Projetos de lei na Assembleia Legislativa facilitam o acesso a armamentos em MS
Na prática, legislação local pode aumentar trânsito de armas de alto poder de fogo em mãos dos chamados CACs
Dois projetos de lei, prestes a serem colocados em votação em regime de urgência na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul esta semana, podem ampliar o acesso da população a armamentos tidos como de uso permitido pela legislação federal, contrariando leis específicas, como o Estatuto do Desarmamento e a própria Constituição Federal, alertam parlamentares contrários aos dispositivos.
Um deles, de autoria do deputado Renan Barbosa Contar, Capitão Contar, reconhece no Estado de Mato Grosso do Sul a atividade dos CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) como atividade de risco. Em complemento, o outro projeto, de autoria do deputado João Henrique, dispõe sobre o reconhecimento, no âmbito de MS, do risco da atividade de atirador desportivo integrante de entidades de desporto legalmente constituídas. Ambos os parlamentares são do PL.
Projetos similares vêm sendo discutidos no Senado e em outros estados, sendo que nenhum tramitou a ponto de tecnicamente ter chegado à sanção do Poder Executivo, o que justifica o temor geral de que o acesso a armamentos receba um aval em nome de atividades de colecionadores, atiradores e caçadores, que se pretende proteger.
Na prática, qualquer um pode ser colecionador, atirador e caçador, principalmente se ingressar numa associação. A partir daí, com o porte de arma, ainda que para guarda, transporte ou exercício de atividade regulamentada, como pretendem os projetos, vai ser questão de pouco tempo, alertam alguns deputados, para o Mato Grosso do Sul virar um território fortemente armado, num desafio às próprias forças de segurança pública.
CACs serão presas fáceis – Segundo a justificativa de um dos projetos – o de autoria do deputado Capitão Contar, “colecionadores, atiradores e caçadores não possuem meios hábeis para garantir sua vida fora dos trajetos previstos, o que é preocupante, quando sabemos que podem ser alvos fáceis de criminosos”. E não vai ser a legislação reconhecendo que esta é uma atividade de risco que vai evitar o ataque de criminosos aos CACs e a subtração de armas e munições de diversos calibres e poder de fogo. Será mais armas nas mãos da bandidagem.
Armas transportadas por CACs precisam de fato estar sem munição. Entretanto, não há impedimento para o transporte da munição necessária. E a lei federal ampliou esse limite recentemente.
Projetos confrontam leis federais – Na prática, os projetos de leis dos parlamentares correm o risco de não ter eficácia, diante da própria legislação federal usada como argumento.
Veja-se o próprio artigo 10 do Estatuto do Desarmamento que prevê que “A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm”.
Ou seja, ainda que os projetos sejam aprovados cria-se, com isso, apenas uma expectativa naqueles que pretendem se armar com base e atividades de colecionador, atirador ou caçador. Na prática, vão ficar dependendo da Polícia Federal autorizar o porte, que impõe critérios rigorosos para isso, começando pela documentação e registro da arma.
MS é corredor do tráfico de armas – Parlamentares contrários aos projetos lembram que Mato Grosso do Sul é corredor do tráfico de armas, feito pelas fronteiras com Paraguai e Bolívia. O que preocupa a sociedade é o destino que essas armas ganham.
Além disso, segundo o Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior) o volume de importação de armas de fogo no Brasil aumentou 33% em 2021 em relação a 2020 e chegou a US$ 51,9 milhões, contra US$ 38,9 milhões. É o maior valor da série histórica produzida pelo governo federal, que começou em 1997, segundo fontes do BBC News.
Os dados levantados pela BBC News Brasil mostram que o aumento não foi apenas no valor importado, mas na quantidade de armas que entraram no Brasil.
No ano passado, houve um crescimento de 12% no total de revólveres e pistolas importadas (sem contar outros tipos de armas de fogo), chegando a 119.147 contra 105.912 em 2020.
Entre fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras houve um aumento de 574%. Em 2020, foram importadas 1.211 armas desse tipo. Em 2021, o número chegou a 8.160. Foi o segundo aumento expressivo consecutivo na importação desse tipo de armamento. Entre 2019 e 2020, houve um crescimento de 226% na entrada dessas armas no país, saindo de 371 em 2019 para 1.211 em 2020. Entre 2018 e 2019, o aumento havia sido de apenas 13%.