Governador e ministra prometem “paz no campo” entre indígenas e produtores
Na manhã deste sábado, ministra dos Povos Originários visitou área de ocupação em Rio Brilhante
Depois de promover ação em Rio Brilhante (MS), comitiva que veio de Brasília (DF) a Mato Grosso do Sul, para visitar aldeias indígenas, também se encontrou com representantes do governo do Estado, produtores rurais e lideranças indígenas neste sábado (18), em Campo Grande.
O governador Eduardo Riedel (PSDB) afirmou que foram discutidos “pontos de convergência” para atuação dos governo estadual e federal para garantir saúde, educação e segurança pública, bem como a “questão da demarcação de terras, que impacta produtores e indígenas”.
Riedel elogiou a iniciativa do recém-criado Ministério dos Povos Originários e do MPF (Ministério Público Federal), que também teve parceria das pastas de Cidadania, Planejamento e Direitos Humanos. “Discutimos caminhos para que a gente possa solucionar, definitivamente, esse problema em Mato Grosso do Sul.”
“Passa pela aquisição de algumas áreas específicas, na busca dessa solução. É um caminho que não é de hoje, é uma construção, ao longo de muitos anos", disse Riedel.
A ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, que visitou o território Laranjeira-Ñanderu, um dos diversos palcos de conflitos fundiários de Mato Grosso do Sul, afirmou que o governo federal está disposto a retomar diálogos para “avançar no processo de demarcação de terras indígenas do Brasil e Mato Grosso do Sul”.
Para isso, segundo ela, é imprescindível diálogo entre os entes estadual e federal, bem como entre lideranças indígenas e de produtores rurais. “O governo federal está atrás desse compromisso, de firmar esse pacto, aqui no Estado, para remover a situação de insegurança jurídica e vulnerabilidade, em que se encontram os povos indígenas, hoje.”
Só assim, numa ação compartilhada, é que a gente vai poder encontrar o caminho que possa contemplar e avançar nesse respeito, o de cumprimento dos direitos constitucionais", afirma Guajajara.
Indenização de produtores rurais - Presidente da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) e da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da CNA (Confederação Nacional de Agricultura), Marcelo Bertoni relata que já visitou várias áreas indígenas do Estado e que Mato Grosso do Sul deve ser pioneiro na indenização de terras indígenas, ocupadas por produtores rurais.
“Acho que devemos ter prioridade, por termos a segunda maior população indígena do Brasil e por termos conflitos diretos."
Segundo ele, a estimativa é que haja 10,8 milhões de hectares, em 22 estados brasileiros, que devem ser indenizados. Além disso, em regiões de fronteira, algumas áreas acabaram sendo demarcadas pelo Brasil, mas hoje são ocupadas por povos de outros países.
A reunião, para ele, foi “produtiva” e deve garantir justiça aos indígenas sem prejudicar os produtores rurais. "Quando se fala em pagamento é a melhor coisa para pacificar.”
“Vamos conversar com produtores, mas muitos já estão de acordo com a venda. Alguns não podem ou não querem vender, mas o trabalho será feito. Mais de 154 propriedades estão invadidas no Estado. Algumas, desde 1994 e, até hoje, não foi cumprida reintegração de posse.”
Segundo ele, no entanto, novas definições não podem ser feitas no momento, já que os recursos para os pagamentos ainda não foram anunciados. “Precisamos da bancada federal para trabalhar numa PEC [Proposta de Emenda à Constituição] para que essas áreas sejam pagas.”
Ele comenta que a venda deve considerar tanto os gastos da terra nua, como das benfeitorias feitas ao longo dos anos.
Em relação à atuação policial, o presidente da Famasul reforça que é preciso garantir a paz no campo e entende que a PM (Polícia Militar) esteja apta para realizar este trabalho. “Precisamos sim que a PM atue para não ter nenhum confronto, o que não é benéfico nem para o Estado, nem para os produtores, nem para o indígena.’’
“Se isso vai ser cumprido ou não, não tenho como garantir. Muitas vezes a gente não controla o público em geral, não tenho 100% do controle dos produtores rurais, como a ministra não tem 100% de controle dos povos indígenas, mas que se mantenha a paz no campo.”
