Levando até assessor para a praia, vereadores esbanjaram na "farra das diárias"
Eles saíram Brasil adentro com gastos permitidos, mas questionáveis diante do impacto nos cofres públicos
Eleitos para elaborar leis e fiscalizar ações das prefeituras, os vereadores provaram em 2023 que, literalmente, quem tem limite é município. Eles viajaram Brasil adentro, garantindo que as farras das diárias não saíssem do noticiário. Num dos episódios mais emblemáticos, vereadores da Câmara de Sidrolândia levaram até assessores para a praia, tudo custeado com o dinheiro do cidadão.
Em março, o grupo partiu de Sidrolândia, a 71 km de Campo Grande e com 60.792 habitantes, para Natal, a turística capital do Rio Grande do Norte.
Consulta ao Portal da Transparência da Câmara de Sidrolândia, mostra que os vereadores Cristina Fiuza (MDB), Elieu da Silva Vaz (PSB), Izaqueu de Souza Diniz (Patriota) e Enelvo Iradi Felini Junior (PSDB) receberam diárias de R$ 11 mil pela viagem. Os dois assessores tiveram direito a diárias a de R$ 9.900. Todos participaram do “Encontro Nacional de Legislativos Municipais”.
A mais de 3.500 quilômetros de Natal, o município de Sidrolândia, que elegeu os vereadores, tem moradores com renda média de dois salários-mínimos, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ou seja, precisaria juntar todo o salário por quatro meses para obter os R$ 11 mil pagos em diárias a cada vereador pelo deslocamento entre 14 e 17 de março.
Os parlamentes se uniram na justificativa de que a diária é um direito e que viajam em busca de conhecimento para apresentar bons projetos. A situação foi levada ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), que já tinha procedimento sobre o caso.
Mas em agosto, o presidente da Câmara Municipal de Sidrolândia, Otacir Pereira Figueiredo (PP), suspendeu as diárias e indenizações concedidas a servidores e vereadores.
No mês de maio, levantamento do Campo Grande News no Portal da Transparência em dez cidades, sendo as cinco mais populosas e as cinco com menos habitantes, mostrou que a Câmara de Jateí gastou R$ 100.685 com diárias para servidores e vereadores. O valor no município, o menos populoso de MS naquela data, foi 16 vezes mais do que o gasto da Câmara de Campo Grande, a cidade mais populosa: R$ 6.075. O levantamento foi feito até dia 8 de maio. A Câmara de Jateí “exportou” vereadores para Campo Grande e Brasília.
As maiores cidades são a Capital, Dourados, Três Lagoas, Corumbá (94.874) e Ponta Porã (90.756). Nessa lista, o maior gasto com diárias era da Câmara de Três Lagoas: R$ 178 mil. Por lá, quatro vereadores receberam R$ 21 mil para viagem a Brasília, cumprindo exatamente a mesma agenda.
As Câmaras apontaram a necessidade de deslocamentos para cursos e capacitações, apesar de eventos virtuais terem se consolidado desde a pandemia.
Em 15 de maio, o Campo Grande News mostrou que a Câmara Municipal de Bonito não poupava despesas na hora de viajar. O Poder Legislativo já tinha desembolsado R$ 440.321 para deslocamentos de vereadores e servidores. A preferência era sempre por Foz do Iguaçu (Paraná), que fica na tríplice fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina) e é a principal base para quem for visitar as Cataratas do Iguaçu. Houve ocasião em que todos os 11 vereadores “migraram” de Bonito para o Paraná. O grupo informa que se deslocou para curso.
As diárias pela viagem a Foz do Iguaçu foram pagas aos vereadores Pedro Aparecido Rosário, o Pedrinho da Marambaia (PSDB); Luisa Aparecida Cavalheiro de Lima (MDB); André Luiz Ocampos Xavier (PSB), presidente da Casa de Leis; Aurivaldo Nunes França (DEM), o Tito da Salobra; Edmilson Lucas Rachel (SD), o Edmilson Toquinho; Paulo Henrique Breda Santos (PSB), o Professor PH; Lucas Leandro Paes (PSDB), o Lucas Capacete; Irson Casanova da Silva (DEM); Edinaldo Gregório Dias (PSDB), Edinaldo Pantera; Jhonatan Marques (DEM); e Loiva Heidecke Schiavo (PSD), a Professora Loiva.
O pagamento de diárias em Bonito entrou na mira do Ministério Público em setembro.
Durante 2023, reportagem também mostrou que viagens renderam o triplo do salário para o presidente da Câmara Municipal de Água Clara, o vereador Marcio Cezar Garcia Cândido. O parlamentar recebeu praticamente um salário a cada viagem para cursos representando a Casa de Leis. De fevereiro a 16 de maio, três deslocamentos renderam R$ 7.200 por viagem, sendo o salário do vereador de R$ 7.596. Ao todo, o presidente recebeu R$ 26.208 em diárias neste ano, triplo do salário.
Diante do avanço dos cursos on-line, o presidente da Casa de Leis, durante curso em Campo Grande, defendeu a necessidade de suas viagens.
O curso de hoje pode ser aplicado diariamente. Ele vai falar do legislativo municipal e nós trabalhamos no legislativo. Então, todos os dias, temos processos que dependem do legislativo e a eficácia a gente busca em cursos e treinamentos. Todos os dias aprendemos mais com o curso que a gente pratica e atender toda a população, esse é o nosso compromisso como vereador”, disse Marcio Cezar ao Campo Grande News.
No mês de agosto, a “farra das diárias” que engorda a remuneração dos vereadores de Juti, a 320 km de Campo Grande, foi parar na mira do MPMS.
A cidade é uma das mais pobres do Estado e ocupa 79ª posição em MS no quesito remuneração, ou seja, fica em último lugar em renda do trabalhador, que em média recebe 1,7 salário-mínimo.
De acordo com a promotoria, consulta ao Portal da Transparência da Câmara Municipal de Juti constatou pagamento de diárias de R$ 426.268,91 aos vereadores em 2022. Enquanto o total de desembolso dos salários foi de R$ 545.400.
“Ou seja, os Vereadores do Município de Juti quase que dobraram os valores de seus subsídios com recebimentos de diárias, em evidente complementação remuneratória”, aponta a promotora Fernanda Rottili Dias.