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A questão da morte

Heitor Rodrigues Freire (*) | 20/04/2020 15:00

À medida que o tempo passa e as experiências vão se avolumando e enriquecendo a minha vida, em que olho para trás e constato com satisfação que minha passagem por este maravilhoso planeta azul me permitiu a oportunidade de contribuir efetivamente para a realização de uma unidade familiar, em que cada uma das minhas filhas criou a sua própria célula familiar, chega um momento em que o sentimento do cumprimento da missão assumida se manifesta com uma frequência constante, então começa a aparecer no canto da minha tela um lembrete que se torna cada vez mais presente: a inexorabilidade da partida.

A qualquer momento, não sei quando, chegará a hora de partir para novas realizações no plano espiritual, de voltar para a pátria celestial, e ali assumir novas missões em função do nosso plantio aqui na Terra.

E com essa perspectiva natural e inevitável, comecei a conjecturar a respeito da morte, de sua finalidade, dos benefícios que proporciona – embora para uma grande maioria que não consegue alcançar esse entendimento, ela seja um castigo – e das suas conseqüências.

A atual pandemia alterou muitos usos e costumes – alguns arraigados, como a realização de velórios, que na realidade não representam nenhum acréscimo ao falecido. O que este fez já está feito, tanto de bom como de mau; qualquer coisa que se faça nesse momento não vai acrescentar nada ao cidadão que ali se encontra com o rosto maquiado, vestindo um terno, muitas vezes com sapato novo – no Rio Grande do Sul, tem até um ditado: “Fulano se faz de morto para ganhar sapato novo” –, sendo que essa indumentária em nada vai contribuir para uma entrada triunfal no mundo espiritual.

Quantas famílias – quem sabe até por arrependimento – gastam somas elevadas para comprar o melhor caixão para o falecido.

Em vez de tristeza, ansiedade e desesperança provocadas pela morte, deveríamos aceitá-la como um dado perfeitamente natural da vida. E, para isso acontecer, é preciso que se fale da morte, e não que se usem palavras ou expressões substitutas que amenizem o seu significado. Isso significa admitir que, assim como outros processos – como o nascimento –, a morte é um estágio da vida, o qual sabemos que virá implacavelmente para todos nós.

Então entender essa situação como natural, aceitando-a, representa uma libertação. A propósito disso, transcrevo a seguir uma página, atribuída a Santo Agostinho:

A morte não é nada.

“A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei sendo.

Me dêem o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam vivendo
no mundo das criaturas,
eu estou vivendo
no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene
ou triste, continuem a rir
daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.

Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.

A vida significa tudo
o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Por que eu estaria fora
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora
de suas vistas?

Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho…

Você que aí ficou, siga em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi.”

(*) Heitor Rodrigues Freire – Corretor de imóveis, advogado e membro do Instituto Histórico e Geográfico – IHG/MS.

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