ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
DEZEMBRO, SEGUNDA  23    CAMPO GRANDE 27º

Reportagens Especiais

Na cidade destaque nacional, esgoto monitora covid e satélite caça vazamento

Cobertura da rede de água chega a quase 100%, enquanto esgotamento sanitário já superou Marco Legal

Por Aline dos Santos | 26/08/2024 07:26
Campo Grande News - Conteúdo de Verdade
Para Clodoaldo, água tratada tem sabor de dignidade e virou lição de vida. (Foto: Henrique Kawaminami)
Para Clodoaldo, água tratada tem sabor de dignidade e virou lição de vida. (Foto: Henrique Kawaminami)

No portão de casa, o açougueiro Clodoaldo José da Rosa, 48 anos, não sente mais medo de ver as crianças brincando nos quintais. Antes, a terra era regada a esgoto que corria a céu aberto, oriundo do extravasamento das fossas.

“Eu saía para trabalhar e via as crianças brincando naquela água, na maior inocência, mas era esgoto. A gente via muito sofrimento, a rede de esgoto foi um bem muito necessário para a vida de todo mundo”, afirma o morador do Jardim Centro-Oeste, área mais conhecida em Campo Grande como “invasão da Homex”. A rede de esgoto também colocou ponto final na infestação de baratas e ratos.

Da porta de casa para dentro, a água tratada, que chega com a ampliação da rede de distribuição, tem sabor de dignidade para o morador. Depois de tanto penar com o liquido barrento que vinha de ligação irregular,  Clodoaldo agora tem água limpa para compartilhar.

Crianças brincam na rua, onde já não corre  mais esgoto que extravasava das fossas. (Foto: Henrique Kawaminami)
Crianças brincam na rua, onde já não corre  mais esgoto que extravasava das fossas. (Foto: Henrique Kawaminami)

Assim que a situação foi regularizada, colocou um bebedouro na varanda para o refresco e felicidade dos beija-flores. Por dia, os quatro visitantes alados consomem os 250 ml ofertados pelo açougueiro, que quer compartilhar com as aves a alegria de ter água fresquinha, de qualidade e fácil acesso.

Ter água na torneira, que parece simples e rotineiro para a maioria, ganha, nas palavras do açougueiro, contornos de uma lição de vida.

“Eu mesmo só aprendi a dar valor quando vim para cá, foi até uma lição de vida para mim. Eu morava de aluguel e nunca tinha passado por esse problema. Quando a gente chega e abre a torneira, nem vê o valor que tem aquilo. Hoje em dia eu penso muito em economizar, uso somente o necessário. É uma obra subterrânea, ninguém vê. Mas hoje em dia eu consigo medir a importância do que foi feito por todos os envolvidos” diz Clodoaldo.

Assim que água limpa chegou em casa, Clodoaldo decidiu dividir com os beija-flores. (Foto: Henrique Kawaminami)
Assim que água limpa chegou em casa, Clodoaldo decidiu dividir com os beija-flores. (Foto: Henrique Kawaminami)

Milhares de quilômetros 

 Os 15 quilômetros para distribuição de água e os 14 quilômetros de rede de esgoto se conectaram à tubulação que percorre outros milhares de quilômetros para colocar Campo Grande em posição de destaque nacional.

A cobertura da rede de esgoto passou de 60% para 93% no comparativo entre 2010 e 2024. Ao todo, são 3.050 quilômetros de rede. Desta forma, mais de 800 mil moradores já têm acesso ao esgotamento sanitário. A população da Capital é de  898.100 habitantes.

“Se for olhar o rigor da lei, a cidade já atingiu a universalização, passou dos 90%. A diferença é que o contrato de Campo Grande é mais restritivo e precisa chegar a 98%. A projeção é que atinja até 2029”, afirma o diretor executivo da Águas Guariroba, Gabriel Martins Buim.

"Se for olhar o rigor da lei, a cidade já atingiu a universalização da rede de esgoto", afirma Gabriel Buim. (Foto: Marcos Maluf)
"Se for olhar o rigor da lei, a cidade já atingiu a universalização da rede de esgoto", afirma Gabriel Buim. (Foto: Marcos Maluf)

O Marco Legal do Saneamento determina percentual de cobertura de 90% de rede de esgoto para a universalização. Os municípios brasileiros têm até 2033 para atingir essa meta. No Brasil, a única capital que tem indicador melhor que Campo Grande é São Paulo.

Na distribuição de água tratada, a Capital, aniversariante do dia, já atinge a marca de 99,9% (rede de 4.470 quilômetros), número que segue os rigores estatísticos e por isso não se pode cravar 100%. Afinal, a cidade de 125 anos vive a crescer.

