Câmara da menor cidade de MS gasta 16 vezes mais com diária do que Campo Grande

A cada quatro anos, candidatos a vereador saem às ruas, redes sociais e televisão com a promessa de elaborar leis e fiscalizar prefeitos. Mas o que nenhum propagandeia é que vai alongar os domínios do município onde atua para viagens Brasil afora, sempre com direito a diárias gordas e que deixam muitos questionamentos. Por exemplo: Por que um vereador precisa ir a Brasília se nós já temos deputados federais e senadores? Por que precisa ir para cidades na praia para “trocar experiência”? E mais, por que não aproveitar o avanço da tecnologia, priorizar o ambiente virtual e ter zelo com o dinheiro público?

Levantamento do Campo Grande News no Portal da Transparência em dez cidades, sendo as cinco mais populosas e as cinco com menos habitantes, mostra que a Câmara de Jateí gastou R$ 100.685 com diárias para servidores e vereadores. O valor no município, o menos populoso de MS, é 16 vezes mais do que o gasto da Câmara de Campo Grande, a cidade mais populosa: R$ 6.075. O levantamento foi feito até dia 8 de maio.

As maiores cidades são a Capital (942.140 habitantes), Dourados (261.019), Três Lagoas (132.651), Corumbá (94.874) e Ponta Porã (90.756). Nessa lista, o maior gasto com diárias é da Câmara de Três Lagoas: R$ 178 mil. Por lá, quatro vereadores receberam R$ 21 mil para viagem a Brasília, cumprindo exatamente a mesma agenda.

Em Dourados, com gastos de R$ 86.771, dos 19 vereadores, somente dois ainda não receberam diárias para viajar. Já a Câmara de Corumbá “vive” em Campo Grande, como mostra o Portal da Transparência. A Câmara de Ponta Porã não fez lançamento de diárias em 2023.

As cinco cidades menos populosas são: Jateí (3.315 moradores), Figueirão (3.520), Taquarussu (3.634), Alcinópolis (4.670) e Rio Negro (4.691). A Câmara de Jateí “exportou” vereadores para Campo Grande e Brasília.

Escala no Rio de Janeiro e Brasília

Desde janeiro, o Portal da Transparência de Campo Grande registra seis viagens, com pagamento de R$ 6.075 para quatro vereadores e dois servidores. Em fevereiro, Ronilço Guerreiro (Podemos) recebeu diárias de R$ 1.800 para viajar entre os dias 9 e 12 (quinta-feira a domingo) para o Rio de Janeiro. O motivo? Visitar projetos, bibliotecas e realizar palestras sobre ações de cultura realizadas em Campo Grande.

Em março, os vereadores Alírio Villasanti (União Brasil), Luiza Ribeiro (PT) e Roberto Santana dos Santos, o Betinho (Republicanos), receberam diárias da Câmara para viagem a Brasília. O coronel Villasanti teve direito a R$ 1.200 pela viagem entre os dias 22 e 24. O vereador informa que participou de reuniões com os parlamentares federais em busca de investimentos e visitou ministérios e órgãos públicos no Distrito Federal.

No dia 28 de março, uma terça-feira e, portanto, dia de sessão em Campo Grande, Luiza foi a Brasília e recebeu R$ 300 (meia diária). A programação incluiu reunião com a bancada federal do PT sobre ações parlamentares.

De 27 a 28 de março, o vereador Betinho foi a Brasília para debater liberação de emendas parlamentares para Campo Grande. O debate custou aos campo-grandenses diárias de R$ 1.200.

Entre 24 e 25 de abril, dois servidores foram a Brasília em busca de parcerias com a Câmara Federal, Senado e Ancine (Agência Nacional de Cinema) para programas de TV e produção de conteúdo em conjuntos para serem exibidos na TV Câmara. Somadas as diárias, totalizaram R$ 1.575.  Os viajantes anexam fotografias ao relatório entregue à Casa de Leis para confirmar o deslocamento.

De 19 vereadores, só 2 não ganharam diária 

Dos 19 vereadores de Dourados, a segunda cidade mais populosa de Mato Grosso do Sul, apenas dois ainda não receberam diárias por viagens neste ano: Jânio Miguel (PTB) e Odon Anderson Ebenritter, Tio Bubi (PSD).  Disparado, o principal destino é Campo Grande, a 233 quilômetros. Desde janeiro, as diárias da Câmara de Dourados já custaram R$ 86.771, sendo R$ 14.392 pagos aos motoristas que conduzem os parlamentares.

