Famílias procuram o MP para saber se "máfia do câncer" matou pacientes
A lembrança inconsolável de perder um ente querido durante tratamento contra o câncer é assombrada por uma dúvida cruel: será que a morte foi pela doença ou por atendimento inadequado? A inquietação toma forma nas dezenas de pessoas que procuraram o MPE (Ministério Público Estadual) após vir a público a suspeita de uma “Máfia do Câncer” em Campo Grande.
Realizada em 18 de março e exibida para todo o país neste mês pelo Fantástico, a operação Sangue Frio revela indícios de aplicação inadequada de medicamentos, desvio de dinheiro do SUS (Sistema Único de Saúde) e desmonte da rede pública para privilegiar o setor privado.
“As pessoas têm vindo mais para ter certeza de que os seus familiares tiveram bom atendimento. Muita gente suspeita. Têm receio, hoje em dia, de os familiares não terem sido bem atendido”, afirma a promotora Paula Volpe, que levou à Justiça o pedido de afastamento da então diretoria do Hospital do Câncer Alfredo Abrão.
Conforme a promotora, são pessoas que perderam familiares e querem relatar o que acreditam serem irregularidades.
“São colhidas as declarações dos familiares, documentação, atestado de óbito e eventuais prontuários”, relata. O MPE faz a ponte entre as pessoas e os órgãos responsáveis por esse tipo de apuração. Os documentos são enviados para o Denasus, ouvidoria da SES (Secretaria Estadual de Saúde) e CRMMS (Conselho Regional de Medicina).
“São órgãos compostos de médicos, principalmente o Denasus, que podem analisar com conhecimento clínico que a gente do Direito não tem”, explica a promotora. Aos familiares, ela lembra que o câncer é uma doença séria, capaz de levar à morte.
Divulgação de escutas telefônicas lança dúvida sobre a qualidade do atendimento. Numa delas, a farmacêutica Renata Burale aparece trocando remédio receitado pela médica por um mais barato, a pedido da diretora administrativa na época. Em um dos diálogos gravados pela Polícia Federal, a farmacêutica diz: “Estou com uma prescrição aqui de um paciente do CTI, que a médica passou um antifúngico pra ele”. Betina Siufi: “É caro pra cacete esse negócio. Nem f..., desculpa o termo. Tá?”. Renata diz: “Essa doutora Camila que passa essas coisas cabulosa. Na hora que eu vi o preço, eu falei ‘Não’”.
O Ministério Público também é procurado por novos denunciantes. “Depois da divulgação pública, resolveram contar o que sabem”, afirma a promotora.
Ofensiva - Realizada há quase dois meses, a operação Sangue Frio apreendeu documentos no Hospital do Câncer e no HU (Hospital Universitário). Também foram alvos a clínica Neorad e a residência do médico Adalberto Abrão Siufi. Até então ele era diretor-geral do Hospital do Câncer e um dos donos da clinica, que atende pacientes do SUS.
Dias antes da ofensiva, deflagrada pela PF, CGU (Controladoria-Geral da União) e MPF (Ministério Público Federal), a promotora havia pedido à Justiça o afastamento da direção do Hospital do Câncer.
A denúncia era de autocontratação, prática proibida, e valor diferenciado para a clínica de Siufi, que recebia tabela SUS mais 70%. O MPE ainda apontou a contratação de parentes do médico por valores acima do praticado no mercado. Antes da Justiça se manifestar, o Conselho Curador do hospital afastou os diretores. Em seguida, veio a ordem judicial para afastamento. Os diretores pediram desligamento e a ação foi extinta.
Na semana passada, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, veio a Campo Grande para instalação de uma força-tarefa. O grupo faz varredura nos prontuários de pacientes vivos e mortos que passaram pelo setor de oncologia do Hospital do Câncer, HU, Santa Casa e HR (Hospital Regional) Rosa Pedrossian.
Divulgado na última terça-feira, balanço aponta que já foram verificados indícios de irregularidades em 236 prontuários, sendo 143 do Hospital do Câncer.