Há três meses, Clodoaldo se somou a esses moradores. “Vieram as máquinas e deram o prazo de três meses para entregar a obra. Mas fizeram em dois meses. Até quero agradecer aos funcionários da Águas Guariroba. Eles trabalharam aos domingos, feriados, com chuva, com sol. Porque não era uma obra pequena. Quero agradecer a todos os envolvidos, pessoas que a gente nem conhece. Mas se não fosse a participação deles e do juiz que julgou a causa estaríamos do mesmo jeito aqui”, afirma o morador. O juiz David de Oliveira Gomes Filho ordenou a regularização dos serviços.

Clodoaldo agora conta com água na torneira para as atividades do dia a dia. (Foto: Henrique Kawaminami)
Clodoaldo agora conta com água na torneira para as atividades do dia a dia. (Foto: Henrique Kawaminami)

O saneamento básico também chegou ao lar onde Tatiane Cruz mora com os quatro filhos: de 13,11, 8 e 2 anos. “Tem dois meses que a água chegou. Antes, era ‘água de rua’, não era tratada. Mas a gente tinha que usar para tudo”.

Paulo Celso Paro, 64 anos, define a nova realidade dos moradores: “Estamos chiques demais”. Ele conta que na época dos “gatos” a falta de água era regra. “Mas vinha bem fraquinha. Agora, não faltou mais. Você abre a torneira e sabe que vai ter água. E a obra foi rapidão, num piscar de olhos. Fizeram muito rápido mesmo, Nossa Senhora”, elogia.

Debaixo do sol forte, o vendedor autônomo fazia obra para erguer o muro. Ao lado do copo de café, uma garrafa de água geladinha.

Paulo define a nova realidade dos moradores da Homex: “Estamos chiques demais”. (Foto: Henrique Kawaminami)
Paulo define a nova realidade dos moradores da Homex: “Estamos chiques demais”. (Foto: Henrique Kawaminami)

A velocidade da obra é porque a concessionária adotou metodologia para acelerar os trabalhos. Novo, o bairro não tem infraestrutura subterrânea que retardasse o serviço. Desta forma, as equipes trocaram a retroescavadeira por valetadeira, conseguindo fazer o dobro de área por dia.

“A valetadeira funciona como se fosse um motor de motosserra. Ela tem uma pá que não para de girar. Numa frente de trabalho normal, são em torno de cem metros por dia. Com a valetadeira, faz 200, 250 metros de produção”, afirma o diretor executivo da Águas Guariroba.

A concessionária também adotou metodologia diferenciada na hora da fatura, considerando que as ligações irregulares não davam aos moradores a percepção sobre a quantidade de água consumida. Conforme Gabriel, o primeiro mês foi de graça para entender o consumo. Por outros três meses o enquadramento é na tarifa social. A obra resultou em 1.500 ligações.

Responsável pelo saneamento básico de Campo Grande desde 2000, a Águas Guariroba já investiu R$ 1,9 bilhão para implantação de rede de água e esgoto.

Satélite "de Marte" caça vazamento 

Gabriel destaca investimento em tecnologia, como satélite que procura vazamentos. (Foto: Marcos Maluf)
Gabriel destaca investimento em tecnologia, como satélite que procura vazamentos. (Foto: Marcos Maluf)

Com redução das perdas de 56% para 19% ao longo da concessão, a Águas Guariroba adotou em 2024 satélite que localiza vazamentos que não estão visíveis aos olhos humanos. A mesma tecnologia foi usada para procurar água no planeta Marte.

 “Ele solta uma onda que identifica a água que está no lençol com cloro. Essa onda reage com o cloro e informa se tem algum tipo de umidade no solo. E reporta que naquele quadrante pode ter algum vazamento não visível. A gente já passou o satélite e agora está em processamento. No próximo mês, vamos começar a desdobrar as ordens de serviços para ir tirando esses vazamentos”, destaca Gabriel .

Rede de esgoto é sentinela da covid

A rede de esgoto, que chega a 93% em Campo Grande, ajuda a monitorar a covid. Por meio de parceria com a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e a SES (Secretaria Estadual de Saúde), a concessionária aplica reagentes e faz análise do esgotamento sanitário para verificar resquícios de covid. O vírus é eliminado na urina e fezes. Uma vez por mês as equipes vão a pontos específicos para o monitoramento.

“Como se fosse um agente comunitário de Saúde que consegue focar. A partir dos resultados, podem atuar com políticas públicas, orientações ou campanhas de vacinação mais direcionadas”, explica o diretor executivo da Águas Guariroba, Gabriel Martins Buim.