A primeira viagem registrada no ano foi a do vereador Rogério Yuri (PSDB), que esteve na Capital entre 9 e 10 de janeiro para “cumprir agenda com o governador do Estado e vice-governador”. O valor foi de R$ 595.

Em 19 de janeiro, o vereador Fábio Luís da Silva (Republicanos) recebeu R$ 297,50 para visitar o deputado Antônio Vaz (Republicanos), na Assembleia Legislativa.   Na mesma data, servidora teve diária de R$ 177,50 para conduzir o vereador Fábio até Campo Grande.

No mês de fevereiro, a viagem foi mais longa, com destino a Curitiba, capital do Paraná, entre os dias 14 e 18. Os vereadores Fábio Luís e Juscelino Rodrigues Cabral (PSDB) receberam, respectivamente, diárias de R$ 3.762 para participar do “Fórum Nacional de Administração Pública e Gestão de Cidades Inteligentes, Novas Tecnologias para Câmaras e Prefeituras”.  Neste ano, os dois também lideram os gastos com diárias: R$ 8.224,50 para cada um.

A motorista recebeu diárias de R$ 2.677,50 para conduzir os vereadores de Dourados a Curitiba.

 Câmara é de Corumbá, mas “vive” em Campo Grande

A Câmara de Corumbá, que fica a 419 km de Campo Grande, não economiza na hora de encurtar a distância. Dos R$ 143.900 gastos com diárias para servidores e vereadores, entre os meses de janeiro a maio, exatos R$ 140.900 foram com deslocamentos para a Capital.

A exceção foi no mês de março, quando o vereador Manoel Rodrigues recebeu diárias de R$ 3 mil para viagem a Brasília. O deslocamento, no período de 7 a 10 de março, foi para agenda com o deputado federal Vander Loubet (PT).

O mês com maior gasto foi o de fevereiro, quando a Câmara desembolsou R$ 53.400 em diárias. Foram 26 deslocamentos para Campo Grande. Com motivos variados. De 8 a 11 de fevereiro, por exemplo, o vereador Luis Francisco de Almeida Vianna (PSD) recebeu R$ 3 mil para cumprir agendas com deputados, senadores e governo do Estado. Em março, mas entre os dias 7 a 10, voltou a receber diárias de R$ 3 mil para repetir a mesma agenda: “reuniões com deputados, senadores e governo do Estado”.

No mês de abril, o vereador voltou a Campo Grande, entre os dias 12 e 15, para reuniões na Assembleia Legislativa, gabinete de deputado federal, gabinete de senador e governo do Estado.

Uma agenda, 4 vereadores e gasto de R$ 21 mil

A Câmara de Três Lagoas pagou R$ 21 mil em diárias para que quatro vereadores cumprissem a mesma agenda em Brasília, entre os dias 13 e 18 de março.

Os vereadores Marisa Andrade Rocha (MDB), Jorge Aparecido Queiroz (PSDB), o Jorginho do Gás, Davis Martinelli Leal dos Santos (DEM) e Charlene Santana Bortoleto (PDT) informaram uma extensa justificativa de 41 linhas sobre os compromissos no Distrito Federal, com reuniões sobre Saúde, atendimento do INSS, infraestrutura e UFN 3 (Unidade de Fertilizantes Nitrogenados). Contudo, não houve zelo com os cofres públicos. Cada parlamentar recebeu diárias de R$ 5.386,55 pela viagem.

Dona do maior desembolso de diárias para vereadores e servidores entre as cinco cidades mais populosas de MS, Três Lagoas também custeou deslocamento de vereadores para Florianópolis, capital de Santa Catarina. Marcus Vinícius Bazé de Lima (DEM) e Cassiano Rojas Maia (PSDB) receberam R$ 1.539 pela viagem entre 11 e 13 de abril. A agenda foi na prefeitura de Florianópolis para troca de experiência sobre a pesca esportiva. Neste ano, a Câmara de Três Lagoas gastou R$ 178.601 em diárias.

Na menores cidades, gastos gigantes

Em Jateí, a Câmara já gastou R$ 100.685 no período de 2 de fevereiro a 3 de maio. A maioria das viagens foi para Seminário de Vereadores em Campo Grande. Mas também há deslocamento para a Capital com objetivo de participar de evento da assinatura do convênio com os clubes de laço. A diária de R$ 900 foi paga ao vereador Manoel Pinheiro de Andrade.

AInda há viagens mais caras, como para participação na Marcha da UVB (União dos Vereadores do Brasil) em Brasília. Os vereadores Carlito Araújo Gomes, Manoel Pinheiro de Andrade e Jeovani Vieira dos Santos receberam diárias de R$ 6.480, totalizando gasto de R$ 19.440.

