TCU conclui que obra do governo Zeca causou prejuízo de 52 milhões
Entre 1999 e 2002, foram investidos R$ 19,7 milhões na rede de irrigação em gleba no interior
Após exaustivas e demoradas auditorias realizadas por vários órgãos de controle, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o governo de Zeca do PT, em Mato Grosso do Sul, causou prejuízo de R$ 52.790.999,30 aos cofres da União. A decisão foi tomada pelo plenário do tribunal na sessão de 24 de agosto passado, ao julgar recursos apresentados por três ex-dirigentes responsabilizados pelas irregularidades.
O processo teve origem em tomada de contas especial, instaurada em 2008 pelo extinto Ministério da Integração Nacional, em razão de irregularidades no Convênio 76/1999, cuja finalidade era dar continuidade a obras do projeto de irrigação da Gleba Santa Terezinha, localizada em Itaporã. O contrato teve vigência entre novembro de 1999 e outubro de 2002.
Decisão a que o MS em Brasília teve acesso (Acórdão nº 1958/2022) revela que os investimentos estimados nesse convênio eram, inicialmente, de R$ 10.393.276,00, repassados pelo Governo federal, e R$ 1.039.327,60 como contrapartida do Estado de Mato Grosso do Sul.
O projeto de irrigação na Gleba Santa Terezinha começou a ser executado em 1997, por meio do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal e depois pelo Ministério da Integração Nacional. Os repasses, entre 1997 e 2002, totalizaram R$ 19.399.746,55, mais de R$ 9 milhões sobre o valor inicial.
Irregularidades - Os auditores do TCU encontraram uma série de irregularidades no projeto e apontaram pelo menos 15 servidores federais e estaduais responsáveis pelo desperdício de dinheiro público. Entre as falhas, o fato de as obras terem sido realizadas em terras particulares, sem previsão de amortização dos investimentos e viabilidade econômica para os 183 pequenos e tradicionais parceleiros da gleba.
Também constataram que o empreendimento não teve nenhuma serventia aos assentados, “devido aos demasiados custos de operação e manutenção decorrentes do gigantismo das obras civis e instalações implantadas, não atingindo os objetivos pretendidos”.
Segundo o Tribunal, houve ainda falta de conhecimento do projeto pelos produtores, o despreparo das equipes estaduais e a falta de recursos financeiros para operação e manutenção do sistema. “Nem mesmo o perfil dos agricultores e sua capacidade de financiamento eram conhecidos”, justifica o relator do processo no TCU, ministro Benjamin Zymler.
Além do projeto de irrigação, houve repasse de R$ 2.181.313,76 para a pavimentação da estrada vicinal Ita-22, que liga a Gleba Santa Terezinha à rodovia MS-157, cuja aplicação foi considerada regular pelo TCU. “Embora a obras de irrigação não tenham atingidos seus objetivos, considerou-se que a rodovia atingiu sua função social, pois foi concluída e facilitou o acesso à gleba mencionada”, pondera Zymler.
Histórico - Em 2010, o Ministério da Integração Nacional impugnou a prestação de contas apresentada pelo Estado em virtude de a obra não atingir os objetivos do convênio assinado. Os prejuízos estimados aos cofres federais foram de R$ 10.393.276,00, em valores históricos. A Controladoria-Geral da União, em 2015, também concluiu pela irregularidade das contas.
Em agosto de 2019, no Acórdão nº 1924, o TCU chegou às mesmas conclusões e julgou irregulares as contas dos servidores responsáveis pelas assinaturas dos convênios entre os governos federal e estadual. Também apontou o montante dos prejuízos causados ao erário, que caiu para R$ 8,38 milhões. O valor, corrigido monetariamente, atinge a fabulosa quantia de R$ 52.790.999,30 (cálculos não oficiais).
Dos 15 servidores citados no início processo, apenas três foram responsabilizados. Rômulo de Macedo Vieira, ex-secretário do Ministério da Integração Nacional, e Pedro Luiz Teruel, ex-secretário de Habitação de Mato Grosso do Sul, por terem assinado o termo do convênio 76/1999, o plano de trabalho e o 1º Termo Aditivo; e Fernando Montenegro Cabral de Vasconcellos Filho, da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, responsável pelo parecer técnico favorável à celebração do convênio e dos termos aditivos.
