Sangue frio, escândalo, máfia, CPIs e mortes no calvário do câncer
Terça-feira, 19 de março de 2013. Campo Grande despertou a “Sangue Frio”. Nas primeiras horas da manhã - munidos com 19 mandados de busca e apreensão e quatro ordens judiciais de afastamento de funções - policiais federais foram ao Hospital do Câncer Alfredo Abrão, ao HU (Hospital Universitário) Maria Aparecida Pedrossian, à residência do médico Adalberto Abrão Siufi e à clinica NeoRad.
Desde a data, o ano foi um desdobramento do escândalo, potencializado, principalmente, pela divulgação de escutas telefônicas revelando conchavos em que a saúde era a última das preocupações.
A primeira suspeita sobre o Hospital do Câncer foi lançada pelo MPE (Ministério Público Estadual). Na semana anterior à operação da PF (Polícia Federal), a promotora Paula Volpe havia pedido à Justiça o afastamento dos três diretores, sendo Adalberto Siufi o diretor-geral.
Conforme a denúncia, a unidade hospitalar mantinha contrato com a NeoRad, empresa cujo um dos proprietários era Siufi; cobrou por atendimento a paciente morto e remunerou parentes do diretor com altos salários.
Outro detalhe era que a Neorad recebia tabela SUS (Sistema Único de Saúde) mais 70%. Em quatro anos, foram R$ 12 milhões. No dia da operação, Siufi chegou a ser preso por porte ilegal de arma, sendo liberado após pagar fiança de R$ 30 mil.
Com as denúncias, os efeitos foram imediatos. O Conselho Curador do hospital nomeou nova diretoria e afastou o médico. No HU, José Carlos Dorsa Vieira Pontes foi afastado da direção por 60 dias, próximo à data do retorno, pediu para sair do cargo. Na unidade, foram investigadas fraudes em licitações, corrupção passiva, desvio de dinheiro público e superfaturamento em obras.
A suspeita é de que a rede pública de atendimento ao câncer foi desmontada em privilégio do setor privado. Até hoje, a NeoRad e o Hospital do Câncer são os únicos que ofertam radioterapia pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Siufi e Dorsa negam as acusações.
Fantástico - Em 5 de maio, a divulgação das investigações no Fantástico, na Rede Globo, deu novo fôlego às denúncias. De imediato, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, veio a Campo Grande e determinou a criação de uma força-tarefa, que fez levantamento em prontuários de pacientes vivos e mortos.
Do total de 255, 40 fichas foram consideradas prioritárias: 22 de pacientes que morreram. A investigação também foi feita na Santa Casa de Campo Grande, Hospital Regional Rosa Pedrossian e Hospital Evangélico de Dourados. Em outubro, a PF (Polícia Federal) indiciou oito pessoas por participação no grupo que ficou conhecido como “Máfia do Câncer”. O inquérito corre sob sigilo e os nomes não foram divulgados.
Lembrança inconsolável - Com as denúncias, uma romaria de famílias foi ao Ministério Público Estadual em busca de informações sobre a morte de entes queridos. A dúvida é se o falecimento foi em virtude da doença ou atendimento inadequado.
A divulgação de escutas telefônicas lançou dúvida sobre a qualidade do atendimento. Numa delas, a farmacêutica Renata Burale aparece trocando remédio receitado pela médica por um mais barato, a pedido de Betina Siufi, então diretora administrativa Hospital do Câncer.
Em um dos diálogos gravados pela Polícia Federal, a farmacêutica diz: “Estou com uma prescrição aqui de um paciente do CTI, que a médica passou um antifúngico pra ele”. Betina Siufi: “É caro pra cacete esse negócio. Nem f..., desculpa o termo. Tá?”. Renata diz: “Essa doutora Camila que passa essas coisas cabulosa. Na hora que eu vi o preço, eu falei ‘Não’”.
Em 31 de julho, a CPI da Saúde, realizada pela Câmara Municipal, um dos desdobramentos das denúncias, ouviu parentes de pessoas que morreram durante o tratamento. Emocionado, o aposentado Galbino Lima, de 59 anos, relatou a perda do genro. O paciente teve câncer gástrico e era atendido no Hospital do Câncer.
Ele contou que após análise do prontuário foi constatado que o medicamento que o genro recebia era dipirona. Ainda segundo Gabino, na avaliação da força-tarefa, o tratamento foi insuficiente.
“Deixaram ele chorando de dor em uma cama e não fizeram nada”, citou Gabino. Ele se emocionou ao falar do neto, de 4 anos. “Não quero que meu neto me pergunte se eu vi tudo isso acontecer com o pai dele e não fiz nada, por isso, me coloco à disposição das investigações”.
Os holofotes – As denúncias levaram à criação de duas CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito). A Câmara Municipal de Campo Grande sai na frente e abriu a investigação. Em maio em 20 de dezembro, a comissão pediu o indiciamento de Adalberto Siufi, José Carlos Dorsa, Eva Glória Siufi ( irmã de Adalberto), Blener Zan e Luiz Felipe Terrazas, os dois ex-presidente do Conselho Curador da Fundação Carmem Prudente, que administra o Hospital do Câncer.
O tema também foi apurado por uma CPI na Assembleia Legislativa, que fez um diagnóstico da Saúde em cidades de Mato Grosso do Sul.
Reação em cadeia – No dia primeiro de julho, a divulgação de escutas da operação Sangue Frio levou ao pedido de demissão da secretária estadual de Saúde, Beatriz Dobashi.
Na ocasião, também foi dispensado o diretor do HR (Hospital Regional) Rosa Pedrossian, Ronaldo Perches Queiroz. Ele ainda comandava a Funsau (Fundação de Serviços de Saúde).
Na gravação, eles combinam como responderiam ao Ministério da Saúde solicitação sobre o interesse do Estado em repasse de aceleradores lineares para tratamento de pacientes com câncer.
A estratégia era a de convencer o Inca (Instituto Nacional do Câncer) a enviar os equipamentos apenas para o HR e ao Hospital do Câncer, dirigido na época por Adalberto Siufi.