A covid-19 e a Teoria Econômica
Sentindo na pele a dramática diferença entre risco e incerteza
Até o dia 8 de maio de 2020, a pandemia causada pelo novo coronavírus havia causado a morte de 9.899 pessoas em todo o território nacional, enquanto 139.900 cidadãos se tornaram vítimas fatais de doenças cardiovasculares no país. Comparando-se esses valores poder-se-ia estranhar a grande preocupação originada pela pandemia do covid-19. O que torna essa epidemia tão diferente dos desafios de saúde que os brasileiros enfrentam há anos e dominam as causas de mortalidade?
O efeito da nova pandemia sobre a sociedade nos oferece a oportunidade de ilustrar dois conceitos fundamentais da Teoria Econômica: risco e incerteza. Ambos conceitos estão associados ao fato de vivermos em um mundo “não determinístico” em que não temos informação completa sobre os fenômenos que nos cercam, mas diferem quanto ao nível de incompletude dessa informação.
Em uma situação de risco, conseguimos antecipar o que pode ocorrer e determinar probabilidades razoáveis sobre os possíveis acontecimentos. Quando nos deslocamos em nossa típica cidade brasileira, por exemplo, sabemos que corremos riscos. No entanto, por conhecermos a cidade, temos uma boa ideia de que regiões são mais perigosas, que horários são mais arriscados, etc. Com toda essa informação, podemos calcular com alguma precisão os riscos que corremos e escolher um deslocamento sem que o pânico nos domine.
Em uma situação de incerteza, por outro lado, a informação é mais limitada, é difícil estimar as diferentes probabilidades do que pode acontecer e, em alguns casos, sequer conseguimos prever tudo que é passível de ocorrer. Se tivermos que nos deslocar em uma cidade desconhecida e perigosa em um país estrangeiro, estaremos em uma situação de incerteza: não sabemos que bairros são mais seguros, que vias são mais arriscadas, etc. Nesse caso é bem mais difícil decidir com segurança e não será de se estranhar que um certo pânico tome conta de nós...
Uma doença que há anos acomete nosso país é a dengue. Em 2019 foram mais de um milhão e meio de casos em todo o país. Essa doença, no entanto, é relativamente bem conhecida. Sabemos diagnosticá-la e tratá-la. Ainda que não exista vacina, morreram menos de 800 cidadãos pela dengue em 2019. Trata-se de uma situação de risco, certamente, mas não é de se estranhar que a dengue não cause comoção social.
Compare agora com a covid-19. Surgida em finais de 2019, parecia relativamente circunscrita à província chinesa de Hubei até que, de repente explodiram os casos mundo afora. Sobre essa nova cepa de coronavírus muito pouco se sabe até hoje, nem mesmo se uma pessoa pode ser reinfectada. Trata-se de uma claríssima situação de incerteza em que não conseguimos estimar as probabilidades associadas à pandemia. Que órgãos de nosso corpo, além do pulmão, o vírus atinge? Que remédios poderiam ser usados? Qual é a verdadeira taxa de fatalidade da doença? Confrontados com essa situação de grande incerteza, entende-se a dificuldade que temos em tomar decisões bem pensadas.
Com o surgimento da covid-19 sentimos na pela a dramática diferença entre risco e incerteza. Fica então a esperança de que rapidamente acumulemos informações suficientes para passarmos de um ambiente de incerteza para um de risco. Até lá, resta-nos manter o isolamento social, uma vez que uma das poucas certezas que temos é que esse vírus tem altíssima transmissibilidade mesmo antes dos sintomas se manifestarem.
(*) Maurício Bugarin é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. PhD em Economia pela Universidade de Illinois e Líder do Economics and Politics Research Group – EPRG, CNPq/UnB.