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A questão da desistência do Brasil em participar da missão de paz na África

Por Sérgio Luiz Cruz Aguila (*) | 12/04/2018 14:22

O Brasil já foi chamado de ‘potência diplomática’ pelo chanceler alemão Helmut Khol. Em 2014, o país foi chamado de ‘anão diplomático’ pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor. Essa semana, a postura do Brasil demonstrou estar mais próxima da segunda opção.

Em novembro do ano passado, quando as Nações Unidas decidiram aumentar o efetivo da operação de paz na República Centro Africana - MINUSCA, houve um convite oficial direto ao Brasil para prover um novo batalhão dentro dos padrões que a avaliação da ONU indicava como sendo necessários.

O contexto do conflito naquele país africano indicava a necessidade de uma tropa com capacidade para desdobrar subunidades auto-sustentáveis por determinados períodos em locais distintos do país com o principal objetivo de proteger civis e cortar rotas de suprimentos dos grupos armados que lá atuam.

Sem seguir o protocolo costumeiro de ‘geração de forças’, o Departamento de Operações de Paz da ONU (DPKO em inglês) investiu no Brasil, em razão da reputação adquirida no Haiti, entendendo que o país poderia prover esse tipo de tropa, com mandato de usar a força quando necessário, ao mesmo tempo em que certamente interagiria positivamente com a população e autoridades locais, auxiliando no cumprimento do mandato estabelecido pelo Conselho de Segurança.

O Brasil sinalizou que poderia responder positivamente. Nos meses seguintes, enviou militares, diplomatas e funcionários do governo ao Quartel General da ONU, em Nova Iorque, e militares e diplomatas em missões de reconhecimento na República Centro Africana. Ao mesmo tempo, enquanto o Itamaraty se engajava politicamente, o planejamento do Ministério da Defesa e das Forças Armadas foi colocado em prática.

O processo de convite e espera da resposta brasileira se desenrolou num clima de pressão na ONU, especialmente dos Estados Unidos, para a redução dos custos das operações de paz. Apesar disso, o Secretário Geral da Organização conseguiu convencer o Conselho de Segurança a autorizar o aumento do efetivo da MINUSCA, bem como os recursos necessários para isso. O planejamento do DPKO indicava o desdobramento desse novo batalhão nesse mês de abril.

No entanto, apenas esta semana o Brasil respondeu negativamente. Mesmo que a resposta tenha sido justificada por problemas financeiros internos e o governo brasileiro tenha reforçado sua disposição de participar dos empreendimentos pela paz, a postura repercutiu negativamente, especialmente no âmbito das Nações Unidas.

Quando a ONU confiou no Brasil, até por conta da postura dos membros do governo envolvidos na questão, não avançou no processo de preparar tropas de outros países para o caso de uma resposta negativa brasileira. Isso resultará numa demora além do normal em desdobrar esse novo batalhão na MINUSCA. Com certeza, os responsáveis em Nova Iorque terão que justificar a demora em cumprir o que foi autorizado pelo Conselho de Segurança no final de 2017.

A questão da intervenção federal no Rio de Janeiro, com utilização das Forças Armadas, não deve ser utilizada como justificativa para o não engajamento em operações de paz. Durante os treze anos que o país manteve tropas na operação de paz da ONU no Haiti – MINUSTAH, desempenhando papel de protagonismo, vários eventos ocorreram no Brasil sem prejudicar essa atuação externa. Logo após o terremoto de 2010, mantivemos dois batalhões naquele país enquanto várias operações de ‘Garantia da Lei e da Ordem’ foram realizadas na capital carioca. Durante anos, as forças armadas, especialmente o Exército, mantiveram tropas ocupando morros no Rio de Janeiro, além de ter atuado no Espírito Santo, realizado ações cívico-sociais e de segurança em eleições, dentre outras, em diversos locais do país. Além disso, nesse mesmo período ocorreram a Copa do Mundo e as Olímpíadas, eventos que demandaram o emprego de efetivos militares consideráveis, sem que essas ações fossem utilizadas como justificativa para que o Brasil se retirasse do Haiti. Nesse sentido, as Forças Armadas, e principalmente o Exército que carrega o maior peso da participação em operações de paz, já demonstraram capacidade de atuação em frentes diversas ao mesmo tempo.

Qualquer que seja a justificativa oficial, na realidade a decisão foi política, num contexto de crise da política brasileira. Pior, com certeza foi tomada por um número reduzido de atores dentro do processo decisório brasileiro na direção contrária a que foi sinalizada pelo Ministério da Defesa e setores do Itamaraty. A decisão vai contra uma das linhas que norteiam a política externa do país de fortalecimento das organizações internacionais, especialmente a ONU. Também fortalece a percepção, que já vem de alguns anos, de haver uma desconexão da política externa brasileira em relação à segurança internacional. Nesse caso, foi a demora da resposta e nem tanto a negativa ao pedido da ONU, que pode ser considerada como uma certa falta de consideração para com a Organização, e provavelmente assim será percebida pelos seus Estados membros. Os problemas que terão que ser contornados dentro da ONU em razão dessa demora pode ser negativa para o país.

Ou seja, mesmo entendendo que o atual quadro interno do país, nesse caso específico e independente das justificativas apresentadas, o Brasil se comportou como um típico ‘anão diplomático’. O mais preocupante é que já há algum tempo o comportamento brasileiro no sistema político internacional vai nessa direção - a desconstrução pelos políticos da reconhecida e positiva reputação diplomática construída por décadas pelo Itamaraty.

(*) Sérgio Luiz Cruz Aguilar é professor livre docente em segurança Internacional da UNESP – Campus de Marília/SP com pós-doutorado na Universidade de Oxford – Reino Unido. Professor dos programas de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e de Ciências Sociais (UNESP).

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