Ele também pede mais paciência aos povos originários - que reivindicam direito de terras pertencentes às diferentes etnias desde antes da chegada dos portugueses no Brasil, no século XVI -, para que aguardem as próximas formalizações do atual governo.
Atuação policial - Titular da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), Antônio Carlos Videira elogiou a iniciativa do governo federal para “ver na ponta a realidade” local. “É muito bom termos uma ministra que é indígena e um secretário-executivo, o Eloy Terena, também indígena e uma voz do povo inígena e de Mato Grosso do Sul, neste ministério.”
“Ficamos esperançosos, porque a solução pela paz no campo passa pela segurança jurídica.”
Ele comenta que a PM não deixará de atuar, "quando necessário”, para evitar que outras forças - como milícias rurais - atuem. “A PM tem atribuição para atuar em todo Mato Grosso do Sul, e se tiver indígenas sofrendo crime dentro da aldeia, nós vamos atuar. Se tiver produtor, queremos sim minimizar as ações decorrentes de conflitos agrários.”
“Existe um papel importante que foi sinalizado pela ministra, com atuação de diversas frentes. A PM está ali para apoiar todo tipo de ação que vai prevenir crimes, preservar a vida e integridade física. Somos parceiras da comunidade indígena e precisamos estar mais perto deles.”
Por fim, Videira comentou que haverá ações de capacitação e orientação de indígenas para coibir violência contra crianças e mulheres nas aldeias.
Estiveram presentes outros parlamentares, representando suas respectivas Casas de Leis, como o deputado estadual Pedro Pedrossian Neto (PSD) e a deputada federal Camila Jara (PT).
Reunião em Rio Brilhante - Acompanhada por comitiva de Brasília e parlamentares sul-mato-grossenses, a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, discursou durante visita à fazenda ocupada por grupo Guarani-Kaiowá, Eles estão na área Laranjeira-Ñanderu, município de Rio Brilhante.
“É um momento de protagonismo dos povos indígenas, mas para além desse protagonismo, é um momento de mudança de postura do governo federal. O Estado Brasileiro precisa apresentar essa mudança concreta de postura e nós estamos entendendo este ano de 2023 com essa presença indígena nesses espaços para a gente também resolver históricos conflitos que impactam diretamente os povos indígenas”, declarou.
Embora em passagem breve, Guajajara destacou que a agenda no acampamento é um sinal de que os olhos da União estarão de fato sob as agruras do povo indígena.
Secretário-executivo da pasta, o advogado Eloy Terena antecipou que durante encontro com o governador do Estado, Eduardo Riedel (PSDB), a ocorrer nesta tarde, serão colocados caminhos jurídicos que podem resolver a situação, já apontados em estudo feito 10 anos atrás.
Também na comitiva, a primeira indígena a presidir a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, explicou que a Fundação esteve parada na última década, fato que a deixou “sucateada, esquecida e negligenciada”, com atraso nos processos e estudos relacionados às terras ocupadas em todo o Brasil. Portanto, embora tenha o compromisso de retomar os trabalhos, é necessário responsabilidade.
Por isso, em específico na área Laranjeira-Ñanderu , os estudos serão atualizados. “Até mesmo para que não aconteçam os mesmos erros do passado. Temos que fazer coisas acontecer, mas com responsabilidade. Estamos retomando a Funai, voltando com nossos compromissos”, discursou.
Conflito - Em Rio Brilhante, desde o começo de março, os indígenas ocupam a Fazenda do Inho parte da fazenda vizinha, a Santo Antônio, e reivindicam a demarcação do território tradicional Laranjeira-Ñanderu, que faz parte da Terra Indígena Brilhante Peguá, em fase de identificação.
A área da qual fazem parte as fazendas Do Inho e Santo Antônio já passou por perícia judicial há alguns anos e o trabalho teria confirmado a tradicionalidade. O Poder Judiciário deu sentença favorável à demarcação, mas o processo não andou depois disso.