. Não precisam ir todos os vereadores, mas pessoas chaves da administração. O gasto em si não é um problema. Mas não pode ser inútil, para simplesmente ganhar uma diária, com desperdício de dinheiro público”, afirma.
Necessidade dos políticos - Quem faz a ponte aérea Mato Grosso do Sul a Brasília garante que as viagens são necessárias, mesmo diante da facilidade de se comunicar por aplicativos ou ligação telefônica, além do Estado já contar com oito deputados federais e três senadores em Brasília.
“Foi necessário porque é importante para o vereador. Isso é legal e legítimo”, afirma Pastor Jeremias.
O vereador Papy destaca deslocamentos a Brasília para discutir projeto com os ministros oriundos de Mato Grosso do Sul, reuniões com a bancada federal e fazer política do seu partido. “Ninguém vai passear em Brasília”, garante. A Câmara Municipal de Campo Grande paga diária de R$ 600 e custeia a passagem.
Conforme a Câmara Municipal de Costa Rica, cada vereador pode receber seis diárias mensais. O total pode ser ampliado para oito em casos excepcionais. O vereador Rayner Moraes Santos afirma que se reuniu com deputados federais e senadores em Brasília. Os temas discutidos foram inclusão do município na Reforma da Previdência, habitação popular e sinal de telefonia em Costa Rica.
A reportagem entrou em contato, por email e telefone, com as Câmaras de Ribas do Rio Pardo e Tacuru, mas não obteve retorno até a publicação da matéria.