Indígenas bloqueiam rodovias de MS em protesto contra o Marco Temporal
Projeto de lei quer invalidar demarcação de terras indígenas ocupadas antes de 1988
Indígenas bloqueiam trecho da rodovia BR-463, em Ponta Porã, e do Anel Viário de Dourados, na manhã desta terça-feira (30). O protesto em favor da demarcação de terras indígenas, direito reivindicado há séculos pelos povos originários, é contrário à tese do Marco Temporal.
Em Ponta Porã, o local escolhido, no quilômetro 53, é uma área de retomada e constantemente é palco de protestos feitos por indígenas. Há dezenas de manifestantes, com crianças, adultos e idosos, e veículos são impedidos de trafegar devido a uma vegetação colocada na pista.
Em Dourados, a área também já teve diversos conflitos e indígenas já foram presos. A via liga a BR-163 à Avenida Guaicurus e depois à BR-463 e passa ao lado das aldeias Bororó e Jaguapiru. Caminhões estão impedidos de trafegar.
Vale ressaltar que, nesta terça-feira, ocorre a votação do Marco Temporal das TIs (terras indígenas), que firma entendimento de que só podem ser demarcadas os territórios já ocupados em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Em vários lugares do País, há manifestações semelhantes - no Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo.
Segundo o líder da Comunidade Indígena Boa Esperança, Edno Terena, estava previsto bloqueio também na BR-262, entre os municípios de Miranda e Aquidauana, mas as chuvas fortes impediram o protesto. Segundo ele, indígenas têm se manifestado nas próprias aldeias, com palestras e reuniões sobre o assunto.
Fizeram uma votação de emergência sobre a PL 490 e a gente, é claro, é totalmente contra isso. Vai de encontro a muitas coisas que não servem a população indígena de Mato Grosso do Sul e em nível nacional”, diz a liderança indígena Edno Terena.
A comunidade detém cerca de 10 mil indígenas, segundo ele, e está situada no município de Miranda. “O Marco Temporal fere muita coisa em relação aos povos originários do Brasil. A facilitação do desmatamento, a degradação da natureza e dos rios. Com certeza, somos totalmente contrários a esse PL e à tese do que será votada no STF [Supremo Tribunal Federal]”.
Marco Temporal - O PL (Projeto de Lei) 490/2007, conhecido como PL do Marco Temporal, está em pauta no plenário da Câmara desta terça-feira. Na semana passada, a Casa aprovou regime de urgência para tramitar o projeto, por 324 votos a 131, em uma tentativa de se antecipar à pauta do STF, que deve apreciar a constitucionalidade em 7 de junho.
De Mato Grosso do Sul, os deputados federais Beto Pereira (PSDB), Rodolfo Nogueira (PL), Geraldo Resende (PSDB), Marcos Pollon (PL), Dagoberto Nogueira (PSDB) e Luiz Ovando (PP) votaram a favor. Camila Jara (PT) e Vander Loubet (PT) foram os únicos contrários à urgência.
A votação é um dos desafios do governo federal, já que ministros da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) divergem sobre o tema.
A tese é uma proposta de interpretação do artigo 231 da Constituição, uma espécie de "linha de corte". O entendimento, defendido por ruralistas, é que uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os indígenas estavam sobre o local requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, em 5 de outubro de 1988.
A proposta desagrada a ambientalistas e defensores dos indígenas, pois poderia mudar o curso de centenas de pedidos em andamento, ou seja, que estão em alguma fase do processo de demarcação, sem que este tenha sido concluído. Essas terras somam 11 milhões de hectares, onde vivem cerca de 197 mil indígenas.
Nas redes sociais, até mesmo celebridades mundiais como os atores Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo fizeram apelo para que o governo brasileiro impeça o marco temporal.
Na segunda-feira (29), a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (Ministério Público Federal), órgão superior vinculado à PGR (Procuradoria-Geral da República), divulgou nota pública reafirmando a inconstitucionalidade do projeto.
“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, diz trecho da nota.
De acordo com monitoramento do ISA (Instituto Socioambiental) com base em publicações feitas no Diário Oficial da União, o Brasil tem 421 terras indígenas devidamente homologadas, que somam 106,6 milhões de hectares e onde vivem cerca de 466 mil indígenas.
Por outro lado, uma das bandeiras levantadas pelos que são favoráveis ao marco é de que ele traz segurança jurídica para o agronegócio e os produtores rurais.
Manifestação na Capital - Indígenas também ocupam a Alems (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul) na manhã desta terça-feira.
A partir das 14h, na Praça Ary Coelho, indígenas devem protestar contra a aprovação do PL. A mobilização está sendo organizada pelo Conselho Terena da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e outras organizações que trabalham com os povos originários.