A expansão da rede de esgoto, que vai chegar aos 98% em 2029, inclui bairros como Jardim Noroeste, Itamaracá, parte do Nova Lima, Jardim das Perdizes, Jardim Itatiaia. Em média, a rede avança 240 quilômetros por ano.

No ano passado, o projeto “Escola Saneada”, onde a empresa faz rede de água e esgoto, foi ampliado para a zona rural do município. Apesar de o contrato de concessão determinar atuação na área urbana.

Sala do centro de controle de operações na Àguas Guariroba. (Foto: Marcos Maluf)
Sala do centro de controle de operações na Àguas Guariroba. (Foto: Marcos Maluf)

“Não estava no nosso contrato, mas a gente entende que levar Saúde está acima de qualquer cláusula contratual. Estudos mostram que a cada R$ 1 que você investe em saneamento, economiza R$ 4 em Saúde”, enfatiza Gabriel.

Todo esgoto coletado é 100% tratado antes de ser devolvidos aos corpos hídricos. A ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) dos Los Angeles faz o lançamento de efluentes no Rio Anhanduí. Enquanto que a ETE do Núcleo Industrial faz o lançamento no Córrego Imbirussu.

Atualmente, a ETE no Jardim Colúmbia está em fase de licenciamento. A estação vai beneficiar 10 mil famílias e os efluentes serão lançados no Córrego Botas. A chegada da rede de esgoto valoriza os terrenos em 30%, impacta na qualidade de vida e põe fim aos gastos dos moradores com os limpa fossa.

“Melhora os indicadores de assiduidade na escola, o rendimento das pessoas no trabalho. Deixam de faltar por terem se contaminados por alguma doença de veiculação hídrica”, afirma o diretor da concessionária.

Córregos e Aquífero Guarani: águas da nossa vida

A água tratada que chega à casa de todos, seja do metro quadrado mais caro de Campo Grande ao bairro mais vulnerável, tem três fontes de abastecimento. O Córrego Guariroba, na saída para Três Lagos, responde por 40% da captação. O restante vem do Córrego Lageado e de superpoços, que se aprofundam 600 metros no solo para encontrar o Aquífero Guarani.

Nos dias de muito calor, a produção chega a 310 mil metros cúbicos (equivalente a 310 milhões de litros). Quando vem o friozinho, com máxima em torno de 22ºC, o consumo é de 270 mil metros cúbicos diários. Mas quando a temperatura tem declínio acentuado, como no dia de mínima de 4,8ºC, a demanda cai para 240 mil metros cúbicos.

Tela mostra imagem do reservatório do Córrego Guariroba, que abastece 40% da cidade. (Foto: Marcos Maluf)
Tela mostra imagem do reservatório do Córrego Guariroba, que abastece 40% da cidade. (Foto: Marcos Maluf)

No Córrego Guariroba, a 30 quilômetros de Campo Grande, fica o reservatório que armazena 4 milhões de metros cúbicos de água. O local é monitorado por câmeras e os cuidados incluem da contenção de gabião até o controle de cupins para assegurar a estabilidade da barragem.

 “A gente tem estudos de monitoramento que o córrego é muito perene [permanente], até por conta das ações ambientais. Tem a Área de Proteção Ambiental, restrições em volta para justamente manter a vazão. A gente não se preocupa [com a estiagem] por conta das ações de longo prazo. Pelo contrário, a gente vê ganhos, incremento de vazão. É pequeno, de 1% ao ano, mas só de não cair, quando se fala da principal fonte de abastecimento de Campo Grande, é extremamente importante”, destaca o diretor executivo da Águas Guariroba.

Construção de superpoço que vai buscar água do Aquífero Guarani, em Campo Grande. (Foto: Divulgação)
Construção de superpoço que vai buscar água do Aquífero Guarani, em Campo Grande. (Foto: Divulgação)

O Lageado fica em área mais urbanizada, que reduz as nascentes, e sofre maior variação conforme as condições climáticas. “A gente vem perfurando poços para suprir essa falta de produção do Lageado. A gente já passou por períodos de estiagem tão severo como esses. Fomos fazendo investimentos para a população passar tranquila esses períodos”, diz Gabriel. Um superpoço exige investimentos de até R$ 12 milhões, que inclui poço, estação elevatória e reservatório.

No cotidiano, todos podem colaborar para preservar a água: fechar a torneira ao escovar os dentes, desligar o chuveiro para se ensaboar no banho ou usar a água da máquina de lavar para limpar o quintal. “Isso independente de ter chuva de ter sol, de ser estiagem. É sempre uma importante dica de consumo. A água que a gente deixa de tirar do meio ambiente vai estar ali amanhã, preservar um bem que é tão importante para nós”, afirma Gabriel.

Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.

Nos siga no Google Notícias