Defesa dos acusados - Os responsáveis apresentaram dois novos recursos para tentar derrubar as condenações, ambos negados nos Acórdãos 2923/2019 e 1958/2022.
Fernando Montenegro Cabral de Vasconcellos Filho alegou a prescrição do débito, uma vez que ele só foi citado 18 anos depois da assinatura do primeiro parecer, favorável à assinatura do Convênio 76/1999. Culpou o governo de Mato Grosso do Sul pela execução falha do projeto, argumentou que as obras do Projeto Santa Terezinha foram realizadas e ressaltou que não geriu recursos públicos, tendo atuado apenas na assessoria técnica, sem poder de decisão.
Os réus tentaram derrubar a decisão pelo ressarcimento dos prejuízos em dois recursos, ambos negados pelo TC
Rômulo de Macedo Vieira alegou a nulidade de sua citação, ante a ausência de descrição detalhada da conduta tida como irregular. Argumenta que, ao assinar o Convênio 76/1999, termo aditivo e o plano de trabalho, não foi exigida completa e detalhada revisão das bases técnica e jurídica do Convênio 40/1997. Sustentou que não atuou com dolo ou erro grosseiro e que “não há nexo de causalidade entre a conduta imputada como irregular e o insucesso do projeto de irrigação na Gleba Santa Terezinha”, entre outras alegações.
A defesa de Pedro Luiz Teruel sustentou a suposta ausência de nexo causal entre sua conduta e o resultado, além da necessidade de se dar tratamento uniforme ao que fora decidido em relação aos agentes que atuaram exclusivamente no 4º Termo Aditivo ao Convênio 76/1999. Alegou também que a responsabilidade pelos problemas nos estudos de viabilidade deve ser imputada a outras secretarias estaduais, a exemplo da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Teruel explicou que a Secretaria de Obras Públicas, Habitação e Desenvolvimento Urbano de Mato Grosso do Sul, chefiada por ele à época, seria responsável somente pela execução das obras. Por fim, afirmou que, no momento da assinatura do pacto, não havia indícios de que o projeto não alcançaria os objetivos, existindo, na época, pareceres do Governo federal que reconheciam a regularidade da execução dos projetos.
Prescrição do débito - Em recursos formulados durante o processo, os réus pediram a prescrição dos débitos, argumentando que “pretensão punitiva” prescreveu em janeiro de 2008. O tribunal, no entanto, afirmou não haver razão para acolher os argumentos dos acusados.
A defesa de Fernando Montenegro Cabral de Vasconcellos Filho sustentou que “só veio a ser chamado ao processo para se defender em 2017, transcorrido o lapso temporal de 18 anos desde o parecer, de 06/10/1999, no qual examinou a pertinência da assinatura do Convênio 076/1999”.
Ouvido, o Ministério Público de Contas acolheu argumentos dos réus. “O Ministério Público manifesta-se no sentido de que o Tribunal delibere, em caráter definitivo quanto ao mérito, pela ocorrência da prescrição da pretensão ressarcitória e punitiva, com o conhecimento dos recursos interpostos e a consequente declaração de insubsistência do acórdão condenatório”, defendeu a procuradora-geral Cristina Machado da Costa e Silva.
“O MP manifesta-se pela deliberação, em caráter definitivo quanto ao mérito, pela ocorrência da prescrição da pretensão ressarcitória e punitiva” — Cristina Machado da Costa e Silva, procuradora-geral do MP
O relator, no entanto, manteve decisão anterior, de agosto de 2019: “Esta matéria já se encontra pacificada, no âmbito deste Tribunal em consonância com o STF no julgamento do Mandado de Segurança nº 26.210-9/DF, em 04/09/2008 e conforme a Súmula TCU 282, diz que as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis”.
Destaca que o ressarcimento dos prejuízos está mantido. Deixou de multar os responsáveis porque houve a prescrição da “pretensão punitiva”, conforme Acórdão 1441/2016. “Está mantido, por ora, o posicionamento jurisprudencial pela imprescritibilidade das condenações. Caso haja mudança, acolhendo-se a incidência do Código Civil ou da Lei 9.873/1999 aos processos de controle externo, é preciso reconhecer a prescrição do débito”, conclui o ministro Benjamin Zymler.