No segundo município menos populoso de MS, a Câmara de Figueirão gastou R$ 72.269 em diárias. O mês de abril foi o mais movimentado: R$ 36.363,83. Os destinos foram Campo Grande e Brasília. Entre os dias 24 e 29, cinco vereadores foram ao Distrito Federal para cumprir mesma agenda. O tour foi para levar projetos e reivindicar construção de casas. O custo? R$ 31 mil em diárias.

Os vereadores que foram para Brasília são: Juliano Nogueira de Souza, Abadio Ribeiro da Rocha, Beugmar Ferreira da Silva, Flavia Maria Bravo Ferreira e Edgar José de Lima. Em média, cada um recebeu R$ 6 mil pela viagem.  Figueirão tem 3.520 habitantes.

Em Taquarussu, cidade com 3.634 moradores, a Câmara Municipal já destinou R$ 49.730 para pagamentos de diárias de janeiro a maio. Do total, 14% foi recebido pelo presidente da Casa de Leis, Gilso Francisco Filho (PSDB), que totalizou o valor de R$ 7.500. O maior pagamento foi entre 25 e 28 de abril, quando foi à Marcha dos Legislativos, em Brasília.

No município de Alcinópolis, a Câmara gastou R$ 45.157  em diárias. As viagens foram para Campo Grande, Coxim e Brasília. De 24  a 28 de abril, por exemplo, cinco vereadores viajaram para o Distrito Federal: Ademir Luiz Muller (PSDB), Paula Magda Gomes de Morais (PP), Onilza Matias de Souza (PL), Valdeci Lima de Oliveira  (União Brasil) e Isabel de Souza Silveira (MDB). O grupo ficou quatro dias afastados para participar da Marcha dos Legislativos Municipais. Cada vereador recebeu R$ 4.800 em diárias.

Em Rio Negro, a Câmara Municipal gastou R$ 45.365 em diárias entre janeiro e maio. O mês de março foi com o maior desembolso: R$ 10.090. Mas maio começou movimentado, com gasto de R$ 9 mil até o dia 4. As vereadoras Nair Oliveira Silva, Neuza Maria dos Santos e Fabrícia de Oliveira Floriano receberam diárias de R$ 3 mil, cada uma, por deslocamento para Brasília. A agenda oficial foi viabilizar projetos com deputados e senadores.

Viagens indispensáveis

A reportagem questionou o Poder Legislativo sobre as viagens, principalmente com avanço da tecnologia que permite eventos virtuais.

A Câmara Municipal de Campo Grande informa que já adota em diversas situações e eventos a videoconferência. “Porém, em determinados casos torna-se indispensável o acompanhamento presencial dos vereadores ou servidores, como visitas técnicas ou reuniões que ajudam a garantir recursos para Campo Grande, bem como aperfeiçoar o trabalho já realizado”.

A Câmara Municipal de Dourados citou ser bastante criteriosa quando o assunto em questão é a concessão e pagamento de diárias para os membros do Legislativo.

“Ao longo dos últimos anos, a Casa tem procurado se adaptar ao uso de novas ferramentas tecnológicas para facilitar a capacitação contínua do quadro de servidores e vereadores, estimulando a participação em cursos e formações na modalidade online, ofertados por órgãos e instituições de diversos Estados. No entanto, a oferta de cursos e capacitações nesta modalidade ainda está em fase de ascensão em Mato Grosso do Sul, o que em muitos casos acaba tornando necessária a participação presencial dos membros do Legislativo em eventos desta natureza. Um exemplo são as capacitações oferecidas pelo TCE/MS (Tribunal de Contas do Estado) ao corpo técnico de servidores. A maioria é realizada na sede do tribunal em Campo Grande e com a participação presencial dos servidores”, informa nota enviada à reportagem.

Em nota, a Câmara de Alcinópolis afirmou no que tange às diárias dos servidores, estes estão participando de uma capacitação continuada referente à nova Lei de Licitações, de nº 14.133/2021, onde os encontros são presenciais e virtuais.

Para a Câmara de Dourados, o município não é limite para atuação dos vereadores. “Também é preciso considerar que os vereadores são interlocutores de demandas da comunidade, o que torna indispensável em muitas situações o deslocamento até Campo Grande ou até mesmo Brasília para tratar de projetos e reivindicações diretamente com o governo estadual e federal”.

O Campo Grande News solicitou informações paras demais Casas de Leis, mas não recebeu resposta até a publicação da matéria.